quarta-feira, 25 de setembro de 2019

Primeira Guerra Mundial em Pelotas IX - Ritter e a Cerveja Brasil


Primeira Guerra Mundial em Pelotas IX - Ritter e a Cerveja Brasil


A. F. Monquelat
Jonas Tenfen

            
          No que tange à imigração europeia ao Brasil, principalmente de origens alemãs e italianas – lembrando mais uma vez que estes adjetivos são espécie de guarda-chuva onde se reúnem vários grupos e culturas – sempre há exageros. Parece ser hábito do exercício da interpretação histórica, parece ser herança do pensamento de Von Martius no projeto de país após sua independência de Portugal. De todo modo, é sempre difícil escrever um texto sobre o tema sem que pareça propaganda ou que pareça menosprezo.
           No que tange a história de Pelotas, foi este tipo de imigração que trouxe um impulso industrial, ainda de pequeno porte. À margem das charqueadas, pequenos investidores adquiriam o que era descartado da produção do charque, a saber, língua, patas, os ossos; transformavam essa matéria-prima e exportavam como língua enlatada, cola, gelatina, guano.
            Com a estabilização do centro da cidade, muitos imigrantes que estavam na agricultura, mas que possuíam outras habilidades além do cultivo da terra, acabaram por migrar à cidade e montaram pequenas oficinas e fábricas nos fundos de casa. Sem contar que a pujança da cidade sempre atraiu todo tipo de vendedor, engenheiros, arquitetos, escritores. A derrocada do charque traria tão profunda crise porque chegou antes que esses setores da economia pudessem se sustentar para além do capital proveniente da fonte bovina.
           Destes indivíduos que iniciaram pequenas fábricas na cidade, era espontâneo que um ou outro ganhasse mais mercado e acabasse por se tornar indústria de porte. Na memória de quem lê este texto aparecem nomes que servem de exemplo ao exposto, vamos trabalhar com um em especial: a Cervejaria Ritter.
            O histórico de fundação desta cervejaria remonta ao ano de 1872. Época de instalação da primeira cervejaria de Carlos Frederico Jacob Ritter na Rua 24 de Outubro [atual Rua Tiradentes] às margens esquerdas do Arroio Santa Bárbara. Cerca de 8 anos depois, a empresa ganha prédio construído exclusivamente para este fim, mostrando os resultados financeiros do labor deste teuto oriundo de São Leopoldo. A sede própria era nomeada Fábrica de Cerveja Ritter; os frequentes do blog “Pelotas de Ontem” já fizeram um passeio pelo interior desta fábrica.
           Carlos Ritter dava diversos destinos aos ganhos provenientes da fábrica. No que diz respeito a si próprio, possuía excelente casa com ampla área, várias dependências e jardim, onde hoje se encontra a Faculdade de Medicina. No que diz respeito à comunidade, patrocinava vários concursos em clubes, por exemplo, dando prendas a concursos de tiro ao alvo. No que diz respeito à fábrica, mantinha sempre o maquinário o mais moderno o possível, sendo esta uma das primeiras a ter energia elétrica.
O exemplo de cartilha do jovem pobre vindo do interior que se tornar um grande industrial na cidade. Até a vinda da Primeira Guerra a Pelotas, quando Ritter gradativamente passou a ser visto como inimigo, ou antes, como boche.
Há uma suspeitava de que a casa de Ritter poderia ser alvo da turba enfurecida durante a Noite das Fogueiras, em Pelotas. O Clube de Tiro Alemão que fora depredado era próximo da residência do industrial e parece lógico que este fosse o próximo alvo. Como os revoltosos acabaram por se dispersar com a vinda de forças de segurança, deixaremos este episódio da Noite das Fogueiras à especulação.
Em edição de 20 de novembro, o jornal O Rebate traz um Reclame inconveniente, cujo subtítulo é mais expressivo: “O Brasil por baixo da Alemanha”. Transcrevemos o reclame abaixo:

“Distinto amigo enviou-nos dois reclames que a Companhia Cervejaria Ritter está distribuindo pelas casas comerciais, como propaganda da marca de cerveja ‘Brasil’.
Esse reclame ostenta um fundo com as cores da Bandeira Brasileira; mas, o nome ‘Brasil’ traz as cores da bandeira alemã, parecendo, embora, não tenha sido essa a intenção como é de supor, que o nosso país está por baixo do pavilhão teutônico.
Devemos convir que esse reclame torna-se inconveniente, por isso que pode dar margem às más interpretações e quiçá a fatos desagradáveis.
A companhia Cervejaria Ritter deveria ter se abstido de empregar, neste momento grave, as cores da bandeira germânica, amaldiçoadas por todos os brasileiros e por quase todo mundo, máxime tendo sido nacionalizada a mesma companhia.
O reclame a que aludimos nem se quer traz a rubrica da litografia que o imprimiu. Isso, se não demonstra a intenção da obra, pelo menos autoriza que se suponha preconcebida e ofensiva ao nosso amor próprio.”

Pelo contexto, entendemos que a palavra reclame quer dizer “propaganda”. A palavra, “máxime”, por sua vez, é advérbio sinônimo a “principalmente”.
Não podemos deixar de notar a ambiguidade do título, afinal, quem estava sendo mais inconveniente: a Cervejaria Ritter ou a atmosfera denuncista do “distinto amigo”? Toda justificativa parecia válida, pois precisava de muito menos para dar margem a “más interpretações e fatos desagradáveis”.
Notamos também o desproporcional quanto à necessidade do anonimato. A reclamação do último parágrafo sobre a falta de identificação da empresa que fez a propaganda deixa clara a busca por identificar todo e qualquer apoiador boche, seja pela atividade que for. Em contrapartida, um patriota, um cidadão, um amigo podem continuar mandando cartas aos jornais – embora só tenhamos encontrado estes textos em O Rebate – sem que seja cobrada a honesta identificação de quem acusa, ou mesmo provas mais coerentes quando se falava de levantes contra a soberania nacional. Protegidos pelo anonimato, essas pessoas se tornavam corajosas na tentativa de insuflar no peito dos leitores o desejo de repetir a Noite das Fogueiras. Afinal, um detalhe como estes é o suficiente para concluir que “se se suponha preconcebida e ofensiva”.
Este reclame foi o que chamamos hoje de “flyer” ou mesmo panfletinho: pequenas propagandas impressas distribuídas de mão em mão, quase sempre por pessoas contratadas para este fim, ou deixados em ponto específico para os interessados. Vemos nesta propaganda uma tentativa de Ritter salvaguardar seus negócios, seu patrimônio e, de conclusão fácil, a própria segurança pessoal. Como veremos, a guerra de propaganda está só começando.

Continua...
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Fonte: CEDOV – Bibliotheca Pública Pelotense. Os dados biográficos sobre Ritter estão mais bem trabalhados na série “Carlos Ritter e a contribuição industrial para Pelotas”, disponível no blog Pelotas de Ontem

2 comentários:

  1. Muito interessante. Em que parte da Tiradentes era essa fábrica? Escutei uma vez que chegava barco aonde fica a medicina hoje. Parabéns pelo conteúdo. ��������

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    1. possivelmente próxima da rua Barão de Santa Tecla, Sr. Gabriel.

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