Antes de dar continuidade a este trabalho, é preciso
destacar que diversos outros pontos de Pelotas tiveram várzeas, por exemplo: a Várzea do Retiro, a Várzea do Pepino, a
Várzea da Luz... No decorrer dos anos e tendo elas diminuído ou sumido,
deixou a imprensa de fazer referência a elas quando das enxurradas,
permanecendo apenas a denominação para a zona do porto da cidade, um dos locais
mais repletos de história, desde a sua ocupação.
Apesar de ser a entrada de Pelotas por via marítima e
fluvial, a Várzea vivia a clamar dos governantes um melhor tratamento do que o
descaso e a desconsideração que sempre recebera, mesmo em épocas de sua
opulência comercial e industrial.
A qualquer enxurrada, já estava a Várzea inundada por vastos lençóis
de água, como se já não bastasse o sofrimento daquela população com o elevado
número de mortes por epidemias, assassinatos, roubos, brigas, assaltos e
miséria.
Não fossem suficientes todos os senões que a Várzea sofria,
foi ela, nos primeiros dias de janeiro de 1894, assombrada por um Lobisomem,
que a noite aparecia embuçado em amplo
lençol, e que, dando uivos e roncos, investia contra os transeuntes, alguns dos quais, pegos de surpresa e cheios
de pavor, se deixavam despojar pelo Lobisomem espertalhão.
Conhecido o caso, segundo os jornais da época, a crendice
prontamente fantasiou-lhe uma existência estranha, supondo-o uma dessas
criações com que a imaginação popular povoava as noites da idade média, e que
sob o nome de lobisomem era o terror de gente crédula daquele tempo.
A autoridade, porém, que era doutro tempo, não se
conformando com aquilo, mandou dia 8 de janeiro alguns praças da guarda
municipal averiguarem o fato. Constataram que o tal lobisomem não passava de um
patife, que durante o dia ocultava-se em uma espécie de alçapão donde fugiu
logo que pressentiu os praças, escondendo-se nos potreiros que iam ter à
charqueada do Sr. coronel Pedro Osório.
Assim, pois, tendo sido descoberto o embuste, ninguém mais
deveria ter receio, tendo em vista que ele não passava de um “lobisomem
Fritz-maquizado” e que qualquer dia cairia em mãos da polícia.
No dia seguinte, voltavam os jornais,
adicionando à notícia anterior e com vistas à polícia, que não era um, mas sim
dois os lobisomens gatunos que andavam alarmando a população da Várzea, e, aos
quais, alguns patuscos criaram uma tradição de atos miraculosos, que estavam
sendo aceitos pela crendice popular.
Segundo informações obtidas por um daqueles jornais, os dois
“lobisomens” da Várzea eram um pardo e “um preto” que residiam à Rua Santo
Inácio [atual Gomes Carneiro], onde se ocultavam durante o dia, saindo à noite,
para suas “explorações”.
Afirmava o jornal que aqueles indivíduos eram os autores de
vários roubos praticados naquelas imediações, entre os quais os de que haviam
sido vítimas os Srs. Generoso Alves Branco, Sayão Lobato, Francisco de Souza
Bravo e João Laudem.
Assim, pois, aí ficava o fio da meada, pelo qual a
autoridade poderia prestar um bom serviço ao público trancafiando na cadeia
aqueles dois patifes, que não passavam de reles gatunos e que de lobisomens
nada possuíam.
Outra dificuldade, que tanto os moradores quanto os
comerciantes da Várzea sempre tiveram, diz respeito ao transporte coletivo. Tanto
que no final do século XIX ,fizeram esses uma solicitação à companhia dos
bondes para que esta ampliasse o horário do último bonde, que era às 20 horas,
para mais tarde, pois as pessoas que moravam naquele extremo se viam obrigadas
a voltarem mais cedo do Centro da cidade, para não terem de fazer aquele
trajeto a pé.
A tragédia das
lavadeiras do São Gonçalo
Pouco ou quase nada até hoje sabemos de outras lavadeiras
que não as do Arroio Santa Bárbara. No entanto, e infelizmente através de uma
tragédia ocorrida com duas delas, acabamos tomando conhecimento de outro local
onde havia grande concentração dessas mulheres, que faziam de tal atividade um
complemento da renda doméstica ou até mesmo a própria renda.
Nas proximidades da estação do Ramal, margem esquerda do
canal São Gonçalo, havia uma área, denominada de Prainha, que era muito usada
pelas lavadeiras das redondezas.
