quarta-feira, 30 de outubro de 2019

Luz na Ritter

Luz na Ritter


A. F. Monquelat
Jonas Tenfen



    Dom Pedro II sempre fora muito atento às novidades tecnológicas que surgiam na Europa e na América do Norte. Seja por curiosidade galante, seja pelo estranhamento de ser um monarca longe do velho mundo. Dessa curiosidade implicou estar no gabinete dele o primeiro telefone do Brasil, por exemplo. Por isso, já em 1879, foi concedida pelo imperador a Thomaz Edison a autorização para trazer ao Brasil equipamentos necessários à produção e distribuição de energia elétrica. 
    Em breve, alguns edifícios públicos acabariam por colocar algumas lâmpadas do lado de fora, iluminando alguns trechos das cidades. Consta que em 1881, à Diretoria Geral dos Telégrafos, na cidade Rio de Janeiro, coube o pioneirismo da iluminação pública externa. A primeira experiência consistente de iluminação pública, contudo, foi na cidade de Campos, no estado do Rio de Janeiro. Era de esfera municipal, sendo um pioneirismo em esfera nacional e sul-americana. 
    Deixando de lado a inauguração de algumas hidrelétricas e termoelétricas, vê-se que em 1903, já no período republicano, o primeiro texto de lei, aprovado pelo Congresso Nacional, sobre os usos da energia elétrica no território nacional. A partir deste texto de lei, vários empresários e investidores de pequeno e médio porte investiram na compra de equipamentos de geração de energia e iluminação. Entre eles, os irmãos Ritter.
    No dia 18 de abril de 1907, uma quinta-feira, foi inaugurada oficialmente a luz por eletricidade na fábrica. Fácil de imaginar que os testes antes da inauguração já devessem chamar atenção e curiosidade da população pelotense, atraída pelo esplendor em teste da cervejaria. Dois jornais, ao menos, deram notícia no dia seguinte do feito luminoso: Correio Mercantil (sob direção de Augusto Simões Lopes e matéria de Gonçalo Abreu) e A Reforma (fundado por Gaspar Silveira Martins e matéria de João C. de Freitas).
    Atendo-nos na primeira matéria, sabemos que o jornalista fora recebido na fábrica pelo guarda-livros do estabelecimento, Luiz Petrucci, e pelo redator do Diário Popular, Florentino Paradeda. Dois anfitriões, cada um em sua especialidade, buscando causar a melhor impressão nos convidados, “entre outros, os seguintes cavalheiros”: coronel Pedro Osório, vice-presidente do estado; capitão Luiz Manoel Pennafiel, representando dr. Cypriano Barcellos, intendente municipal; Frederico Basto, juiz da comarca; capitão Fernando Röhnelt, subintendente; capitão Alexandre Gastaud, chefe do telégrafo; dr. Ferreira Velloso; capitão Antonio Rosa, Otto Heuer e Affonso Moutier, gerente e chefe da seção de máquinas da casa Bromberg e Cia; dr. Joaquim Leite, Francisco Rodrigues da Silva, da Cia de Seguros Pelotense; Lourenço Vinholes, da Fábrica Aliança; Carlos Nussbaunn; Francisco Monsarro; João C. de Freitas, pelo jornal Reforma; Póvoas Jr., pelo jornal Opinião Pública; Carlos Souza, pela revista Cavação; J. Veríssimo Alves, pelo jornal Arauto.
    A visita do jornalista de A Reforma também foi acompanhada por Frederico Ritter Filho. É fácil de entender que não fora apenas um grupo e um passeio dentro da cervejaria, sendo todos, ao fim, reunidos para uma celebração coletiva.
    Vamos à descrição dos equipamentos.
    Os trabalhos de instalação da luz elétrica ficaram a cargo do eletricista Ernesto Büchilli, a serviço da importadora Bromberg & Cia, responsável por trazer a Pelotas todo o equipamento necessário. Segue a descrição do jornalista:
    ‘A luz distribuída nos diferentes departamentos da fábrica, escritórios e residência particulares dos proprietários é fornecida por um dínamo de 100 amperes, dando de 110 a 150 voltas.
    O dínamo é da fábrica alemã Simem & Halsche.
    Desenvolve as correntes elétricas, acionando-as, um motor de força de 150 cavalos.
    Estão distribuídas pela fábrica 137 lâmpadas.
    Destas, cento e trinta e três são de 10 a 50 velas e quatro de arco voltaico, são duas de 300 velas e outras duas de 2000 velas. ”
    Ao fim da descrição, foi relatada a presença de outros aparelhos que funcionam à eletricidade – ventiladores portáteis, ventiladores fixos, estufas, fogareiros, ferros de engomar – presentes na fábrica. Imagina-se que também importados pela Bromberg & Cia.
    Vamos aos discursos.
    Terminada a visita, todo o grupo fora reunido na sala de refeições da família Ritter para cervejas, doces, sanduíches e discursos. Se lidos, a luz elétrica deve ter facilitado a compreensão dos textos.
    Representando o Opinião Pública, fez uso da palavra Póvoas Jr. Representando a casa Bromberg & Cia, fez uso da palavra Otto Heuer. Agradecendo em nome dos irmãos Ritter, fez uso da palavra Luiz Petrucci. Brindando a imprensa local, fez uso da palavra o capitão Antônio Leivas de Carvalho.
    Terminados os lanches e os discursos, os presentes foram agraciados com canivetes-reclame, na descrição do jornalista de A Reforma. Além da marca da Cervejaria Ritter, os instrumentos também possuíam saca-rolhas. 
    A matéria do Correio Mercantil descreve a impressão deixada pela visita teve duplo valor. 
    O primeiro, um incentivo: “filhos do povo, tivemos ali, bem perto de nós, aberta, exposta aos nossos olhos, em páginas de ouro, a história daquela imensa ‘colmeia’, em a qual tão bem nos descrevem o quanto vale o poder da vontade. Já é um consolo o saber-se que o ‘nosso’ convencionalismo cruel, intolerável e injusto, e o ‘vales quanto tens’, cedem lugar àqueles que a golpe de trabalho, de inteligência e de perseverança conseguem seguir, impávido, desassombradamente, sempre para a frente!...”
    O segundo, uma esperança que “confortou-nos a alma aquele bulício, toda aquela movimentação, uma vida nova! – porque se nos afigurou que Pelotas compartilhava também daquela atividade e que saia, assim dessa apatia que nos envergonha, dessa inércia criminosa que desgraçadamente está voltada a nossa terra, não porque ela não seja imensamente rica – aqui está representada as maiores fortunas do Rio Grande do Sul – mas, infelizmente, é a verdade, porque não temos muitos Carlos ou Fredericos Ritter.”
    Por fim, mais agradecimentos pelo tratamento dispensado aos jornalistas e pela noite incrível. Na canetada das palavras finais, ficou um aperto de mão.
    Em notícias posteriores, pode ser acompanhada a ampliação das instalações elétricas da cervejaria, até mesmo experiências de pequeno porte de iluminação pública e de um campo de futebol. Pelas noites pelotenses, a bola passaria a rolar com muito mais destreza do que até então rolava.


----------------------
Fonte: Sobre a história da iluminação no Brasil, consulte o site da CEMIG (<http://www.cemig.com.br>). CEDOV – Bibliotheca Pública Pelotense.

Nenhum comentário:

Postar um comentário