Mesmo
sem a intenção de fazê-lo Simões Lopes Neto através de sua obra, a Revista do
1º Centenário de Pelotas, acabou contribuindo para a origem de algumas das
lendas urbanas que permeiam a história da cidade.
A
revista organizada e lançada por Simões Lopes Neto não sendo, latu sensu, uma obra de história, pois é o
acolheramento de fatos
que o autor entendeu merecer coleta e ficar à disposição das gerações futuras,
diríamos até, malgrado a comparação, uma espécie de Cancioneiro Guasca, no qual
Simões faz a recolha de fatos históricos acontecidos, segundo ele, não somente
em Pelotas,
mas também em
outros municípios vizinhos.
Perde com isso
a obra deixada pelo autor de Contos Gauchescos?
Não. E não por um motivo que nos
parece relevante qual seja: ser a revista deixada por Simões, para registrar a
passagem do primeiro centenário da freguesia, a primeira obra impressa a
registrar os fatos históricos ocorridos em Pelotas e em outras localidades.
Não é por
demais supor, que a Revista a nós
legada por Simões Lopes Neto não muito depois de sua circulação, tenha servido
de referência a outras obras que trataram da história da cidade. Até aí tudo
bem, desde que os que a usufruíram não praticassem o dito popular: quem conta
um conto aumenta um ponto. Outro aspecto a observar, evitando sempre que
possível, é a reprodução daquilo que não tem embasamento confiável, fidedigno
ou documentável. A não observância disso leva a perpetuação do equívoco e acaba
contribuindo para o surgimento de mitos e lendas.
Muito dos
registros feitos por Simões Lopes carecem de uma investigação mais acurada,
pois, acreditamos que tais informações tenham chegado a ele através da tradição
ou história oral sem que tivesse tempo ou fontes para investigar e
confirmar
o isso e aquilo ou, o aquele outro.
Bem, mas nosso
propósito, pelo menos por ora, é falar de um fato do qual tratou Simões na Revista de nºs 7 e 8, datados de
abril-30-maio de 1912, às páginas 102-103, no que denominou Lopes Neto de Notas Diversas que, desde a primeira vez
que o li, despertou-me curiosidade e vontade de saber mais
detalhes sobre o episódio do qual Simões diz o seguinte:
“Pela era de 1860... ocorreu um estranho boquejar, e era que estava
preparado um levante em massa, da escravatura das xarqueadas.
Era
viável, talvez, essa revolta.
A
escravatura das xarqueadas, calejada no trabalho, endurecida na faina de matar
e esfolar as boiadas, habituada a usar e destramente, a faca, o machado, os
paus do serviço; vivendo em contato com os capatazes e os seus senhores, sem
dúvida levaria de vencida o atrevido lance.
Os escravos da cidade empregados no
serviço doméstico, seriam informantes e agentes e também executores, no
movimento.
A escravatura assim alçada
meter-se-ia na Serra dos Tapes, em lugar já determinado por um grupo de
parceiros que andavam fugidos (caiambolas), talvez
já com esse fim de pesquisa, e que sigilosamente o comunicavam ao cabeça do
movimento, em cada xarqueada.
Formar-se-ia um quilombo [couto de escravos fugidos]. Seria uma repetição dos Palmares, de Pernambuco.
Os conjurados – os mais responsáveis
– conheciam-se entre si por um único sinal: usavam o cabelo (carapinha) raspado na nuca. Era tão pouco de notar esse distintitivo, para olhos
ignorantes, que ele perdurou até a descoberta da conjuração.
O chefe era um crioulo, que viera da
Bahia após a epidemia do coléra aqui (1855) que dizimou a escravatura, vendido
pela conhecida firma da época, o armador Marinho. Esse crioulo poucos anos
depois de chegado, fugou, e não foi mais apreendido.
Residia então em Pelotas um forte
negociante, de origem espanhola, espírito liberal, exaltado, a quem se
atribuiu, com ou sem razão, a inspiração e direção secretas da conspirata.
Esse negociante, antimonárquico
extremado, levava a sua malquerença ao ponto de haver adquirido o retrato do
imperador D. Pedro 2º somente para colocá-lo em compartimento desairoso [é provável que Simões esteja se
referindo à casinha; privada], de sua
casa, montada aliás com aparato. Soube-se desta depreciativa demonstração,
houve intervenção enérgica de alguns cidadãos e desta resultou que o
incriminado retirou-se da localidade, transferindo-se para Montevidéu.
