(parte1)
As manifestações religiosas de matriz africana estiveram
presentes no cotidiano de Pelotas desde muito cedo, sem que tenhamos notícia ou
registro de sua primeira ocorrência.Além disso, raros são os relatos, pelo
menos conhecidos, sobre tal assunto e, quando existentes, são tratados de forma
preconceituosa ou através de registros de ocorrências policiais.
Com o intuito de contribuirmos de alguma forma sobre tal tema,
estamos, desde há muito, coletando material para, se possível, o publicarmos em
forma de livro com o título de As
feiticeiras e feiticeiros da Princesa .
O registro mais antigo que encontramos, pelo menos até
agora, aconteceu quando em pesquisa feita na hemeroteca da Bibliotheca Rio-Grandense
onde constatamos que o Diário do Rio Grande,
de 27 de agosto de 1857, publicava uma coluna sob a denominação de Semanário, cuja função era a de informar
aos seus leitores sobre os fatos ocorridos em Pelotas durante a semana. Pois,
nesse dia, dia 27, era dito que constava ao Semanário
que em um casebre, “perto do quartel da polícia”, morava uma preta forra, que
pelos seus “feitiços” atraía todos os domingos uma quantidade de negros e
negras, que iam consultar a nova Pitonisa.
Alguns homens brancos, segundo o redator da coluna, também faziam ali suas
visitas, atraídos talvez pelos oráculos ou efeitos mágicos da feiticeira
africana. Segundo ele, seria fácil encontrar-se na mesma casa, com alguma
paciência, muitas raízes, ossos, sapos, e bugigangas, indispensável arsenal de
semelhantes embusteiros.
Garantia o Semanário
que se encontraria naquele local a pedra filosofal, aquela milagrosa formação
que transformava as palavras em ouro e algumas bebidas perniciosas em prata. Os
fregueses daquele covil deviam saber, por experiência, quanto custavam às consultas
e os resultados obtidos.
Embora fosse por gosto e vontade, que para aquele local se
dirigissem, era conveniente uma rigorosa averiguação, e um exemplar castigo, se
alguma coisa de suspeito fosse ali encontrada.
E se, na ocasião dessa busca, a polícia encontrasse alguns
daqueles homens brancos na cor e de sentimentos tão baixos, que não receavam
pôr-se a disposição de um impostor ou impostora africano, muito apreciaria o Semanário. Tal prisão ele [o jornalista]
até chegaria a ir visitar na cadeia, para conhecer tão insignes crédulos ou
velhacos.
Ao completar a notícia, o Semanário nos revela um fato anterior, sobre este assunto, na qual
é dito que desde que o Sr. delegado de polícia, recebera a denúncia que havia
uma casa “destes”, e, dando uma batida no local encontrou uma porção de
miudezas, que foram inutilizadas, e os donos levados à cadeia onde foram
castigados devidamente, não se repetira mais a experiência de enganar certa
classe do povo. Como aquele fato ocorrera há muitos anos, julgavam-no caído em
esquecimento, e por isso lembraram-se, considerando o presente muito pouco
animador para especulações que requeressem capitais, era oportuno tentar um
negócio que precisasse unicamente de astúcia e audácia, além de muita
credulidade “nos fregueses que são sempre abundantes para isso”.
Quanto ao início das manifestações religiosas de matriz
africana em Pelotas, é pouco provável que venhamos a saber a partir de quando
ocorreram, mas que fizeram parte do cotidiano da cidade, e principalmente dos
seus arrabaldes, não resta a menor dúvida, ainda que tais manifestações se
dessem de maneira oculta dada as proibições e repressões sofridas.
Em Pelotas, dentre tantos feiticeiros, curandeiros,
mandingueiros ou outra denominação qualquer que tenham tido os que aqui
praticaram tal atividade, três Eusébios se tornaram bastante conhecidos,
principalmente, através da imprensa pelotense. E assim, vamos encontrar nosso
primeiro Eusébio, o Eusébio Silva, nas páginas do jornal Correio Mercantil de 12 de julho de 1905. Sob o título de O Lufá – Feitiçarias, somos informados
que, há tempos, a polícia judiciária prendera um crioulo de nome Eusébio, e
conhecido nesta cidade e no Rio Grande pela alcunha de Lufá.
Diariamente, dizia o jornal, “esse patife” era visto
entrando em uma casa à Praça Constituição [20 de Setembro], onde, de acordo com
informações, havia uma moça que dele recebia benzeduras.
A jovem, “filha de um pobre homem”, dizia entre as
companheiras que ia passando bem com as benzeduras
do Lufá.
Segundo declarações do próprio Eusébio, a incauta jovem
estava apaixonada e sofrendo a ausência do rapaz com quem pretendia casar-se.
Tais informações haviam sido fornecidas à reportagem do
Correio Mercantil por um “cavalheiro de inteiro crédito”.
O jornal levava o fato ao conhecimento do Sr. subchefe
interino de polícia, a autoridade que, em boa hora, prendera “esse explorador
das crendices da ignorância de pobre gente”.
Dia 15 de junho de 1905, noticiava o Correio Mercantil que o Sr. subintendente municipal, considerando o
que noticiara o jornal acerca do conhecido “feiticeiro” Lufá, ordenara ao
comissário do 4º posto, que investigasse a respeito das falcatruas “dessa ave”.
Mas a “ave” batera asas e voara em direção ao Rio Grande,
era o que constava ao jornal.
Decorridos alguns anos desde a primeira notícia encontrada
sobre Eusébio da Silva, voltamos a encontrá-lo, novamente envolvido em
ocorrência policial nas páginas do jornal A
Opinião Pública de 21 de agosto de 1911, na qual era dito que às 18 horas,
do dia anterior, estiveram no 1º posto policial, duas crianças de “cor preta” e
de nomes Abelardo da Silva e Brandina Silva, filhos de Cândida Silva.
Chorando, as referidas crianças disseram aos ajudantes que
ali estavam que sua mãe aparecera em casa, ensanguentada, queixando-se de que
fora cruelmente maltratada por Eusébio Silva, morador à Rua Andrade Neves
nº861.
Um repórter que conversava com os ajudantes, tratou de
averiguar o que havia de verdade na queixa das duas crianças, seguiu em seguida
para a casa onde se encontrava Cândida Silva, localizada à Rua General Argolo
nº456.
No local residiam às mulheres América Alves dos Santos e
Jovita Alves dos Santos, irmãs, que informaram ao jornalista, que às 8 horas da
manhã entrara Cândida Silva com as vestes rasgadas e completamente
ensanguentada, queixando-se de que fora cruelmente maltratada por Eusébio
Silva, de cuja casa fugira espavorida.
O repórter, ouvindo o relato de Cândida, ouviu desta que
Eusébio depois de tê-la maltratado com palavras, deu-lhe forte bofetada,
deixando-a sem sentidos.
Acrescentou Cândida, não saber o que se passou depois,
podendo, entretanto afirmar que fora muito maltratada.
O corpo de Cândida não apresentava, porém, ferimentos,
apesar de suas vestes encontrarem-se muito ensanguentadas.
Disse ela também, que se sentia mal e, se porventura viesse a
falecer, culpassem unicamente, como causa de sua morte, “o preto Eusébio”.
Continua...
_____________________________________________
Fonte de pesquisa:
Bibliotheca Pública de Pelotas/CDOV
Revisão do texto: Jonas Tenfen
Postagem: Bruna Detoni