Naquele local, já haviam morrido diversas pessoas. Desde a
manhã do dia 8 de fevereiro de 1905, quando ali estavam umas doze ou mais
lavadeiras na lida diária de suas atividades, a tragédia começou a dar sinal de
sua presença: entre estas se encontrava Marieta Moreira, crioula, de 20 anos,
mais ou menos e que, por volta das 9 horas, descuidando-se, caiu na água e logo
submergiu.
Em uma das vezes que voltava à tona da água, foi salva por
sua companheira Prudência da Silva.
A tragédia continuava rondando o reduto das lavadeiras do
São Gonçalo, até que, por volta das 2 horas da tarde, o crioulinho João, de 12
anos de idade, tomava banho no local, quando, perdendo o pé, se afogou.
A mãe, Luzia, e Ana Joaquina, que lavavam na beira do canal,
tão logo pressentiram a tragédia, levadas pelo mesmo impulso, jogaram-se na
água, na tentativa de salvar o menino.
Infelizmente, seus esforços não lograram êxito, pois, na
tentativa de socorrem João, que se afogava, não avaliando o perigo ao qual se
expunham, e, dentro de poucos instantes eram tragadas pela água.
Foi naquele momento que Cipriano Silveira Duarte, crioulo,
empregado da barraca Thonsen & Cia., num impulso de bondade e coragem,
atirou-se à água.
Tardiamente chegou ele ao local do sinistro, só lhe sendo
possível salvar o menino, causa da dupla desgraça.
Mais tarde, o Sr. Bernardino Barcelos, auxiliado por pessoal
do Ramal [terminal da linha férrea da Southern no porto] e alguns catraieiros
[tripulantes, também chamados de barqueiros, ou os proprietários de uma
catraia, ou de qualquer embarcação de pequeno porte, movida a remo ou a vela],
retirou do São Gonçalo o corpo de Luzia, a mãe de João, que ainda apresentava
sinais de vida.
Entretanto, inúteis foram os esforços para fazê-la voltar a
si.
Luzia era casada, ficando seu filho, que chorava
desesperadamente, cercado das atenções de suas companheiras, que o entregaram
ao pai.
O corpo foi removido para a Santa Casa.
Quanto a outra afogada, foi ela, mais tarde retirada da
água, e levada ao necrotério da Santa Casa.
Jacarés apavoram a zona
da Várzea
O primeiro registro do aparecimento de um jacaré na zona da Várzea, ocorreu dia 20 de fevereiro de 1906, às 4 horas da tarde, na chácara do Sr. Bernardo Monteiro, à Rua São Francisco [atual Rua Princesa Isabel], fundos da fábrica de sabão e velas do Sr. F. B. Borraz, quando, capineiros que ali trabalhavam encontraram em uma sanga um jacaré.
O primeiro registro do aparecimento de um jacaré na zona da Várzea, ocorreu dia 20 de fevereiro de 1906, às 4 horas da tarde, na chácara do Sr. Bernardo Monteiro, à Rua São Francisco [atual Rua Princesa Isabel], fundos da fábrica de sabão e velas do Sr. F. B. Borraz, quando, capineiros que ali trabalhavam encontraram em uma sanga um jacaré.
O animal foi perseguido e morto. Media metro e meio de
comprido e possuía aguçada serrilha na cabeça e lombo.
Outro registro foi o ocorrido no final de março do ano de
1954, quando Eurico Guerra e Gerson Pereira capturaram, próximo a ponte, um
enorme jacaré após uma série de peripécias, medindo este 2.10 metros de
comprimento.
O enorme sáurio, depois de imobilizado, foi manietado.
Após todas as dificuldades encontradas, os dois responsáveis
pela captura ataram o jacaré na capota da camioneta, que deixaram estacionada à
Rua Álvaro Chaves, esquina Rua Uruguai, onde residia Eurico Guerra.
Aconteceu que, embora aparentemente imobilizado, o jacaré
lutava desesperadamente por sua liberdade. E, assim, já altas horas da
madrugada, após usar por muito tempo os seus afiados dentes nas cordas que o
prendiam, libertou-se e, fugindo do alto da camioneta, saiu arrastando-se pela
via pública...
Várias quadras distante da frente da casa de Eurico, local
onde se encontrava preso, um transeunte teve inesperada e desagradável surpresa
quando, em uma esquina, topou-se cara a cara com o jacaré, que he mostrou
longos e agudos dentes em atitude pouco cordial.
Aos gritos do transeunte, acorreram outras pessoas ao local
e, em poucos minutos, ninguém mais dormia naquelas imediações.