Por ocasião desse sucesso é que
avolumou-se aquela vaga acusação, talvez maligna, por interessada.
Era de toda a necessidade não deixar
tomar publicidade o arranjo da conspiração, antes de sufocá-la sigilosamente,
pois o alarme poderia provocar logo a explosão dela, e então seriam
incalculáveis as desgraças decorrentes.
Trataram portanto os dirigentes da
época de não alardear o conhecimento que tinham do caso, porém imediatamente
avisados, reservadamente, os xarqueadores e outros senhores de escravos, foi quase
simultaneamente jugulada a combinada revolta, pela prisão – em tronco – dos
cabeças e a sua lenta e silenciosa remessa para outras províncias, além do
inexplicado fim de alguns; em suma, os nuca-raspadas [sic] desapareceram, e os capitães do mato, auxiliados por gente mandada pelos
interessados, com conhecimento das autoridades, bateram o quilombo serrano,
aprisionando, matando e pondo em fuga os acoutados.
Assim, em obscura atmosfera,
passou-se este obscuro caso. Temos sobre ele ouvido alguns antigos: uns
afirmam, negam outros a veracidade do sucesso”.
Embora equivocado quanto a década de 60 do século XIX e
alguns outros pormenores, mas não de um todo afastado do fato ocorrido, deixou
Simões Lopes Neto uma pista para que a tal rebelião viesse a ser esclarecida
pois, duas por três nos indagávamos: não
teria, considerando o sempre expressivo número de escravos em Pelotas,
realmente ocorrido em algum momento, uma rebelião de escravos, por menor que
fosse?
Do registro feito por Simões Lopes sobraram duas
únicas informações: a primeira, é a de realmanente ter ocorrido, na Pelotas das
charqueadas, uma rebelião de escravos; a outra, é a de que os rebeldes usaram
como “distintivo” ou sinal de indentificação comum, a nuca rapada.
A REBELIÃO DOS MINAS DE
NUCAS-RAPADAS
A
notícia sobre uma rebelião de escravos em Pelotas ocorreu no dia oito (08) de
fevereiro de 1848 e aquela informação chegou ao redator de um jornal
rio-grandino através de tripulantes da barca a vapor Brasileira, oriunda dessa cidade no dia seis (06) daquele mesmo
mês. Os passageiros disseram ter sito
descoberto um levante, que pretendiam fazer os escravos das charqueadas, o qual
deveria ter acontecido na noite de domingo, dia sete (07); porém, que graças à
enérgica atitude tomada pelo delegado de polícia, o Sr. José Vieira Vianna, se
devia a salvação de milhares de vidas “que estavam destinadas a perecer debaixo
do ferro assassino dos cativos”.
“À
Divina Providência”, a cidade de Pelotas que não tinha para a sua guarnição e
defesa mais do que um (01)destacamento de 70 ou 90 homens do 8º batalhão de
Caçadores, e uma meia dúzia de policiais, “criançolas” na sua maior parte,
“como se nos asseveram – não está hoje nadando em sangue!”, dizia o redator da
notícia.
Aquela
carnificina, de acordo com os passageiros da barca, projetada contra os brancos
da cidade de Pelotas, já deveria ter acontecido no dia 30 de janeiro.
Transferida que fora para o domingo seguinte, dia sete, é que no entrementes
pôde ser descoberta, o que se deu da seguinte forma, dentre as muitas versões
que circularam na cidade de Pelotas, e a que pareceu ao jornalista bem
fundamentada qual seja: Um escravo do Sr. Francisco Manoel dos Passos foi o
primeiro que a seu senhor revelou o projeto do levante. Outros dois escravos,
um do Sr. Antônio de Oliveira Castro, e outro do Sr. Luiz Manoel Pinto Ribeiro,
iguais informações ou avisos prévios transmitiram àqueles, tendo “se feito
notável em insistir nessas revelações”, o escravo do Sr. Pinto Ribeiro, que a princípio
nenhum crédito lhe quis dar.
