Diz-nos Yvette Trochon, referindo-se ao tráfico de brancas
para o Brasil, que nas últimas décadas do século XIX desciam dos navios não
mais escravos negros, e sim as moças europeias – a “carne blanca” – que vinham
para engrossarem as fileiras do já velho meretrício brasileiro.
Dez anos depois da chegada das meretrizes europeias ao
Brasil, iniciou a substituição da prostituição doméstica, instituição agregada
à sociedade patriarcal, pelo meretrício urbano e estrangeiro, que vinha quase
sempre acompanhado do proxenetismo profissional, fenômeno novo na vida do país.
Ainda ancorados em Yvette que, ao citar Gilberto Freire,
diz-nos que essas europeias, na maioria das vezes, substituíram as nativas como
iniciadoras sexuais dos jovens brasileiros.
Essas moças que no
Brasil aportavam vinham dos mais diversos países da Europa, sendo que os portos
de embarque mais utilizados, segundo Trochon eram os de Odessa, Marselha e
Nápoles, mesmo sendo habitual que muitas dessas estrangeiras procedessem de Buenos Aires, que
operava como um mercado distribuidor de prostitutas para toda a América do Sul.
Disse certa vez uma antiga meretriz de São Paulo que muitas
daquelas “polacas” que no meretrício paulista ingressavam não vinham
diretamente do Velho Continente, e
sim que a grande maioria delas vinha da Argentina, porque lá a
mulher com mais de 25 anos, tinha dificuldade de ganhar a vida como
prostituta. Os argentinos gostavam de mulheres jovens, já os brasileiros
não, eram mais conservadores.
Durante muito tempo, a antonomásia de polaca, empregada pela
imprensa de Pelotas toda vez que esta se referia à prisão de uma ou outra
prostituta, em especial nas primeiras décadas do século vinte, me chamava a
atenção do porquê de por tal apelido serem elas conhecidas.
Inicialmente, achei que era por serem muito brancas e com
cabelos claros ou até mesmo louros. Posteriormente e por ocasião de um texto
que produzi, denominado de O projeto de
branqueamento das charqueadas pelotenses, achei que eram essas mulheres,
vez por outra citadas nas colunas policiais, remanescentes de famílias
polonesas para cá trazidas para o trabalho nas charqueadas. Depois, relendo a
obra de Yvette Trochon, que eu havia adquirido em Montevidéu em 2006, entendi
que não, ou pelo menos é o que me parece, ainda hoje.
A partir desse meu novo olhar, e influenciado ainda
pela obra do Aldyr Garcia Schlee, Contos
da vida difícil, ficou tudo muito claro: Pelotas, a exemplo de outras
cidades, ainda que em menores proporções, esteve entre a rota internacional dos
cafetões responsáveis pelo famoso tráfico
de escravas brancas, e que neste trabalho os denominarei de senhores das prostitutas.
No entanto, é preciso ressaltar que embora Pelotas de um
momento para outro se visse empestada por uma quantidade enorme de gigolôs, não
esteve diretamente incluída na rota internacional do tráfico de “escravas
brancas”, pois esta rota, pelo menos no Brasil, tinha como alvo apenas algumas
capitais.
Aquele fenômeno, que dera início em Pelotas no ano de 1929,
foi consequência da varredura que as autoridades policiais de Porto Alegre
desencadearam contra os barões da “carne branca” que lá existiam, perturbando a
ordem e atentando contra a moral e os bons costumes.
É importante salientar que o ano de 1929 não foi pioneiro em
inaugurar a presença expressiva de cafetinas e cafetões em Pelotas, pois, já no
ano de 1906, no mês de março, o subchefe de polícia, Sr. coronel Cristóvão José
dos Santos, deu início ao que a imprensa, na época, denominou de “campanha
moralizadora”, cujo propósito era extirpar do meio social o “horrível cancro do
caftismo”.
Dizia, então, um jornalista que em Pelotas, como no Rio de
Janeiro e em todas as cidades populosas, as velhas hetairas, já
impossibilitadas de comerciarem seus corpos, por velhice, e os rufiões
[proxenetas] sevandijas [seres desprezíveis] entregavam-se ao abominável
comércio de mulheres jovens que, incautas ou de “índole fraca e pervertida, se
deixavam levar à perdição total e ao vício”.
