segunda-feira, 1 de maio de 2017



O Cabaré da Lili (parte 2)
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A.F. Monquelat


         E, conforme prometera, voltava o articulista, dando vistas à polícia:Induzir mulheres, quer abusando da sua fraqueza ou miséria, quer constrangendo-as por intimidações ou ameaças, a empregarem-se no tráfico da prostituição; prestar-lhes, por conta própria, ou de outrem, sob sua ou alheia responsabilidade, assistência, habitação e auxílios para auferir, direta ou indiretamente, lucros desta especulação” – dizia o Art. 28 do Código Penal da República, cujas penas eram:  no grau máximo, dois anos de prisão celular, e multa de RS 1.000$. No grau médio, um ano e seis meses de prisão e multa de RS 750$. No grau mínimo, um ano de prisão e multa de 500$.
            A lei, dizia o jornalista, era clara, e o pior cego era aquele que não queria ver.
         A polícia sabia de sobra, estava cansada de saber. Que não podia de forma alguma consentir em semelhante especulação de cabarés, que ia de encontro à lei, ao direito, à razão, ao bom senso e à justiça.
         O negócio era lucrativo e os ASTROS de primeira grandeza.
         Eis a razão porque fervilhavam no ambiente perfumado os vapores do champanhe.
         Ainda era tempo de evitar-se um grande mal, cumprisse-se a lei, mas não se torcesse como dizia o padre Antônio Vieira, do alto da sua cátedra.
         Agora, com relação à tavolagem, muito ainda lhe faltava dizer.
            Parecia-lhe impossível que homens de certa envergadura e inteligência, se deixassem levar, tocados pelo sopro da ganância, para o antro da perdição e do crime.
            O que era um jogador? 
         Um tipo desprezível, sem imputabilidade moral, que percorria cabisbaixo, triste e abatido o mais ínfimo degrau da escala social.
            O jogador estava equiparado ao criminoso de morte.
         Ele matava, fria e calculadamente, para roubar e jogar.
         E, no entanto, não era expulso do meio da sociedade decente.
         Eles se conheciam até por senhas, tramavam nas trevas, e riam-se debochadamente das graciosas providências das próprias autoridades.
         Era demais.
         Já tinha em seu poder, sem que pudesse dar a publicidade, por incompleta. Uma lista com os nomes de diversos cadáveres da desmoralização, do vício e da jogatina, o que prometia fazer na primeira oportunidade.
            Urgia uma medida qualquer, embora violenta, que se enquadrasse nas claras, expressas e taxativas disposições do Art. 369 do código citado.
         Pois, só assim a calmaria voltaria, depois de uma ruidosa borrasca.
            Aos 5 dias do mês de fevereiro        de 1916, voltava o jornalista de O Rebate à empunhar a pena contra o cabaré da Lili, desta vez, indagando se o Sr. Pedro Osório estaria de acordo; se teria dado a competente licença e passando a palavra o Sr. João Manoel Gomes da Silva, delegado de polícia bem como vistas ao Sr. Dr. Vieira Pires ao artigo que denominou de “Seriedade postiça...”, no qual iniciava dizendo que, bem diziam os lugares-tenente da tavolagem, que o Sr. delegado de polícia nada mandava em Pelotas com relação ao exercício da jogatina e outros vícios que a acompanhavam.
         Afirmavam os profissionais do jogo que, uma vez o chefe político local consentindo, “não tinham que dar satisfações a ninguém”.
         E de fato, parecia assim ser; pois, o Sr. Pedro Osório chegara de sua viagem a porto Alegre e, tanto bastou para que a jogatina alçasse o colo, ostentando-se arrogantemente, à luz de possantes globos elétricos, num debute de luxo, de sons e de cores, prestigiada pela presença de opulentas hetairas.
         Segundo fora ele informado por um empregado da “pensão da Lili”, há pouco inaugurada com grande bombo, a jogatina entrara a fazer parte do programa da mesma casa de... diversões e comezainas, com espetáculos pelo estilo dos do Rio de Janeiro, Montevidéu, Buenos Aires e Paris...
         Desde o dia 3 daquele mês o bacará reinava soberano, sobre a mesa azul onde se agrupavam numerosos notívagos, amantes da orelha da sota e outros passatempos inocentes.