O que, em resumo,
disseram os escravos foi: que eles haviam sido convocados para esse levante;
que os principais aliciadores do levante eram os escravos do Sr. Manoel
Rodrigues Valadares e, em especial os da charqueada do Sr. Manoel Batista
Teixeira, e que alguns outros escravos da cidade, inclusive um, de certo
cuteleiro [fabricante ou vendedor de instrumentos de corte] e outro, de certo
ferreiro, estavam também envolvidos, inclusive se comprometendo a abrirem, na
hora aprazada, as portas da casa seus senhores a fim de que os revoltosos se
abastecessem de armas que ali houvessem em condições para o evento. E
acrescentaram que todos os negros conjurados deviam ser conhecidos pela nuca
rapada, que era o sinal distintivo que usavam os envolvidos na rebelião.
Todas
essas informações dadas pelos delatores da conspiração dos Minas foram levadas
ao conhecimento do Sr. delegado Vieira Viana, que imediatamente expediu
circulares a todos os charqueadores que de imediato se puseram de sobreaviso; e
trataram de encerrar à noite seus escravos, que a tal não se opuseram nem
tampouco ofereceram resistência alguma.
Na manhã de sábado,
véspera da projetada insurreição, algumas lavadeiras, no arroio Santa Bárbara,
trabalhando e cantando, diziam entre si: “– Hoje lavamos para os brancos, e não
tarda que os brancos lavem pra nós”.
Já tendo sido presos,
logo após as ações do Sr. Delegado de polícia, uns 60 ou 80 escravos; dentre
esses, dois sabiam mais a fundo sobre o plano do levante, e conheciam o lugar
onde se achava depositado – ou escondido – algum armamento de que se haviam
premunido. Porém, não tinham eles, até então, feito confissão alguma
satisfatória, e estavam incomunicáveis na cadeia.
A isto tudo,
acrescentava-se o boato de que todo o plano fora arquitetado e manipulado por
alguns partidários de [Manuel] Oribe, que se achavam disseminados por Pelotas.
Dizia-se ainda, já se achava preso na cadeia de Pelotas um tenente-coronel de
[Juan Manuel de] Rosas.
As pessoas que se
diziam bem informadas, e que estavam a bordo da barca a vapor Brasileira, ao desembarcarem em Rio
Grande, asseguraram que tal imputação ou desconfiança não tinha fundamento
algum, acrescentando ainda que todos os negros de nuca rapada que fossem vistos
pela cidade de Pelotas eram imediatamente capturados pela polícia.
Dois dias depois do
desembarque, a vizinha cidade de Rio Grande permanecia sem novidades outras se
não aquelas levadas pelos passageiros da Brasileira,
quando então um conceituado cidadão rio-grandino deu a conhecer um trecho da
carta recebida de Pelotas, enviada por um amigo, onde a certa altura lia-se o
seguinte:
“Temos por aqui estado
incomodados com a insurreição dos negros, dos quais já estão presos mais de
100. Ao que parece, eles se propunham a evadir-se de seus senhores e, segundo
dizem, irem em direção ao estado vizinho [Uruguai]. Ontem [09.02.1848] começaram
a castigá-los com a intenção de descobrirem o plano [de insurreição e evasão],
mas nada se tem conseguido saber.
Parece
que todos os implicados na insurreição tinham, por sinal, rapada uma parte da
cabeça à maneira dos frades.
Veja
vosmecê em que condições não deveria de estar todo este povo se fosse a noite
que acontecesse o barulho [a rebelião], e que consequências não se seguiriam!
Felizmente
tudo foi descoberto por denúncia de um negro, que nos livrou desse garrote”.
O
OFÍCIO DO DELEGADO DE POLÍCIA DE PELOTAS
Em
ofício encaminhado aos nove dias do mês de fevereiro de 1848 ao delegado de
polícia de Rio Grande, major Manoel Joaquim de Souza Medeiros, disse o delegado
de polícia de Pelotas, José Vieira Viana:
“Ilmo. Sr. – Como o termo [subdivisão de um
território ; comarca] em que V. S.ª exerce o emprego de delegado de polícia
divide com o [termo] em que eu exerço o mesmo emprego, julgo conveniente
comunicar-lhe que, desde princípios do mês de janeiro último tive suspeitas e
denúncias de que havia um plano entre os negros minas desta cidade, das
charqueadas e olarias e de suas imediações, para uma insurreição, a qual, pela
última e mais bem fundada das ditas denúncias, deveria acontecer no último
domingo, 06 do corrente mês; em conseqüência, tomei desde o início as medidas
de prevenção que julguei necessárias: no sábado, véspera da insurreição, dei as
mais terminantes providências para evitar a projetada, que seria de terríveis
resultados, se não a houvesse sufocado a tempo.
