quarta-feira, 23 de outubro de 2019

Passo dos Negros: uma história provável

Passo dos Negros: uma história provável


 A. F. Monquelat
Jonas Tenfen

        


        Uma possível e provável história desta denominação, em nosso entender, está originariamente ligada a outras duas alcunhas ou toponímicos, quais sejam: Passo do Neves e, posteriormente, Arraial do Passo Rico. 
        Acredita-se que a antiga denominação, Passo do Neves, seja originária e esteja diretamente ligado ao nome do seu primitivo descobridor e/ou morador daquelas redondezas.
        Arraial era a denominação de lugar pequeno e temporário, povoado ou lugarejo.
       Já o nome de Passo Rico, que se confunde no tempo com o de Passo dos Negros, teve certamente sua origem tão logo tenha sido decretado, ao que parece em fevereiro de 1820 (ainda que solicitado desde 1815, pelo Marques de Alegrete), a autorização para cobrança de tributo na passagem de gados pelo canal de São Gonçalo com destino a Freguesia, tendo em razão desse “fabuloso rendimento” o local de arrecadação e passagem a ser chamado de Passo Rico, e outras vezes de Povoação do Passo dos Negros.
        Acreditamos que tão logo instituído o pedágio de vadeação das tropas, que se encaminhavam às charqueadas, tenha surgido naquele plano de terreno o Arraial ou a denominada “Povoação do Passo dos Negros”, compreendendo um pequeno número de ruas e travessas, dentre elas, no sentido paralelo ao Canal São Gonçalo a Rua da Praia e duas outras, no mesmo sentido: a Rua de São João e por fim a Rua de Campo; já no sentido vertical: a Travessa do Padeiro, a Travessa da Divisa e a Travessa para a banda de José Jerônimo, Não nos cabendo maiores informações quanto ao número de pessoas ou suas atividades, no entanto é correto afirmar ali ter existido uma capelinha. 
      Visto termos colocado em cena os elementos necessários para expor nossa hipótese, considerando o fato do caminho do gado em direção às charqueadas, em especial as que o margeavam para atingir as estabelecidas naquela região (também chamada de Estrada da Costa) e o alto fluxo de pessoas, não somente de escravos, que por ali transitavam, em sua maioria negra, podemos deduzir ser o caminho desses negros das charqueadas denominado de Passo dos Negros, ou seja: o caminho dos negros, a passagem dos negros.

O Passo dos Negros e algumas tragédias

        Em 23 de abril de 1891, o jornal Correio Mercantil noticiava que dia 21 daquele mesmo mês, das 20 para as 21 horas, no corredor das “xarqueadas Passo dos Negros” os pretos Libânio e Prudêncio encontraram-se com o seu companheiro João Mendes, com o qual tinham rixa velha, e, armados de facão, fizeram-lhe um ferimento que atingiu a parte superior do crânio do paciente.

Escorregou e caiu no tanque onde fervia a graxa

        O pardo Olympio Alves, 18 anos de idade, e que há muito era empregado na charqueada de propriedade do Sr. Coronel Justiniano Simões Lopes, situada no Passo dos Negros, quase morreu no dia seis de abril de 1912 de maneira trágica e dolorosa.
Olympio, após terminar o seu trabalho na charqueada, dirigiu-se para a margem do arroio, com o propósito de pescar.
        Às 11 horas, voltava ele da pescaria quando, ao passar junto ao tanque onde fervia a graxa escorregou e caiu dentro deste.
        Aos gritos que Olympio dava, foram ao seu socorro alguns companheiros que ainda chegaram a tempo de livrá-lo de uma morte horrível, rasgando-lhe a roupa imediatamente e untando-lhe o corpo com azeite e querosene.
        Em seguida, os seus companheiros colocaram-no em um carro de praça [táxi] transportando-o para a Santa Casa onde, devido ao estado grave em que se encontrava, ficou hospitalizado.