“Olha o jacaré! Olha o jacaré!” – este era o grito
dominante. E, enquanto o jacaré, indiferente à gritaria e à massa humana,
continuava a se arrastar em direção ao porto, um dos presentes teve a ideia de
telefonar para a polícia.
As autoridades policiais compareceram ao local. Diversos
policiais da Brigada Militar, munidos de cordas, com o auxílio de outras
pessoas, conseguiram, depois de várias tentativas, laçar outra vez o animal,
que, novamente manietado, voltou para o mesmo lugar, sobre a camioneta, de onde
escapara em busca da liberdade.
O pão-duro do Beco da
Praça da Alfândega
No final dos anos trinta do século XX vivia, miseravelmente, em um cortiço localizado no beco nº8 da Praça Domingos Rodrigues, também conhecida por Praça da Alfândega ou Pracinha do Porto, um indivíduo de nacionalidade portuguesa.
No final dos anos trinta do século XX vivia, miseravelmente, em um cortiço localizado no beco nº8 da Praça Domingos Rodrigues, também conhecida por Praça da Alfândega ou Pracinha do Porto, um indivíduo de nacionalidade portuguesa.
Salvador R. de Sá, o morador do cortiço, tinha 70 anos de
idade, fora tanoeiro e era parcialmente cego.
Os vizinhos de Salvador, todos operários, já estavam
acostumados com ele. Viam-no sempre sujo, sebento e julgavam-no paupérrimo.
Acometido, provavelmente, por erisipela e tendo a doença se
agravado dado à falta de higiene e, em consequência da moléstia exalar um
cheiro fétido, os vizinhos se distanciaram do indesejável morador.
A doença se agravou e os padecimentos também, o que levou
Salvador a ficar acamado.
Não havendo quem dele se aproximasse passava ele fome e
apodrecia vivo.
Uns dias depois, contudo, um menor apiedou-se de Salvador e
lhe levou um pouco de alimento.
Como a situação piorasse, a vizinhança apelou para a
polícia, pedindo a esta que retirasse Salvador do cortiço.
Naquele mesmo dia, compareceu ao local o inspetor Rubens
Pereira Dias, acompanhado pelo cabo Benício Braga e por representantes da
imprensa.
De chegada, o inspetor abriu a porta do cortiço de Salvador,
e aquele cheiro nauseabundo espalhou-se. Os presentes tiveram um momento de
indecisão, pois em cima de um velho catre, no qual se viam alguns sacos de
estopa, um vulto de gente vivia em adiantado estado de podridão.
Os policiais, contudo, vencendo a repugnância, penetraram no
cortiço e falaram com o homem.
Salvador disse ser sócio remido da Beneficência Portuguesa,
declarando a seguir que possuía algum dinheiro na Caixa Econômica e que estava
inquieto por esse dinheiro.
De fato, tal como dissera o miserável, pouco depois a
polícia encontrava uma caderneta da Caixa Econômica com a quantia de 6:340$000
e uma latinha contendo a importância de 160$000 em dinheiro.
Sabedora de que o “pão- duro” do cortiço da Praça era sócio
remido da Beneficência, a polícia chamou o carro Ambulância para transportar
Salvador ao hospital daquela instituição.
Com surpresa, porém, foi cientificada de que os dois
automóveis da assistência estavam em conserto e que, portanto, não poderiam
atender ao chamado.
Nesse meio tempo, a Beneficência, avisada, mandou um auto de
praça para transportar o enfermo. Entretanto, o chofer do carro ao ver o estado
asqueroso do paciente a ser transportado, negou-se a levá-lo para o hospital,
alegando que Salvador lhe ia sujar o carro.
Dessa forma, Salvador ainda esperou até tarde da noite,
quando finalmente apareceu a Ambulância para transportá-lo.
A imprensa, que acompanhara o caso desde a parte da manhã,
denunciou em suas páginas a falta de higiene do beco, que era muito grande,
pois este, além de ser formado por cubículos imundos, possuía ainda uma
cocheira da qual exalava forte mau cheiro e uma instalação sanitária em ruínas.
Histórias como estas, e outras centenas, fazem parte da
linha do tempo da Várzea, pois é esta uma região com muitas e muitas histórias
para contar. São poucas as linhas para descrever tantos mistérios de histórias
da Várzea.
Histórias essas que pretendo narrar com mais especificidade
em momento futuro.
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Fonte de pesquisa:
Bibliotheca Pública de Pelotas-CDOV
Revisão do texto: Jonas
Tenfen
Postagem: Bruna Detoni
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