segunda-feira, 8 de maio de 2017

O Cabaré da Lili (parte 3)


 “Entrou em cena a roleta!” Era o que anunciava O Rebate do dia 7 de fevereiro de 1916
            Por ordem ou com licença dos Srs. Pedro Osório e João Manoel Gomes e Silva , conforme murmuravam os viciosos, continua funcionando abertamente a tavolagem, na suposta “pensão de artistas” de Lili de tal.
         Ontem, 6 de fevereiro de 1916, com todas as honras do estilo, foi inaugurado o jogo da roleta, que funcionou até as barras do dia de hoje,7 de fevereiro.
            Como era de ver, não faltaram incautos, que se deixaram depenar. Um viajante, que se hospedava no Hotel Aliança, perdeu em três tempos a “bolada” de trezentos mil réis.
         Outros lhe seguiram as pegadas, queixando-se depois do momento em que penetraram naquele “templo de moralidade”.
         Escusava dizer que a autoridade policial não fez caso, absolutamente, da denúncia do jornal, fazendo “ouvidos de mercador”, a tudo quanto dissera.
         Lamentava o jornalista que isso sucedesse; pois o Sr. delegado de polícia prometera, sob palavra de honra, que, em sabendo do funcionamento de qualquer casa de jogo, daria uma batida, prenderia os jogadores, submetendo-os a processo e apreenderia os petrechos da “inocente” diversão.
         Tudo fora conversa fiada, confirmando-se assim as declarações dos jogadores de que o Sr. João Manoel Gomes e Silva não mandava nada em questões dessa ordem e sim, o chefe político local, o Sr. Pedro Osório.
         O jornal, porém, cumpriria o seu dever, verberando-o ao conhecimento das autoridades superiores, como já o fizera.
            Sem que as autoridades policiais adotassem as providências que eram lícitas esperar, dado o mentiroso pregão de combate à jogatina, continuavam a funcionar francamente, na casa de tolerância de Lili de tal, a Roleta e o Bacarat.
         Esses jogos de azar, segundo antecipadamente proclamaram os viciosos, foram permitidos e autorizados pelo chefe político local, Sr. Pedro Osório, a troco, naturalmente, de dedicações partidárias, dizia o jornalista
         Alguns incautos já tinham pagado o seu tributo, deixando nos panos verde e azul o produto de muitas economias, quiçá o fruto de laborioso trabalho.
         Em tudo isto, quem estava fazendo uma triste figura, perdoasse-lhe a franqueza o Sr. delegado de polícia, era o Sr. João Manoel Gomes e Silva, cuja palavra de honra fora agora posta à prova e escarnecida pelos jogadores, os mesmos que diziam que a autoridade não mandava nada em questões de jogo e sim, o Sr. Pedro Osório...
            Lamentando sinceramente, o “fiasco” que o Sr. delegado de polícia estava fazendo, e mais uma vez “nos capacitamos” de que não havia seriedade alguma em ato algum do governo que tanto o infelicitava.
Uma miséria!
O Rebate, porém, cumpriria o seu dever, houvesse o que houvesse, acontecesse o que acontecesse.

Moulin Rouge - Paris


Segue a farra!...

            Continuou à noite passada, 8 de fevereiro de 1916, na casa de tolerância de Lili de tal, o funcionamento dos inocentes JOGUINHOS da Roleta e do Bacarat.
         A afluência ia aumentando graças à frouxidão ou condescendência do Sr. João Manoel Gomes e Silva, delegado de polícia, que absolutamente não tinha, porque não queria, prestar ouvido às fundamentadas denúncias do jornal.
         Sabia ele de várias pessoas que deixaram quantias bastante regulares, no pano verde da Roleta.
         Aquele antro do vício, da perdição e do impudor, apresentava à noite feérico aspecto, como que a desafiar as iras e os adormentados estímulos morais nossa polícia. Luz a jorros, sons de orquestra, flores, mulheres e champanhe se consignavam num consórcio híbrido de libertinagem.
         Até ao amanhecer, as fichas cantavam sobre as mesas da jogatina, enquanto que as algibeiras dos muitos iam ficando aliviadas do peso que traziam...
         Era de ver-se, à luz do dia, irem saindo pouco a pouco os notívagos, com as feições alteradas, macilentos, a caminho de suas casas, em troca do dia pela noite e vice-versa.
         Toda a gente via  isso. Só o Sr. delegado de polícia não o enxergava.
         Mísera miopia ou... injunção partidária?
         Era ou não permitida à jogatina?!
Pelo visto sim, pois, dia 8 daquele mês, o redator de O Rebate recebeu uma carta, a qual deu publicidade, com o seguinte teor:

            “Ilmo. Sr. Redator d’O Rebate. Muito saudar.
            Admirando a campanha moralizadora, que vindes fazendo contra a jogatina, não nos furtamos aos aplausos de que é merecedor, pela elevada atitude assumida neste caso escandaloso do jogo entre nós! È de fato uma vergonha o que se está passando em Pelotas, sem que para corrigir tais abusos tome uma providência o Sr. Delegado de Polícia, que, para honra de seu nome, já devia ter deixado o lugar que ocupa. E, para que não se diga que são EXAGEROS os fatos apontados pelo O Rebate, adiantamos também que até na própria Catedral com o consentimento de D. Francisco, os sócios da “União Pelotense”, fazem também as suas BANCADINHAS, a título de passatempo!...
            Isto, Sr. Redator, é o cúmulo dos cúmulos, o maior atentado  contra o brio e dignidade das Famílias que frequentam aquele lugar! E, é assim que se procura incutir no espírito dos fiéis os sagrados princípios da Religião de Cristo.
            É assim que o moralizado D. Francisco quer ensinar ao seu rebanho!...
            Chamamos a atenção da Polícia para mais esta casa de jogo que, à sombra da religião e da pobreza vai corrompendo grande número de pessoas. Contamos com o apoio de O Rebate, para o esclarecimento deste caso mais que vergonhoso.
            Com elevada estima e consideração, subscrevo atenciosamente, obrigado.
Olegário Junqueiro”.

A jogatina em Rio Grande
            No Rio Grande, como aqui, a jogatina descarada e audaciosa estava alçando o colo e afrontando a moral social.
         Pelo estilo da célebre “pensão de artistas” aqui instalada luxuosamente pela francesa Lili de tal (como se aqui aportassem artistas em número tal, que permitissem o funcionamento de uma casa de tal ordem), se cogitava fundar, na cidade vizinha, segundo denúncia recebida pelo jornal Tempo, uma casa de jogatina, no sobrado à esquina das Ruas Marechal Floriano e Benjamim Constant.
         Esse estabelecimento seria em grande escala.
            A propósito diz o redator do citado jornal:
“Íamos escrever – com vista ao Sr. subdelegado, mas desistimos, por ignorarmos ainda quais as ideias de S.S. em relação ao jogo, que o chefe de polícia está mandando perseguir em toda a parte. Está o Sr. Matta Bacelar no exercício da delegacia de polícia, e se é que não lê pela mesma cartilha da autoridade, a quem substituiu, não carece que lhe digam qual é o seu dever.
            Entretanto, a jogatina em todas as suas manifestações, continua a campear livremente, quer aqui quer no Cassino, onde a roleta protegida funciona, dia e noite, sem o mínimo embaraço, antes amparada pelo absurdo de constituírem as praias de banhos uma zona a parte, privilegiada, onde é dado atentar impunemente contra a lei.
            Verdade é que, fora do nosso país, há quem explore oficialmente o jogo, nas estâncias balneárias, e ainda há pouco líamos a notícia da renda fabulosa que na municipalidade do Rio da Prata auferira dessa exploração desonesta.
            Nós, porém, não chegamos ainda à perfeição do Estado converter o vício em fonte de renda, de sorte que os jogos proibidos por lei em toda a parte o são, não se admitindo que se os puna num sítio e se os permita noutro.
            De resto, bem pode ser que a nossa polícia entenda lá para si – e não deixaria de ter razão – que sendo livre, como é a jogatina na cidade, inçada de casa de tavolagem, vem a tornar-se perfeitamente lícito o funcionamento da roleta no Cassino.
            Tem a palavra o Sr. subdelegado de polícia para dizer como pensa a respeito”.

            VOX CLAMANTIS IN DESERTO. A do colega rio-grandino, afirmava o redator de O Rebate.

                                                                                              Continua...

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Fonte de pesquisa: Bibliotheca Pública de Pelotas/CDOV
 Revisão do texto: Jonas Tenfen
Postagem: Bruna Detoni


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