Têm sido presos perto de 50 escravos, todos de nação mina,
que estão sendo castigados, entre os quais há somente um forro, que está
igualmente preso, mas sem processo, por não ter denunciado o que depois
confessou saber.
Das indagações que tenho feito pessoalmente, e de outras que
tenho mandado apurar, está exuberantemente provado o plano de insurreição, que
era nada menos do que matar brancos, ficarem forros e fugirem para o estado
vizinho [território uruguaio].
Por ora, não há certeza em confissão de ter participado no
referido plano pessoa nacional ou estrangeira, nem tampouco notícia de que ele
se estendesse para além deste município; contudo, V. S.ª com a perspicácia e
zelo que lhe são próprios, e que tantas vezes tem empregado a bem da
tranqüilidade pública, tomará as medidas necessárias para que o contágio não se
espalhe.
Nos apuros em que me vi, valeu-me a presença do sr. major
Pecegueiro, com a tropa de seu comando, e a atividade do sr. comandante de polícia que, com os seus soldados fizeram
todas as prisões e desempenharam as minhas ordens; só tenho a lamentar a
escassez destes recursos, para impor respeito em um município de mais de 3.000
escravos e onde, diariamente, entra grande quantidade de peões e gente de todos
os pontos da campanha. Deus guarde a V. S.ª/ Pelotas, 09 de fevereiro de 1848”.
NOVAS
NOTÍCIAS SOBRE OS REVOLTOSOS, EM FUGA
Foi
divulgado também que teve a polícia de Pelotas, por denúncia, de que havia na
Serra dos Tapes em torno de 200 negros, os quais supunham terem para lá fugido
em conseqüência de saberem do fracasso do plano de insurreição, ou
aterrorizados pelos castigos que estavam aplicando aos insurretos, que já
estavam presos.
O
delegado Viana, na impossibilidade de dispor de qualquer força de cavalaria,
oficiou imediatamente à autoridade competente e logo rumou à Serra dos Tapes.
No dia
09, às três (3) horas da tarde, o tenente-coronel da guarda nacional de
cavalaria, Serafim Ignacio dos Anjos, com uns 40 ou 60 cidadãos a cavalo, se
reuniram para fazerem o que consideraram ser
um importante serviço, visto que ainda não estava nem organizada ou
fardada a guarda nacional naquele período.
Até a
saída da barca do dia 10, com destino a Rio Grande, e que poderia levar
novidades sobre a expedição à Serra dos Tapes, não sabiam do resultado da
incursão que partira de Pelotas no encalço dos fugitivos.
A década de 60 do século XIX estabelecida por Simões Lopes
perdurou, como o possível período da insurgência dos negros minas, até, pelo
menos, o ano de 2.001, ano em que o relato legado por Lopes Neto é, ainda,
reproduzido na obra História de Pelotas
em quadrinhos (p.20), sem sofrer a menor alteração ou observação por parte
do autor do texto.
É possível que a narrativa deixada por Simões Lopes tenha
permanecido ipsis litteris, em parte,
por não constar tal episódio das Atas da Câmara Municipal de Pelotas que,
durante o período, não se reuniu e, ainda, por não contar a cidade com jornais naquela
época; época da insurgência.
Vejamos outras informações recolhidas em nossa busca de
elementos que no esclarecessem a frustrada insurgência dos escravos minas, os
nucas-rapadas.
O ofício do
tenente-coronel interino da legião de Pelotas
Aos 12 de fevereiro de 1848, o tenente coronel Serafim
Ignacio dos Anjos informava ao comandante superior Thomaz José dos Campos que,
em virtude da requisição do Sr. Delegado de polícia de Pelotas, reunira uma
força de guardas nacionais no distrito da Serra dos Tapes, nos dias 09 e 10 de
fevereiro, a fim de impedir e prender uma quantidade de escravos, que o
delegado dissera ser em número de 200, e que ele, não os encontrando, tampouco
tendo visto indício algum de desordem, fez dispensar a força policial no mesmo
dia, à noite, como tudo poderia ser notado nos que por cópia remetia, sob os
números 1 e 2.
