quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Primeira Guerra Mundial em Pelotas XI - A batalha entre Brahma e Gambrinus

Primeira Guerra Mundial em Pelotas XI
A batalha entre Brahma e Gambrinus


A. F. Monquelat
Jonas Tenfen



Rei, padroeiro, "santo" Gambrinus


         É objeto de debates a origem termo Brahma para nomear a empresa de cervejas brasileira. Há quem diga que o fundador da empresa, o suíço Joseph Villiger, quis fazer uma homenagem ao compositor alemão Johanns Brahms, a quem diga que a homenagem foi para o britânico Joseph Bramah, engenheiro responsável por inventar a “torneirinha”, a válvula manual para facilitar a venda de chope em bares.
          Ficaremos com a terceira hipótese: o nome da cervejaria e, posteriormente, da marca faz referência ao deus do hinduísmo. Utilizamos imagem do rei e padroeiro – um deus aos apreciadores – Gambrinus para ilustrar matéria sobre Carlos Ritter. Assim, mantendo as alegorias, este texto trata sobre a batalha entre Brahma e Gambrinus.
         Acompanhar a história da Cervejaria Brahma pode dar a nós, facilmente, um panorama do mercado de bebidas no Brasil. Não exatamente pelo seu pioneirismo, pois a empresa fora fundada em 1888, enquanto que os primeiros relatos de consumo e produção de cerveja neste país datam da ocupação holandesa. Esse panorama é dado pela própria atuação da cervejaria na criação e expansão de mercados de consumo para bebidas: formação da Ambev, vitória jurídica para continuar utilizando a palavra chope – embora seja tecnicamente uma cerveja -, investimentos na PepsiCo, as campanhas de marketing dos anos 80 e 90, compra de cervejarias de médio porte. Agora a narrativa começa a se aproximar a Pelotas, e de Porto Alegre.
          Como visto no texto anterior, o décimo desta série, teve início em Pelotas campanha de difamação contra a Cervejaria Ritter, mais uma entre tantas outras. Agora, contudo, não se tratava da qualidade do produto, mas de quem o produzia: como uma fábrica brasileira pode ser gerida por alemães, alguns deles, oficiais do Kaiser? Era preciso, logicamente, que brasileiros produzissem cervejas para brasileiros. Esta semente foi plantada, apesar de alguma demora, iria frutificar. 

Brahma, deus da religião hindu

         A importância da Cervejaria Ritter para a cidade de Pelotas era visível. De projeção nacional, chegava a produzir cerca de 4,5 milhões de garrafas por ano e, em 1911, metade da arrecadação da Mesa de Rendas do município vinha desta indústria. É referência constante que esta fora primeira empresa com iluminação elétrica no estado do Rio Grande do Sul, e uma das primeiras do Brasil. Fabricava e vendia, à grande população, gelo. Além de refrescar as bebidas de reuniões nos anos 1930 e 1940, servia para conservar alimentos nas rudimentares geladeiras disponíveis à época. (Estas caixas refrigeradas possuíam um compartimento na parte superior onde as peças de gelo eram depositadas; por terem isolamento térmico, os compartimentos inferiores eram resfriados. Uma vez derretido o gelo, era necessário adquirir uma nova peça.)
         Ato com grau de ineditismo teve o sr. Alcides de Oliveira quando assinou manifesto que fora publicado no jornal O Rebate, em novembro e 1917, onde aventa várias formas de tratar os males da terra à época, a saber, o perigo alemão e de “todos que fossem súditos de nações aliada da mesma categoria”. O ineditismo de Oliveira termina em não usar pseudônimo, todo o demais da carta é uma reiteração longa e cansativa do que já estava sendo veiculado na imprensa. Destaque, contudo, a dois trechos. 
         O primeiro deles é o tópico “b” deste manifesto:
b) Confiscaria propriedades, fábricas, casas de comércio, farmácias, laboratórios, etc, de alemães e faria que esses estabelecimentos continuassem a funcional sob a direção de brasileiros honestos e idôneos com proveito à nação.

          O segundo deles é o encerramento, uma transcrição em francês da Marselhesa congregando os amantes do justo, do belo, do alevantado e do verdadeiro à ação, pois “Le jour de glorie est arrivé”.
         Ao lado deste manifesto, mais um desdobramento da Cerveja Brazil, sob o título de “Ainda o caso da cerveja Ritter”, lembrando que era preciso tornar de verdade brasileira a cervejaria, bem como seus funcionários. Abaixo deste, o apelo do governo a todos os brasileiros para que “respeite a pessoa e os bens alemães; só ao governo incumbe punir aqueles que atentarem contra a defesa nacional”.
         Não há relatos de agressão física contra Carlos Ritter nem de invasão e depredação das instalações de sua cervejaria. O clima, contudo, estava muito pesado para a veiculação e distribuição de seus produtos, sem contar o encarecimento da matéria-prima devido à inflação à época. Sem conhecer a falência, Carlos Ritter faleceu no entre guerras, no dia 11 de outubro de 1926.
          As sementes da nacionalização de empresas plantadas no imaginário coletivo do brasileiro durante o período da Primeira Guerra iriam frutificar durante a Segunda Guerra. Várias empresas receberam aportes para expansão de sua atuação em território nacional, incluindo a Cervejaria Brahma que, na década de 1940, comprou a Cervejaria Ritter. Depois de comprada, as atividades e as marcas foram descontinuadas, pois a ideia era a de criar uma grande marca – Cerveja Brahma – e não de administrar várias marcas menores.
         Usando a espada do capital e atacando no momento certo, Brahma venceu Gambrinus. 
         Percebe-se com facilidade a presença de Ritter na cidade de Pelotas. O Museu de Ciências Naturais que leva seu nome está novamente aberto à visitação. A presença também está na fala do pelotense, que ainda se orienta usando a “antiga cervejaria” como ponto de referência, bem como a memória do gelo: é bastante corriqueiro esbarrar em relatos de pessoas que compraram gelo naquelas instalações. 


Rei, padroeiro, "santo" Gambrinus

         Um adendo: o sobrinho de Carlos Ritter, o mestre cervejeiro Frederico Augusto Ritter, fazia parte da Cervejaria Continental, de Porto Alegre, que congregava algumas cervejarias menores, quando esta também foi comprada pela Brahma. Frederico passou a investir na produção de alimentos, dando origem a Ritter Alimentos, marca ainda hoje encontrada nas prateleiras dos supermercados. 

continua...

_________________________
Referências: CEDOV – Bibliotheca Pública Pelotense. Sobre a história da Brahma, além do verbete na wikipédia, foram consultadas a página oficial da cervejaria e a página da Ambev, em particular a aba “Histórico”. Sobre a arrecadação da Mesa de Rendas de Pelotas em 1911, ver a dissertação de mestrado “Estrangeiros e Modernização”, de Marcos Hallal dos Anjos (PUC-RS, 1996). Sobre a Ritter Alimentos e sua história, ver o livro “Frederico Augusto Ritter: de cervejeiro a doceiro”, de Ana Cristina Pires Beiser (EdipucRS, 2009). Fonte das ilustrações: Wikimedia Commons.

Nenhum comentário:

Postar um comentário