quarta-feira, 2 de outubro de 2019

Primeira Guerra Mundial em Pelotas X - Ainda o caso da Cervejaria Ritter

Primeira Guerra Mundial em Pelotas  X -
Ainda o caso da Cervejaria Ritter


A. F. Monquetat
Jonas Tenfen



    Como relatado na edição anterior, circulou pela cidade de Pelotas, em novembro de 1917, um panfleto para fazer propaganda de um novo produto da Cervejaria Ritter, a saber, a cerveja Brasil. É pouco provável que houvesse alguma mudança substancial na receita do produto, alterando a qualidade tradicional com a qual a cervejaria trabalhava ou acrescentando novo ingrediente; a novidade estava no nome e na ideia de propaganda em gravar o nome “Brasil” com as cores da bandeira alemã. Houve quem visse nisso que “nosso país está por baixo do pavilhão teutônico”.
    A capa de O Rebate, do dia 26 daquele mês, destacou a Primeira Guerra Mundial, principalmente no que dizia respeito aos seus desdobramentos aqui na região. Encontramos uma carta escrita por J. L., endereçada de Rio Grande e datada do dia 22 daquele mês, onde é reiterado os chavões constantes: defesa da nação, agir em nome do direito, destaque ao indubitável fato do perigo alemão (“os habitantes das colônias formam um verdadeiro exército em disciplina e em preparo militar”), o Deus Kaiser, a insistência de que a desafronta é justa, custe o que custar.
    Ao lado da carta, a matéria principal com o título autoexplicativo “Canalhismo Boche: Ainda o caso da Cervejaria Ritter”; caso houvesse ainda alguma dúvida do posicionamento da matéria, antes do texto principal, uma chamada: “Para trás, farsantes!”. O leitor apressado que se contentasse apenas com um passar de olhos por esta edição de O Rebate sairia, com toda certeza, com má impressão da Cervejaria Ritter, talvez questionando se devesse consumir os seus produtos.
    A matéria, assinada por “Um grupo de brasileiros”, descreve a defesa que a Cervejaria Ritter fez nos jornais locais contra os ataques e mal-entendidos suscitados depois das propagandas acerca da Cerveja Brasil. O primeiro parágrafo reduziu as respostas a um pedido de desculpas, não somente por erro cometido, mas “postos diante do adversário capaz de enfrentá-los, curvam-se até o chão para pedirem misericórdia”.
    Sem dar nomes, o texto afirma que a defesa foi escrita por algum “brasilicus-boche”, tão insidioso quanto seus contratantes. Há menção a alguns cartazes onde a palavra Brasil, ou na grafia da época: Brazil, teria a letra Z de seu nome substituída pela cruz de ferro, uma imagem associada ao Kaiser Guilherme II, bem como ao exército alemão. Exceto por esta menção, não há outra notícia destes cartazes em Pelotas. Entende-se, é preciso destacar, que a propaganda da Cervejaria Ritter não fez uso da cruz de ferro, sim das cores da bandeira alemã.
     A partir dos contra-argumentos do texto “Canalhismo Boche” podemos perceber sendo quatro as linhas de defesa escritas pelo “brasilicus-boche”: a inocência da propaganda, o brasileirismo de Carlos Ritter, o tesouro Nacional e Estadual, e, o sustento de muitas famílias.
    Quanto à inocência da propaganda, foi alegado que tais cartazes despreocupados em relação às questões da cor e outras disposições artísticas. O objetivo não era outro que fazer propaganda à cerveja Brasil.
    Em resposta, foi pechada esta explicação de balela, lembrou também que “os ‘bugres’ deste país [...] não são tão ingênuos como pensa o escrevinhador da insultuosa defesa e seus sugestionadores.” Afinal, uma empresa tão poderosa, única em Pelotas com relações comerciais com a fábrica Ypiranga, bem como outras litografias, tinha conhecimento e experiência para entender o que estava almejando com a propaganda.
    Quanto ao brasileirismo de Carlos Ritter, esse deveria ser indiscutível. Descendente, é verdade, mas brasileiro e patriota, ciente de suas responsabilidades de cidadão e sustentáculo da comunidade.
     Em resposta, foi alardeado que dois dirigentes da fábrica são alemães de nascimento (na expressão usada no texto: “legítimos”), e, um deles, era oficial de forças armadas alemães. Assim, a Pátria Brasileira não via como patriota quem contratasse oficiais do exército de país inimigo, ainda mais em pleno estado de guerra. Semelhante ato semeava espiões por todo o território.
    Quanto aos Tesouros, a Cervejaria Ritter afirmou que “derrama” somas de dinheiro aos cofres nacional e estadual.
    Em resposta, a lembrança da obrigação: não fazia nada mais que o dever com o fisco. Sem cumprir esta elementar obrigação, a cervejaria teria as operações encerradas devido às ações legais da autoridade do fisco.
    Quanto aos brasileiros, a Cervejaria Ritter era o sustento de muitas famílias.
    Em resposta, resposta alguma. O “grupo de brasileiros” deixou de dar atenção ao argumento econômico: perguntou se a cervejaria estava confundindo salário com esmola. Afinal, os brasileiros que ali estavam, exerciam labores à espera de pagamento. Pensar que isto era esmola tratava-se de insulto que “precisa de enérgica repulsa na devida forma”.
    A defesa da Cervejaria Ritter encerrava com um ataque aos indivíduos, melhor: ao grupo, que explora o patriotismo por interesses pessoais. A resposta é bastante confusa, parece, em resumo, assumir que é melhor os brasileiros serem explorados por outros brasileiros que por estrangeiros.
    Ilustração da matéria “Canalhismo boche” é um clichê: imagem de um indivíduo de costas descendo para uma galeria subterrânea. Na legenda: “Entrada d’um posto de socorro, alemão, na floresta d’Ourocamps”. No site “past-to-present.com”, de onde tiramos a imagem que ilustra nosso texto, é dito que o autor da foto é desconhecido e que a data é de 1918. Em relação à autoria da foto, nada podemos dizer; quanto à data, o site que a veicula está equivocado, pois já no ano de 1917 esta foto circulava pela imprensa brasileira.
    No dia 27 de novembro, O Rebate noticiou novamente matéria de outros jornais pelotenses. Do “Opinião” sabemos que, sábado, de última hora, os dois alemães que ocupavam cargo de diretoria na Cervejaria pediram suas respectivas demissões ao conselho fiscal; e, do “Diário” sabemos que “já foram convidados para diretores dois apreciáveis conterrâneos”. A matéria de O Rebate afirma que “já é alguma coisa, embora não seja ainda tudo!” : a dispensa de dois diretores era insuficiente, era preciso que dentro de uma companhia brasileira tudo fosse brasileiro. Pois “só assim poderemos descansar e ter certeza de que não somos mais mistificados e de que na verdade é ‘de verdade’ brasileira a Companhia de Cervejaria Ritter”.
    Esta segunda matéria de O Rebate não leva assinatura, apenas três asteriscos ao seu fim.

Continua...
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Fonte: CEDOV – Bibliotheca Pública Pelotense. Imagem oriunda do site <past-to-present.com>.

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