Se Pelotas não criou o charque, o charque e
a escravidão inventaram Pelotas (parte 3)
A.F.
Monquelat
O espaço territorial denominado Pelotas, é bem
provável que tenha origem entre os anos de 1780/81. E não por causa de José
Pinto Martins e sua charqueada; pois, quanto a este, aqui não esteve. Mas sim,
por ser 1781, o ano em que o governador Sebastião Xavier da Veiga Cabral da
Câmara assentou os alicerces para o surgimento da futura cidade.
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Mercado de Carnes - Jean-Baptiste Debret |
A historiografia pelotense, através de
pesquisadores, historiadores e cronistas da história, por ignorar os fatos e
desconhecer documentos sobre este assunto, segue atribuindo a José Pinto
Martins um pioneirismo que a este não coube. Pelotas, nos seus primórdios, já
dissemos anteriormente e voltamos a repetir, é consequência do agropastoreio; e
não de uma atividade menor, como era o ato de charquear. E nesta afirmação,
incluímos também o processo de povoamento do espaço territorial, que deu origem
à urbe.
Na tentativa de melhor contextualizar esta
afirmação, reproduzimos aqui parte das correspondências do governador José
Marcelino de Figueiredo enviadas ao Vice-rei, D. Luís de Vasconcelos e Souza,
entre os meses de setembro e outubro do ano de 1779. Na carta de 12 de setembro
“pedia o governador José Marcelino de Figueiredo ao Vice-rei que este mandasse,
a pedido dos moradores da Vila do Rio Grande, formar uma nova Freguesia nos
Campos da parte do Forte de São Gonçalo”. Em de 15 de outubro de 1779, aparece
o seguinte teor: “[...] tendo chegado à Vila do Rio Grande muitos Casais
oriundos da Praça da Colônia [do Sacramento], e ultimamente chegaram mais
quarenta famílias, todas pobres e de arrasto; [e] pedem farinha e carne para
comer, e eu não tenho nem para a Tropa, caso V. Excelência
não a mandar ou dinheiro para compra como já tenho pedido.
Já propus a V. Exª. (e aquele numeroso povo requer)
seria muito útil formar com aquela gente uma povoação, ou vila nos Campos chamados das Pelotas [grifos
nossos], ou em suas imediações na forma das Ordens de S. Majestade. E é muito e
muito útil, senão tanto povo perecerá, porque todo [ele] se tem juntado na Vila
de São Pedro [do Rio Grande] onde se conservam sem arrumação, e sem ter [o] que
comer, nem modo de viver e ainda será mais útil e necessário se forem outras
Freguesias, para aumento espiritual e temporal destes Colonos, [...]”
(MONQUELAT e MARCOLLA, 2010d, p. 53-54).
Poucos meses depois, Sebastião Francisco Bettamio
datava no Rio de Janeiro, aos 19 dias do mês de janeiro de 1780, sua “Notícia particular
do Continente do Rio Grande do Sul – Segundo o que vi no mesmo Continente, e
notícias que nele alcancei, com as notas que me parece necessário para aumento
do mesmo Continente e utilidade da Real Fazenda. [...]”.
Esta Notícia,
uma espécie de Relatório, tinha o objetivo de levar ao conhecimento do
Vice-rei, de quem partira a ordem, o que Bettamio vira, ouvira e sugeria quanto
às providências que no Continente deveriam ser tomadas.
Ao tecer comentários sobre várias freguesias, dentre
elas a Vila do Rio Grande e seus limites, nos informa Bettamio que: “Têm também
fregueses da parte de fora do Sangradouro de Merim, onde chamam os Campos das
Pelotas, e Arroio das Pedras”. Logo após, há uma Nota de Bettamio, na qual nos
diz que “Todas as freguesias nomeadas ocupam grandes extensões de terrenos, mas
a maior parte são estâncias de criações de gados”.
Diante
de algumas hipóteses aventadas por Bettamio, quanto a mudar a Vila do Rio
Grande para outro local, está a de que “Sendo a mudança para o campo chamado das
Pelotas, onde o terreno é melhor, e tem pedra, há os descontos de ficar
distante da barra mais de dez léguas; e não se poder fortificar, ou guardar
pela parte do campo sem uma numerosa guarnição [...]”.
Quanto aos “campos chamados S. Gonçalo, das Pelotas
ou do Serro Pelado” nos diz Bettamio, que estes “pertencem à Coroa de Portugal,
segundo o Tratado de Paz, mas como não está demarcada a linha de limites,
parece não ser justo ocuparem-se aquelas campanhas, nem repartirem-se a
moradores sem estar concluída a linha divisória; e o tenho visto praticar pelo
contrário, porque não só se tem repartido, mas até se tem vendido de um
particular a outro a posse por um título que não é, nem podia ser, e tal e qual
foi adquirido ainda antes da invasão que os Castelhanos fizeram no Rio Grande,
em cujo tempo não pertencia à Coroa de Portugal aquele terreno. Todos dão uma
boa informação dele para criações de gado, por ser de excelentes pastos, e a
ideia é fazer ali povoação, e puxar para lá os moradores”. Acrescenta logo a
seguir: “Confesso que não sei qual seja a política de separar os povos em
distâncias tão avultadas, expondo-os aos maiores incômodos e riscos. Meu
intento não é que se não utilize aquelas terras, mas antes pelo contrário digo
que é justo se empreguem em criações de gados, logo que pela linha divisória
ficarem nesses termos, não podendo os atuais possuidores alegar direito à posse
em que estão por serem intrusos e não poderem mostrar título legal, que lhes
autorize o domínio dos ditos terrenos que intrusamente ocupam. Sou sim de
parecer que, sendo lá as fazendas de gados, sejam as vivendas de seus donos
dentro do recinto da Vila, como já fica declarado”.
Fizemos questão de mostrar as ponderações feitas
pelo governador José Marcelino de Figueiredo, bem como as explanações e
sugestões de Sebastião Francisco Bettamio ao Vice-rei D. Luiz de Vasconcelos e
Souza, no intuito de mostrar que nossa afirmação quanto ao processo inicial de
ocupação dos campos denominados “das Pelotas” não foi obra fortuita ou tão pouco
de um único empreendimento: a charqueada de José Pinto Martins.
Dissemos, anteriormente, que os alicerces para o
surgimento da cidade de Pelotas foram assentados pelo governador Sebastião
Xavier da Veiga Cabral da Câmara, e para que isso fique mais visível ao leitor,
tomaremos alguns dados da petição do charqueador Antônio José de Oliveira
Castro contra Antônia Margarida Teixeira de Araújo, que ajudarão a compreender
a atitude do Governador quanto à Sesmaria do Monte Bonito.
Continua...
Muito bom e esclarecedor.... embora tenha pouco conhecimento, gosto muito de artigos que retratam fatos e fatores históricos....
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