O francesismo pelotense
(parte 1/2)
Toda
cidade tem suas lendas urbanas, e Pelotas não é diferente das demais. Talvez
até possamos dizer que as tenha em maior quantidade que outras cidades.
As lendas urbanas pelotenses que conhecemos, algumas já com
variantes, são tantas que é impossível nominá-las sem corrermos o risco de
outras não o serem.
Uma dessas e talvez a principal razão de sua existência
tenha sido a riqueza cultural produzida, graças ou melhor dizendo infelizmente
pelo charque manufaturado por mão de obra escrava e a exploração de poucos
sobre muitos, é a de que o homem pelotense se afeminou, ao ponto de usar renda
e babado em seu vestuário, pelo fato dos filhos dos “pataqueiros da
aristocracia do sebo” quando de regresso de Paris, cidade onde iam fazer seus
estudos, de lá terem trazido tal moda.
Ora, supondo que em Paris tivessem ido estudar os filhos dos
charqueadores, não seria em número tão expressivo ao ponto de servir de motivo
para o surgimento da lenda.
Temos dito, e o nosso dito é documentável, que Pelotas não
foi a Paris (leia-se França), e sim que Paris veio a Pelotas, tanto quanto a
França foi, na época, a qualquer outra cidade que tivesse poder econômico e
interesse em adquirir seus produtos.
No início dos anos 80 do século XIX, a colônia francesa de
Pelotas, em número superior a duzentas pessoas, encaminhou uma representação ao
Sr. cônsul geral da França no império do Brasil pedindo a criação de um
vice-consulado nesta cidade.
A iniciativa partiu dos Srs. Ambrozio Perret e João Peres e,
nesse documento, foi indicado, por acordo de todos os signatários, o nome do
Sr. Leopoldo Jouclá para o cargo de vice-cônsul.
Dentre as múltiplas atividades que esses franceses aqui
desenvolveram podemos destacar o fabrico de malas, águas gasosas, seges,
ourivesaria, fotografia, e tantas outras como bem podem ser observadas nos
anúncios feitos publicar nos jornais da época.
A influência francesa no cotidiano da cidade de Pelotas sem,
é evidente, esquecermos outras influências - e, dentre essas as das etnias
africana, italiana, alemã, inglesa e outras -, pode ser percebida nos diversos
momentos do processo de modernização, que a imprensa tratou por “progresso”, principalmente
para denunciar e reclamar contra os atos de sevícias praticados contra os
escravos do mundo rural e urbano, um claro exemplo de contraste entre
civilização e barbárie.
Com a contratação do jardineiro francês em novembro daquele
mesmo ano, Pelotas poucos meses depois teve, e por primeira vez, um jardim
público.
É também naquela mesma década, anos 70, que se pode
encontrar na imprensa pelotense o
anúncio da Fábrica de Seges Ferdinand Jantzen, no qual podemos ler ser esta
fábrica “uma das primeiras desta cidade”. Sege era uma antiga carruagem
fechada, de duas rodas, varais e um só assento, com a frente fechada por
cortinas ou vidraça e puxada por dois cavalos. Por extensão qualquer carruagem.
O Sr. Jantzen fabricava também tílburis, ônibus, carroças e
carretinhas e sua oficina contava com numerosos clientes tanto na cidade quanto
na campanha.
Na fotografia podemos citar o Sr. Carlos Serres & Irmão
que, nos anos 80 do século XIX, anunciava se ter mudado para a Rua Andrade
Neves além de outros fotógrafos tais como o Sr. Amoretty, nascido no Brasil mas
de ancestralidade francesa, o Sr.
Baptista Lhulhier, o multifacetado Dominique Pineau e outros.
Agora, havendo necessidade de um cabeleireiro parisiense
para obter um “coque da última moda”,
bastava ir ao salão do Sr. Gedéon Paul Boiteux na Rua General Neto nº 24 e lá
encontraria o que precisasse.
Caso o cavalheiro pelotense quisesse vestir-se a francesa
poderia ir “Aos l.000 Paletots”, loja de propriedade do Sr. Miguel Ardito recém-
chegado de Paris e que tinha a honra de participar ao público e aos seus
fregueses, que acabara de abrir à Rua São Miguel [atual 15 de Novembro] nº 107
uma casa especial de artigos para homem, todos de superior qualidade e
confeccionados pelas melhores casas de Paris.
Não quisesse o cavalheiro comprar a varejo, desejando
comprar em maior quantidade ou mesmo estabelecer um estabelecimento com artigos
de Paris, poderia fazê-lo através do catálogo dos grandes armazéns de novidades
“Au Printemps”, de propriedade de Jules Jaluzot & Cie., com várias filiais
em Paris, catálogo impresso em português e francês, que mandavam seus produtos
“livres de gastos de transporte para todos os países do mundo”. O catálogo
impresso em português não era somente uma prática dos Srs. Jules Jaluzot &
Cie., havia muitos outros grandes magazines que o faziam, assim como tinham
representantes em vários estados do império brasileiro e, em especial no Rio de
Janeiro, aliás cidade com a qual Pelotas mantinha estreitos vínculos e que
muito influenciou nos hábitos e costumes de Pelotas.
Em caso do cidadão pelotense, ou pelo menos os que pudessem
se dar a tal refinamento, ainda não falasse o francês, quem sabe umas aulas com
Madame Delouche Pineau, com diploma de primeira ordem da academia de Poitiers
(França), para o lecionamento de sexo feminino, que se encarregava de dar
lições de francês em casas particulares e em sua residência à Rua 24 de Outubro
[atual Tiradentes], entre as Ruas Andrade Neves e General Osório. Já as meninas
pelotenses, dentre outros colégios estabelecidos por franceses, poderiam fazer
sua educação no Colégio de Madame Jeanneret, estabelecido à Rua São Miguel
[atual 15 de Novembro] nº 151, onde encontrariam os professores Bernardo
Taveira Júnior, José Henrique Lara Ulrich, Frederico Trebbi e Madame Fulcher ou
quem sabe aprontar seu filho para os exames preparatórios completos para as
academias do Brasil, o que poderia ser feito no Colégio Francês do Monsieur
Charles Bachelery, que se mudara de Porto Alegre para Pelotas e instalara-se no
sobrado do Sr. major Arruda, bem próximo do Fragata.
Continua....
--------------------------------
Ilustrações: acervo da
Bibliotheca Pública Pelotense
Revisão do texto:
Professor Jonas Tenfen
Tratamento de imagens:
Bruna Detoni
Nenhum comentário:
Postar um comentário