Primeira Guerra Mundial em Pelotas XII
O ano de 1918 [Encerramento]
A “Grande
Guerra” ou a “Guerra para acabar com todas as guerras” (como se pensou à época)
ainda se arrastaria por todo o ano de 1918 pela Europa. O ponto culminante, a
abdicação do Kaiser Guilherme II, só ocorreria em novembro daquele ano. Depois
vieram uma série de tratados que acabariam por fomentar sentimentos
revanchistas: o estofo daquilo que viria a se tornar a Segunda Guerra Mundial.
Em Pelotas,
contudo, os desdobramentos foram menores neste ano. Seja pelo esgotamento de
pautas, seja pela certeza de que não haveria um levante boche que tomaria toda
a América. O inimigo acuado na Europa deixava de demostrar perigo nas terras da
metade sul. Demissões e ostracismo também auxiliaram, pois a presença de
falantes de língua alemã arrefeceu consideravelmente no centro da cidade,
diminuindo, por consequência, os atritos.
Como de hábito,
as notícias que seguem são do jornal O Rebate, sempre atento aos desdobramentos
da guerra e veículo para denuncismos. Damos destaque a dois dados que desenham
a importância deste jornal ao período: a cobertura da Noite das Fogueiras e, em
segundo lugar, o fato de que este veículo ficou à margem da campanha de
propagandas contra a (e as defesas da) Cervejaria Ritter.
No mais, as
miscelâneas.
Sob o título de
“Assim não vai... nada com o s boches”, no mês de janeiro, temos a notícia de
um casamente que quase não fora realizado por causa do general Hindenburg. A
saber, o Henrique d’Ávila se dirigiu à casa de Ricardo Peckmann para celebrar o
casamento da filha deste. Na residência, d’Ávila percebeu pendurada na parede o
retratado de Paul von Hinderburg, o comandante do exército imperial alemão. Em
protesto, assumiu que não realizaria cerimônia alguma à sombra de semelhante
olhar e, não difícil de imaginar, um bate-boca deve ter sido iniciado. Ao fim,
Peckmann aceitou retirar o retrato da parede, e a cerimônia de casamento
ocorreu normalmente.
Ainda em
janeiro, quase no fim daquele mês, ao lado da longa matéria sobre a coroação da
rainha do Club Diamantinos (nos preparativos do carnaval), a notícia de uma
briga de bar. O título da matéria, contudo, é um pouco mais épico: Chopps,
vivas e pancadaria: boche imprudente, a represália do povo”.
Domingo
passado, começa a matéria, foi aniversário de nascimento de Satanás, atendendo
na Terra por Kaiser Guilherme II. No “Bar Sul Rio Grandense” (nome que
recentemente adotara o estabelecimento “WatherRhein” para evitar represálias),
encontravam-se diversas pessoas a beber chopps da conceituada cervejaria
Haertel.
Vários
patrícios ali presentes começaram brindes e vivas ao Brasil, à França, à Itália
e aos demais países aliados. Entoaram também o patriótico hino do valoroso Tiro
31. Um dos presentes, contudo, viu oportunidade começou a dar vivas ao Kaiser e
à Alemanha.
A confusão teve
início. E fim bastante rápido.
Aos socos e
pontapés, o indivíduo foi expulso do bar e deixado à sarjeta, ferido e aos
trapos. Os demais presentes lamentaram a imprudência dele enquanto que os donos
do bar se desmanchavam em desculpas, tentando apaziguar os ânimos para que a
briga não virasse generalizada.
Correu notícia
pela cidade, e ganhou ares de exagero: não era mais um boche, mas um grupo que
no referido local havia entoado o hino “Deutschland uber alles” em homenagem ao
Kaiser. O jornal O Rebate fez questão de dizer que isto foi invencionismo, pois
apurara com um dos presentes ao acontecimento e nada passou de um viva e de uma
surra. Mas era tarde...
Ontem, o “povo
reunido” foi ao referido estabelecimento para depredá-lo a pedradas e golpes de
cacetete, quebrando muitos dos vidros e ameaçando ir além: em breve as chamas
iriam ganhar vida. Outro grupo de “povo reunido”, também de patrícios, assumiu
a postura apaziguadora, argumentando que era para ser evitada a represália
enquanto todos os fatos não fossem apurados. Uma força da Brigada Militar
chegou ao local para encontrar apenas o bar depredado: os revoltosos já haviam
se retirado.
Encerrando a
matéria, “Oxalá sirva este fato de exemplo a uns tantos boches que por aí anda
assanhados, sem lembrar-se da crítica situação que se lhes depara...”
Em março, o
desfecho em briga dos desdobramentos de uma notícia que poderia ser falsa.
“Pugilato por causa de uma notícia” é título elegante para descrever uma briga
de rua onde os envolvidos eram distintos cavalheiros.
O jornal Echo
deu notícias de festa para comemorar o regresso a cidade do Francisco
Beherendorf, negociante. A festa fora de caráter íntimo, na residência deste
cavalheiro, e, para animar os convidados, um gramofone executou várias peças em
alemão.
O jornal A Opinião
Pública fez correção ao fato, por meio de informações prestadas pelo Leopoldo
Maciel. O jornal, sem dar naquele momento a fonte, contestou a matéria de Echo,
não passava tudo de engano e mentira no que se refere às músicas em alemão.
Em contragolpe,
o Echo reafirmou o exposto, alegando inclusive ter ouvido testemunha presente
ao local. Fonte sem nome também possuía o Echo.
Em resposta,
Leopoldo Maciel empenhou seu nome nas páginas de A Opinião Pública, assumindo a
responsabilidade pelo afirmado nas páginas deste jornal, assegurando a integridade
das informações do veículo.
Acuado mas não
rendido, a resposta do Echo pôs em dúvidas a integridade da honra e da palavra
de Leopoldo Maciel. Fim do primeiro round em papel, início do segundo round ao
vivo.
Indignado por
ser difamado, Leopoldo Maciel se dirigiu
à redação do Echo para tomar exigir maiores explicações, o que iniciou um
acalorado debate com o diretor do jornal, Almeida Peres. Não demorou para este
debate se transformar em pugilato, atraindo a atenção dos olhares de quem
passava pela rua. Devido a uma queda, Almeida Peres teve um ferimento na face.
No Diário
Popular, uma declaração lacônica tentava dar ponto final aos desentendimentos:
Declaração
Os abaixo-assinados declaram, sob
palavra de honra, por isso que se achavam presentes, ser a expressão da verdade
o que pela imprensa local publicou o sr. Leopoldo Maciel, relativamente ao
falso boato levantado contra a pessoa do Sr. Francisco Behrendorf, por ocasião
de sua chegada do Rio de Janeiro.
Pelotas, 14 de março de 1918
Joaquim Luis Osorio
Paulo Gastal.
Fim da série “Primeira Guerra Mundial em Pelotas”.
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Referências:
CDOV – Bibliotheca Pública. Fonte da imagem: wikimedia commons.
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