terça-feira, 25 de abril de 2017

O Cabaré da Lili*

(parte 1)






O redator do jornal O Rebate, aos 11 dias do mês de janeiro de 1916, falando sobre a jogatina dizia-se com razão quando recebeu com uma gargalhada o “decreto” sobre perseguição à tavolagem, pois voltara o vício a campear impunemente em toda a parte, queimando assim a fita cinematográfica da chefatura de polícia estadual.
         Dizendo estar tudo como dantes, para variar, se perguntava:
         - “Onde está a moralidade dessa gente que governa?”
         É possível, no entanto, que a indignação do jornalista se ativesse, no caso, a Pelotas, pois em seu jornal, daquele mesmo dia, publicara que as autoridades de Porto Alegre, segundo constava, por notícias de lá recebidas, continuavam a perseguir a jogatina.
         Diariamente efetuavam-se diligências naquele sentido, sendo conduzidos à prisão muitos viciosos e apreendidos os diversos utensílios do jogo.
         Assim, em um só dia, por exemplo, o delegado auxiliar, major Orlando Motta, deu uma batida em um armazém de secos e molhados, de propriedade do Sr. Ramão Beltrão, e ali encontrou, a jogar, sete indivíduos, que foram presos; em uma casa de pasto, de Oscar Castro e também prendeu, em flagrante, nove jogadores; em uma confeitaria, à Rua Azenha nº 191 e levou presos 12 jogadores, apreendendo mesas, cadeiras, baralhos, fichas, dados e dinheiro; por fim, já pela madrugada, foi a um prédio à Rua Santana, ocupado por diversos jogadores, apesar de haverá porta o letreiro, de “Aluga-se”, fugindo esses pelos muros e telhados vizinhos.
         Diante de tal atitude, se interrogava o redator: “porque será que em Pelotas não se faz o mesmo, campeando como a jogatina campeia desenfreadamente?”.
         Tanto era, que na célebre casa de tolerância de Lili de tal, a roleta, o bacará e outros jogos “inocentes” continuavam imperando, cantando as fichas no pano verde, como gargalhadas a estalar na face do Sr. delegado de polícia.
         Essa autoridade, cuja palavra de honra fora quebrada pelas imposições e concessões do chefe político local, Sr. Pedro Osório, não dera ainda um passo, não tomara a mínima providência, diante das reiteradas denúncias que O Rebate vinha trazendo a lume, e que constituíam, segundo o jornalista, a prova esmagadora da verdade.
         O Sr. delegado de polícia, fugindo ao cumprimento do dever e até se tornando conivente com a patota da tavolagem, posto que sabendo da sua existência não agia, perdera de todo a energia moral, avacalhara-se, consentindo que o prestígio de autoridade rolasse a seus pés, enlameados pela reincidência criminosa e aviltante dos industriais da jogatina.
         Tivesse-se em outra conta o seu caráter, que não o de um fraco ou de um vencido, ser-se-ia forçado a aceitar a hipótese de que outros motivos “mais poderosos” atuavam na sua consciência para assim agir, com tanta pusilanimidade e relaxamento.
         O Rebate, porém, não cansaria de clamar, exigindo o cumprimento da lei ou que de uma vez para sempre caísse às plantas dos figurões do funcionalismo, a máscara da cor duvidosa que traziam afiladas, com o intuito de aparentar uma moral que nunca tiveram.
         Prosseguiria o jornal na campanha e, se nada conseguisse, restar-lhe-ia o consolo do dever cumprido.
            A considerar pela matéria publicada pelo mesmo jornal, dias depois, é possível supor que o cabaré da Lili, estivesse localizado em outro local, pois, voltava o jornalista a anunciar, sob o título de “Abaixo a jogatina. Com vistas à polícia. Conventilho em Pelotas”, que breve, muito breve, seria aberto e franqueado ao público de Pelotas, um conventilho, antro de verdadeira prostituição, onde se poderiam gozar os vapores da embriaguês, do vício, do deboche e da corrupção.
         Seria o cabaré situado à Rua Andrade Neves, passando a Benjamim Constant, onde os amantes do lupanar encontrariam à frente do referido estabelecimento, alegre, feliz e contente, uma sorridente francesa por apelido Lili, que, com seus lábios impuros oscularia por certo as suas vítimas, na voragem da infâmia, da degradação e da imoralidade.
         Na mesma casa funcionária ainda um cabaré, que teria a sua frente, como chefe absoluto da jogatina, um irrecuperável “Bicheiro” [banqueiro de jogo de bicho], que vivia a custa do suor alheio, embrulhando sempre os infelizes incautos na lista dos 25 [referência aos 25 bichos que compõe a lista].
         Informava o jornal que, por um negociante “honrado” desta cidade, muitos móveis estavam sendo vendidos, e pagos à vista, para semelhante antro.
         Estava, portanto, devidamente montado e pronto para funcionar.
         Eram indispensáveis, com urgência, as providências da polícia, enérgicas, prontas e decisivas.
         Somente assim não teria a cidade a lamentar mais tarde um resultado funesto, consequência do ajuntamento ilícito de gente de tão baixa classe.
         Prostituição e jogatina, companheiras inseparáveis, que fazia lembrar ao jornalista os tempos da antiga Grécia.
         Prostituição: venda da própria carne, no mais requintado grau de desmoralização.
         A quanto chegava à miséria humana, exclamava o jornalista.
         Jogatina: descer todos os degraus da infâmia, perder por completo a vergonha, ser afinal jogador.
         E, no entanto, a polícia parava, vacilava e ficava estática.
         Um pouco mais de boa vontade, de energia e de resolução, que tudo ficaria acabado.
         A cidade ficaria completamente limpa, e os petrechos bélicos se reduziriam a cinzas.
         Esta que era a verdade nua e crua doesse a quem doesse, sucedesse o que sucedesse.
         Nada de pedidos, nada de proteções, cadeia com eles, porque só assim ninguém mais se lembraria da jogatina, fora daí, tudo era conversa fiada.
         Encerrava prometendo voltar no dia seguinte, com fôlego jurídico, ao assunto, a fim de retalhar os cadáveres da desmoralização e do vício.


                                                                                              Continua...

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* Extraído do livro, ainda inédito, A princesa do vício e do pecado
Revisão do texto: Jonas Tenfen
Postagem: Bruna Detoni

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