Entretanto, aquela autoridade que vinha observando, há algum
tempo, aquele movimento e comércio na cidade, resolvera pelo menos diminuí-lo,
através de uma enérgica repressão àquela ilícita atividade, dizia o jornalista.
Que não lhe doessem às mãos naquele meritório trabalho, pois
bem certo era que, com o extermínio de cáftens e caftinas, faria com que
diminuísse a lista de infelizes e exploradas prostitutas.
Na matéria seguinte, dia 10 de março daquele mesmo ano, como
resultado da ação desenvolvida pelo Sr. coronel Cristóvão José dos Santos, era
noticiado terem sido presos e recolhidos ao xadrez do 3º posto as famigeradas e
temíveis caftinas Avelina Dutra, moradora à Rua 3 de Maio; Isabel Dias, Rua Dr.
Miguel Barcelos; Joaquina Machado, Rua Marechal Deodoro; Epomina dos Santos
Coimbra, Rua Marechal Deodoro; Maria das
Dores Cunha, Rua Tiradentes; Eliza Balarine, Rua Tiradentes [ex restaurante da
célebre Catarina Cuniga, a qual, segundo o jornal: felizmente já longe desta
terra].
Outras velhas alcoviteiras haviam fugido, bem como uns
indivíduos que vilipendiavam o próprio sexo e também serviam de alcoviteiros.
Essas miseráveis criaturas, dizia o jornalista, deveriam
ficar sob as vistas do Dr. promotor público, tendo em consideração que o delito
cometido por elas estava previsto nos artigos 277 e 278 do código penal, que
estipulava penas de 1 a 2 anos de prisão e multa de 1.000$000.
O Sr. coronel Cristóvão daria aos cáftens de ambos os sexos
a punição merecida dentro da esfera de suas atribuições, estando disposto a deportar aqueles que reincidissem naquele crime.
Três dias depois da prisão dos cáftens e caftinas, foram
estes soltos sob a condição expressa de não prosseguirem mais naquela “infame
profissão”. A polícia judiciária exerceria rigorosa vigilância.
Era, também, ao final da notícia dito que havia sido presa
outra caftina, Maria da Conceição, vulgo Baianinha.
Desde aquela operação contra
o caftismo, desencadeada em 1906, até o ano de 1916, não encontramos nenhuma outra cruzada registrada pela imprensa. Não estamos com isso
pretendendo dizer que a exploração de mulheres tenha cessado, e sim, que tal
prática deve ter ficado em níveis que as autoridades não tivessem de tomar
providências.
Já no ano de 1916, o editorial do jornal O Dia de 10 de outubro de 1916, chamava a
atenção para o caftismo em Pelotas, que estava progredindo a passos largos
graças à inépcia da polícia, cujas ações não passavam do limite banal de ouvir
queixas, todos os dias, a toda hora.
E sabia-se que uma indústria
progredia, quando se via os produtos desta disseminados no mercado e entregue ao largo consumo público.
O produto do repulsivo comércio do caftismo era o meretrício
vivo, que pela cidade se exibia com representantes de menos de 15 anos de idade, e que tinham iniciado seus passos de vício e infelicidade passando nos antros
fétidos das muitas megeras que tinham oficina
montada com o propósito de desenvolver a prostituição.
Bastava que um canalha qualquer se enamorasse de uma
infeliz, cuja inexperiência estava em razão direta da sua falta de educação e
de outros maus elementos de família e de sociedade, e a sua desonra era
comprada à caftina, a preço estipulado.
Era uma miséria, mas era uma verdade, ainda mais que aquilo
tudo ocorria sem que a polícia tomasse providência alguma.
Não há muito, o jornal Opinião
Pública fizera denúncia em volta de um caso de sedução e defloramento,
citando a casa da “preta” asquerosa onde o crime se havia consumado.
E o que fizera a polícia? Nada, absolutamente nada, afirmava
o jornalista.
Era
espantoso.
Continua...
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Fonte de pesquisa: Bibliotheca Pública
de Pelotas/CDOV
Revisão do texto: Jonas Tenfen
Postagem: Bruna Detoni
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