segunda-feira, 15 de maio de 2017

O cabaré da Lili (parte 4)



         Nós aqui, também estamos cansados de dar a palavra ao Sr. delegado de polícia e ele continuava surdo e mudo como as pirâmides do Egito.
         É que pelo visto, já fora dado SANTO E SENHA para recomeçar a jogatina, a bem de arregimentar as hostes que deveriam bater-se, proximamente nas urnas.
         O Sr. Pedro Osório, pelo visto, dera suas instruções à autoridade, e ordenou que ela tratasse bem aos jogadores, anuindo a quanto pedissem.
         Nem outra coisa era lícita supor, depois que o Sr. delegado de polícia viu-se na dura e penosa contingência de faltar a sua palavra quando afirmara que, em sabendo do funcionamento de qualquer tavolagem, daria uma batida, apreendendo os petrechos de jogo, e prendendo os viciosos que ali encontrasse, submetendo-os a processo!...
            A prova de que os jogadores tinham o placê do Sr. Pedro Osório, chefe político local, era que, o jornal ao iniciar essa moralizadora campanha, temendo a perseguição da polícia, o pessoal da casa de tolerância e tavolagem de Lili de tal, se pôs em movimento, de automóvel, buscando “garantias”.
         Essas, pelo visto, foram concedidas; pois, como se estava vendo, a jogatina ousadamente, desafiando a ENERGIA do Sr. delegado de polícia, que a ameaçara de morte continuava.
         Todas as noites, após um simulacro de representações e cantorias, começava a girar a esfera da ROLETA, enquanto os papalvos ali iam deixando, no pano verde, o fruto do seu trabalho ou das suas economias.
         De resto, isso não poderia causar surpresa, pois Lili de tal e a “caçamba” que se lhe associara, andavam dizendo, por toda a parte, que tinham licença do Sr. Pedro Osório, para montar a máquina infernal da jogatina.
            Um escândalo que muito depunha contra a seriedade do chefe político local; pois este deveria compreender que, servindo de capa dos jogadores, feria de frente os fanfarrões do governo do Estado, quando apregoou estar no firme propósito de... acabar com a jogatina.
         Além disso, não ficava bem a um cavalheiro respeitável, tornar-se ostensivamente o protetor de uma súcia de viciosos, que nem ao menos tinham a prudência de guardar sigilo a propósito da concessão moral que Sr. delegado lhes fazia, por mero espírito de politicagem.
         Com tais processos de ação e com a tão nociva interferência de chefes políticos na esfera de atribuições da autoridade, como poderia esta agir e manter-se decorosamente no cargo de que a investiram.
         Impossível!
         O resultado era esse: a autoridade desautorada, o vício triunfando e a moral da administração pública pela rua da Amargura.
         Haverá maior escândalo, mais flagrante indecência?
         Se quisessem proteger a jogatina, para conseguir votantes, permitissem-na abertamente, para todos, sem exceções odiosas e regulamentassem-na de maneira conveniente, dando-lhe foros de “indústria” lícita, permitida em lei e sujeita aos dispositivos dela.
            Ficaria sendo mais razoável a existência do terrível cancro social, pois não gozaria assim das imunidades de negócio ilícito, praticada à sombra da noite, em soturnos esconderijos e de alcateia com a polícia.
Destarte ficar-se-ia sabendo que, aqui e ali se jogava e que as pessoas que frequentassem esses lugares eram jogadores.
Por sua vez o poder público poderia auferir os lucros decorrentes de pesados tributos impostos às casas de tavolagem.
O que se não podia suportar era o presente STATU QUO: o governo proibindo por um lado à jogatina, como nociva e criminosa, e o Sr. Pedro Osório e outros, por outros lados, dando permissão para o funcionamento do jogo!...
Urgia definir o assunto:
         Era ou não permitida à tavolagem?
         Se fosse, deixassem-na em paz; se não era, fizessem-lhe guerra de morte, acabasse com o antro da Lili e outros que por aí pululavam.
         Como parte integrante do programa da casa de tolerância de Lili de tal, houve na mesma, por causa do jogo, uma baderna que poderia ter tido graves consequências.
         Bom seria que a polícia, “hoje surda como um túmulo às nossas reclamações”, não tivesse que intervir naquele local, para tomar conhecimento de fatos tristíssimos!...
         Depois do fato ocorrido, não seria a “bondade” e a tolerância do Sr. Pedro Osório que remediaria os males havidos...
         Em 13 de fevereiro de 1916, dizia o jornalista que o Rio Grande do Sul fora novamente sacudido por um UKASE [qualquer ordem ou decreto oficial]; do Sr. Vieira Pires, “reiterando ordens que anteriormente expedira, para perseguição da jogatina”.       
Quando essa notícia foi lida na casa de tavolagem de Lili de tal, os viciosos que ali se achavam reunidos a jogar o BACARÁ, soltaram estrondosas gargalhadas, dizendo que a determinação daquela autoridade superior não se entendia com Pelotas; pois aqui quem mandava a respeito era o Sr. Pedro Osório e esse chefe político já dera CARTA BRANCA para a jogatina, afirmava o jornalista.
            Acreditando piamente que assim fosse, porquanto o jogo continuava a reinar naquele antro de perdição, desafiando com arrogância os melindres do Sr. delegado de polícia ou de quem por ele quisesse tomar as dores.
         Os donos daquela tavolagem não deram o mínimo sinal de alarma, com a prevenção do Dr. Vieira Pires. Pelo contrário, debocharam canalhamente a pretensa energia do mesmo funcionário, assegurando que haveriam de continuar a patifaria, visto como estavam garantidos por quem tudo podia, queria e mandava.
         Por sua vez as outras casas de jogo que haviam suspendido o funcionamento, até segunda ordem é claro..., voltaram à atividade, pululando por toda a parte.
            E assim se escrevia a história!...
         Não lhe surpreendia, porém, esse descalabro. Fartos estava de saber que viviam num ambiente carregado de sofismas, prenhe de aparências enganadoras.
         A tal falada moral administrativa se resumia na maneira mais bombástica de ostentar benefícios que não possuíam, a fim de que ao longe fossem tidos por um povo dignamente governando.
         Causava revolta ver como se mistificavam as coisas, como se iludia a credulidade pública, como se mentia com tanto descaro!...

Moulin Rouge - Paris



                                                                                              Continua...

_____________________________________________
Fonte de pesquisa: Bibliotheca Pública de Pelotas/CDOV
 Revisão do texto: Jonas Tenfen
Postagem: Bruna Detoni

Nenhum comentário:

Postar um comentário