         A orgia começava depois da meia-noite, quando terminavam os quadros vivos e outras representações... para inglês ver.
         A roleta ainda não entrara em ação porque a freguesia era escassa e não dava para satisfazer as necessidades desse jogo de azar.
         Dentro em breve, segundo soubera e apregoavam alguns adoradores do novo templo da moral ela, a deusa dos desocupados, dos que imolaram tudo na pira da corrupção, faria sua estreia retumbante, abocanhando o dinheiro dos incautos e despenhando vítimas no sorvedouro do mal.
         Para isso já ali se ostentava, flamante, tentando, escandalosa mesmo, a mesa verde que fizera as delícias dos frequentadores do extinto cabaré da Rua Marechal Floriano.
            Restava agora saber, dizia o jornalista, uma coisa: O Sr. João Manoel Gomes da Silva, digno delegado de polícia, estaria de acordo com aquilo? Consentiria em ser desautorado pelos jogadores ou mesmo pelas condescendências do Sr. Pedro Osório, se é que elas existiam?
         Aquela autoridade policial tinha afirmado em contrário, dizendo que tão depressa tivesse conhecimento de haver jogatina ali ou em qualquer outra parte, daria uma batida, apreendendo os petrechos de jogo, prendendo e processando os viciosos que encontrasse na ocasião.
            A oportunidade de demonstrar esses bons instintos chegara.
            Desse ele uma batida, inesperadamente, com jeito e arte, sem espalhafato, pelas 2 horas da madrugada, e “estamos certos” de que muito teria que fazer na ...”pensão” da Lili.
            A denúncia aí ficava para os necessários efeitos e com vistas também ao Sr. Dr. Vieira Pires, chefe de polícia do Estado, a quem o jornalista iria cientificar o fato, para que não se diga que a tavolagem não existe atualmente em Pelotas, como o “jogo do bicho” que se exercia às escancaras.
            Assim agindo, estaria ele cumprindo a  sua promessa de inflexível combate a todos os males que pudessem afetar a sociedade.
Comentassem agora a sua atitude como quisessem, na certeza de que ele só conhecia uma diretriz: para adiante!
         Trazia também o jornal daquele dia, sob o título de “Uma francesa exploradora, uma denúncia, cujo teor era o seguinte: “Vítima da exploração habitual da francesa Lily d’Or ou Elizabeth de tal (nomes que usa alternadamente), julgo oportuno vir desmascará-la, para que os incautos se previnam e evitem cair nas garras de tal sanguessuga.
            Como se sabe, a ave de arribação montou, a título de Pensão, uma casa de tolerância e jogatina onde se reúnem várias pessoas atraídas pelas MERCADORIAS oferecidas ao consumo e as quais têm sido esfoladas vivas, quando vão ao sacrifício do pagamento das despesas feitas; só falta, para completar a obra, tirar-lhes os olhos da cara!
            Pois as carteiras entram cheias e saem vazias, graças às exorbitâncias dos preços mantidos para qualquer iguaria ou bebida servida.
         Como houvesse reclamações contra tamanhas extorsões, Lily d’Or ou Elisabeth de tal entrou a atirar a responsabilidade destes fatos para os garçons.
         Eu não aguentei a falsa imputação e protestei, despedindo-me e pedindo prestação de contas.
         A francesa-águia quis pagar (9) nove dias de trabalho com a esmola de dois mil e quinhentos réis (2.500$).
         Boa para extorquir o suor alheio em tudo!...
Justamente indignado atirei aos pés da megera, a esmola que me queria fazer e saí dali repugnado e disposto a por a calva a mostra a semelhante máquina pneumática, que há de acabar por absorver as últimas economias dos papalvos que lá correm, para comer e beber ou para jogar o “bacarat” e a roleta, que ali estão funcionando despudoradamente, de 1 hora da madrugada em diante, todas as noites. Aí fica o aviso aos incautos.
Pelotas, 5 de fevereiro de 1916. João Batista Aranalde”.

                                                                                              Continua...

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Fonte de pesquisa: Bibliotheca Pública de Pelotas/CDOV
 Revisão do texto: Jonas Tenfen
Postagem: Bruna Detoni


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