Ferimento no Corredor do Passo dos Negros

        Outra forma pela qual era conhecido aquele caminho era o de Corredor do Passo dos Negros. Pelo menos até o ano de 1915 era forma que a imprensa assim se referia. Na matéria do A Opinião Pública, em sua edição de 3 de abril do mesmo ano ao tratar de um ferimento ocorrido às 22h30 da noite anterior, motivo pelo qual apresentara-se no 1º posto o cidadão Paulino Monteiro, “branco”, de 23 anos de idade e que apresentava um ferimento no vazio, produzido por faca.
        Paulino declarou ter sido ferido por Pompílio Nunes, na ocasião em que este brigava com outro indivíduo, no extremo da Rua Tiradentes, no corredor do Passo dos Negros, perto da charqueada Pedro Osório & Co.


Conflito e morte entre carneadores da charqueada São Gonçalo

        Durante o serviço de matança, dia 8 de maio de 1929, à tarde, na charqueada São Gonçalo, de propriedade dos Srs. Pedro Osório & Cia., travou-se séria discussão entre os carneadores Leonardo Cardoso, negro, solteiro, de 28 anos de idade, e Benjamim Soares, também negro, contando 26 anos e natural do 2º distrito de Piratini.
        No calor da discussão, Benjamim chamou seu desafeto de “morrinhento”, ao que Leonardo retrucou dizendo que a noiva dele não era do mesmo parecer.
        Tal ofensa de Leonardo enfureceu Benjamim e, após mais umas investidas de ambos os lados, a rixa teve um ponto final parecendo ter terminado por ali mesmo.
        Às 18.30, à saída dos trabalhadores da charqueada fizeram ponto de parada no armazém São Gonçalo, de propriedade do Sr. João Ricardo Recuero, que ficava próximo àquele estabelecimento saladeiril, quando ali entrou Benjamim Soares, empunhando uma adaga, e, sem dizer uma palavra, investiu contra Leonardo, que recuou de encontro ao balcão, se defendendo com o braço desarmado, dizendo ao seu agressor:
        - Sai rapaz, que eu não quero te matar.
        No entanto, rápido, Benjamim vibrou-lhe dois golpes, ferindo-o no antebraço direito e no dedo indicador da mão direita.
        Sentindo os golpes e vendo que seu agressor não parava de lhe desferir golpes, Leonardo sacou de seu revólver e atingiu Benjamim duas vezes, ferindo-o no braço direito e na região mamária e fugindo à fúria de seu inimigo que, ainda de adaga em punho, saiu em sua perseguição.
        Após correrem uma quadra e meia, Benjamim caiu ao chão, morrendo em seguida.
Vendo Benjamim caído, Leonardo para e se entrega ao Sr. João Recuero, que havia saído de sua casa comercial em direção ao local em que estava Benjamim, entregando seu revólver e pedindo a Recuero que chamasse a polícia, pois queria entregar-se.
        O comerciante comunicou o fato ao 2º posto policial e ao Sr. Capitão João Gomes Nogueira, subdelegado daquele distrito, comparecendo ao local o Sr. Comissário Bráulio Pereira e dois guardas daquele posto, que efetuaram a prisão do assassino, à ordem do Sr. tenente-coronel Octacílio Fernandes, delegado de polícia.
        Leonardo, depois de apresentado à autoridade, foi recolhido ao xadrez do 3º posto.
Também foram entregues ao Sr. delegado de polícia o revólver do assassino, com cinco balas calibre 38, sendo duas deflagradas, e a adaga do morto, uma “xarqueaJaira” de 13 e meio centímetros.
Na delegacia, foram ouvidos, no dia seguinte, o Sr. João Ricardo Recuero e várias pessoas que assistiram ao conflito.
Benjamim Soares, o morto, pretendia casar no dia 5 do mês seguinte, tendo para tal mandado vir do 2º distrito de Piratini, sua noiva Hilda Borges, já morando em Pelotas à Rua Dona Mariana.
O corpo de Benjamim, que fora levado para o necrotério da Santa Casa, foi ali velado, depois de examinado pelo Dr. Oscar Echenique.
Leonardo Cardoso foi, à tarde, posto em liberdade, em vista de não ter sido preso em flagrante e de ter sido comprovada a sua legítima defesa


_____________________________________________________

Fonte de pesquisa: CDOV – Bibliotheca Pública Pelotense
Imagens: acervo de A.F. Monquelat
Tratamento de imagem "Copia": Marília Brandão Amaro da Silveira

Nenhum comentário:

Postar um comentário