Cigana Terena, o mito pelotense
A.F.
Monquelat
Jonas Tenfen
A
cidade de Pelotas, quase no apagar das luzes do ano de 1882, mais precisamente
aos 29 dias do mês de dezembro, não imaginou que serviria de berço para o
nascimento de seu primeiro mito.
Tampouco aqueles ou aquele que propagaram a lenda da
maldição da cigana sobre esta mesma cidade tiveram conhecimento ou noção que,
com essa falsa praga ou maldição jogada aos quatro ventos, germinaria e se
transformaria no primeiro e popular mito da cidade.
Um mito que, desde algum tempo, adquiriu o status de fazedor
de milagres, um mito que para nascer, morreu...
Sem que tenhamos ideia ou registro histórico do porque
aquele grupo, tribo ou nação de pessoas na época tratadas como beduínos, raça
arábica, bohêmios ou qualquer outra denominação que fosse, quando a eles o povo
ou a imprensa se referiam, acampou na Rua Professor Araújo, proximidades da
chácara do Sr. Antônio Joaquim Caetano da Silva, pouco adiante de Avenida Bento
Gonçalves ali armou suas tendas, em número de sete.
Tão logo a imprensa tomou conhecimento do fato, surge, naquele
mesmo dia, o primeiro registro de suas presenças através do jornal A Discussão,
cuja matéria tem por título a seguinte expressão: “Beduínos”, e, logo a seguir,
a informação de que acabara de chegar a Pelotas, achando-se acampados na
extremidade da hoje Avenida Bento Gonçalves, cerca de 50 pessoas de raça
arábica, os quais por toda a província eram conhecidos por beduínos.
A segunda notícia sobre a chegada dos ciganos, entre os
quais estaria a cigana Terena, vem como forma de alerta, e permeada de visível preconceito,
através das páginas do jornal A Nação.
A notícia iniciava dizendo: “Beduínos”, aí os tinha a
cidade, chegados de fresco. Prosseguindo, dizia o jornalista terem eles
assentados os seus arraiais à Rua Professor Araújo, dispondo as sete tendas
que, segundo ele, significavam os pecados mortais. Ali estavam prontos a
decifrarem, no brilho das estrelas, a sina de nós outros, pobres mortais.
Ainda, e seguindo o mesmo tom desdenhoso, dizia como seria
agradável saber um homem qual o dia que haveria de fechar a mala para a sua
última viagem, ou qual o número do bilhete que seria premiado na grande
loteria.
Ele, porém, que era contrário àquele comportamento com o
qual tão bem se dava a natureza daquela gente, chamava a atenção da polícia
para os novos visitantes.
Dizendo já os ter visto naquele mesmo dia de saco ao ombro
pedindo esmolas, o que ele bastante estranhava, pois cada beduíno daqueles era
um robusto mocetão, que muito bem poderia ganhar sua vida, de maneira honrada e
tranquila, empregando-se ao serviço da Estrada de ferro, ou outro trabalho
qualquer que resultasse em dinheiro.
Julgava o
jornalista, pois, que o Sr. delegado de polícia em exercício devia se
apresentar àqueles “amáveis” hóspedes, obrigando-os ou a trabalhar ou a
procurar novos ares.
E, encerrando,
fazia a seguinte observação: “Depois não se queixem”.
Não muitos dias
após aquela advertência, voltava o jornalista a chamar a atenção dos seus
leitores dizendo que, diversos eram os comentários feitos quanto à presença dos
beduínos acampados lá para os lados da Rua Professor Araújo.
Dizia ele que,
para uns eles eram especuladores que andavam a explorar a credulidade de
pessoas fracas, tirando-lhes o dinheiro com artimanhas e falcatruas; outros
achavam que eles eram trabalhadores honestos que procuravam ganhar licitamente
sua vida, empregando-se nos ofícios de caldeireiros e ferreiros; outros havia que
achavam não passarem eles de uns espertalhões, que envolviam a quem lhes
chegasse ao alcance das unhas.
Dizia mais o
jornalista, que culpados, porém, eram aqueles que, acreditando nas teorias de
Mesmer, René e Catarina de Médicis, fazendo desta maneira reviver o reinado da
bruxaria, ali em suas tendas, iam consultar o oráculo, arrependendo-se depois
com os resultados obtidos. Finalizando, advertia: quem não quisesse ser
explorado, que não os consultasse.
Deixassem-lhes viver
em paz que não haveria motivo para queixa.
Não muito depois, outro dos jornais da
cidade voltava a chamar a atenção para o grupo de ciganos acampados lá para os
lados da Professor Araújo.
Agora, indagando da câmara municipal se
esta dera licença para que aqueles beduínos cercassem a área onde haviam
assentado as suas tendas? Queria também saber o redator do jornal se eles
pagavam impostos pelas atividades que exerciam e mais ainda, se não era próprio
das posturas municipais que se trouxessem os cães amordaçados durante o dia,
para não molestarem os transeuntes?
No entanto, aqueles cães pertencentes
aquela gente da raça arábica andavam ad libitum, o que era pouco conveniente,
concluía o jornalista.
E assim, de hostilidade em hostilidade por
parte da imprensa, a vida na progressista cidade de Pelotas seguia em frente.
E, em frente, ao que parece, seguiam
também os ciganos a darem motivo para tais hostilidades, pois, nos primeiros
dias do mês de fevereiro do ano de 1883, o jornal Onze de Junho, desta vez
tratando os de bohêmios noticiava que, tendo o subdelegado de polícia do 2º
distrito, Sr. tenente Elizeu Bazilio Ribas sabido, através de denúncia, que
alguns daqueles bohêmios acampados nas
proximidades da Luz, haviam peitado um empregado da fábrica de chapéus dos Srs.
Cordeiro&Wiener, para nesta penetrarem a noite, tratou logo de investigar
aquela denúncia.
Constatando ser procedente e que realmente
havia a intenção de atacarem à fábrica de chapéus, de modo eficiente e rápido
tratou ele logo de evitar esse atentado, intimando àquela inofensiva gente a deixar a cidade no prazo de 48 horas, atitude
aquela que para o jornal era uma providência acertada, pois, assim procedendo o
Sr. subdelegado Ribas estaria velando pela segurança e tranquilidade social.
Coincidência ou não, desde o ultimato dado
pelo Subdelegado de polícia Ribas aos ciganos acampados no encontro das ruas
Avenida Bento Gonçalves e Professor Araújo, deles só ouviremos falar novamente,
quando dos funerais de sua rainha, a cigana Terena Caldara, ocorrido em
Pelotas, aos 3 dias do mês de março de 1883, enterro este que segundo alguns
jornais da época teria sido o maior que Pelotas até então assistira, e que você
leitor caso queira saber maiores detalhes sobre a pitonisa Terena, basta
acessar os seguintes links:
Não muitos dias após a morte de sua rainha,
os Caldaras e sua “tribo” deixaram a cidade, ao que parece em direção ao Arroio
Grande.
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Fonte
de pesquisa: CDOV-Bibliotheca Pública
Pelotense e pelotasdeontem.blogspot.com
Revisão
do texto: Jonas Tenfen
Imagem:
Charges extraídas do jornal Zé Povinho, ano de 1882.
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