Tinha ainda a satisfação de dizer que, com maior prontidão,
não era possível reunir um grupo de cidadãos tão bem dispostos a
cooperarem; acrescentava que os sustos
de que se achava o povo tomado com a notícia do levante de escravos minas, e
outras notícias não menos aterradoras, que no entender dele, estavam todas
acabadas.
O pedido do delegado
Viana ao tenente-coronel
Aos 19 de fevereiro de 1848, o delegado Viana endereçou ao
tenente-coronel Serafim Ignacio dos Anjos, chefe da legião da guarda nacional,
um ofício no qual informou que tendo chegado a ele a notícia de um grande
número de escravos, do termo de Pelotas, haviam se reunido e estavam seguindo,
ou já haviam seguido, para a Serra dos Tapes, em número pouco mais ou menos de
200, daí deprecar ao tenente-coronel a força necessária e todas as providências
que julgasse necessárias para acautelar, prevenir e prender, sob as suas ordens
os fugidos, aliciadores e demais implicados no episódio, se ele existisse
naquele distrito ou no Cerro da Buena, de onde partira a notícia, ainda que não
oficial, merecendo, contudo, ser averiguada.
O ofício do
tenente-coronel ao delegado Viana
Dizia o tenente-coronel que, em virtude do ofício enviado
com data de 09 de fevereiro, no qual o delegado pedia força policial e
providências com o propósito de evitar e prender um grupo de escravos que se
achavam reunidos no 2º distrito de Pelotas, mandara ele, na mesma hora em que recebera
o ofício, ordem para se reunirem os guardas nacionais da Costa da Serra, nos
pontos de Monte Bonito e Passo do Retiro, onde amanheceram do dia 09 para 10
mais de 100 homens reunidos e bem dispostos; e que seguira, no mesmo dia 09,
pela costa do Arroio Pelotas acima, a perguntar onde é que estava a reunião de
escravos, mas que não lhe fora possível descobrir, e tampouco constava tivessem
se evadido escravos das charqueadas daquela Costa, e que ali, estavam todos
acautelados. Dera ele, então, as providências para que a Costa fosse patrulhada
pelos moradores da mesma, ao que todos se propuseram com muita disposição.
No distrito do Cerro da Buena, não havia movimento algum de
escravos; à vista do que, fez retirar os guardas nacionais para que estes voltassem
para suas casas, ficando, porém, prontos para qualquer ameaça que surgisse.
Encerrava o ofício, datado de 10 de fevereiro, dizendo estar
enviando um escravo de nome João Bitencourt, apanhado no Monte Bonito, que
disse andar fugido há dois meses, e que pertencia ao grupo dos revoltosos.
O ofício de Thomaz José
de Campos a Serafim Ignacio dos Anjos
Dizendo ter recebido o ofício que o tenente-coronel Serafim
Ignacio dos Anjos lhe enviara, respondeu Thomaz José de Campos, comandante
superior, que, tendo em mãos o referido, destacando o que o Sr. delegado Viana
lhes dirigira, a fim de que V. Sª. ordenasse a guarda nacional, para que esta
lhe prestasse serviço diário, ao que V. Sª. não atendeu, sem ter tido ordem
superior para aquilo, e tão somente o prestara quando, por urgência, lhe havia
sido requisitado; e, bem assim, que para o serviço de vigir a cidade e proteger
a cadeia, existia a força de linha sob o comando do major Pecegueiro, e, a de
polícia; ao que lhe respondia, que V. Sª, bem cumpriu com os deveres que a lei
lhe impunha; assim como, que continuasse recomendando a todos os Srs. oficiais
e guardas, se atendessem a qualquer requisição repentina de autoridade
competentemente constituída, dando logo parte. Não podendo, todavia, prestar
serviço continuando sem ordem expressa de seus comandantes, ordenada pelo Exmo.
Sr. presidente da província.
Se, porém, quisessem prestar voluntariamente qualquer
serviço efetivo, por convite de autoridade policial, a bem da segurança
pública, o podiam fazer, dando logo aviso para que fosse comunicado ao Exmo.
Sr. presidente. Assinava o comando superior interino da guarda nacional da
comarca do Rio Grande em Pelotas, aos 15 de fevereiro de 1848.
Periódico divulga
ofício do delegado Viana ao Brigadeiro
No periódico Nova
Época, nº 152, vê-se divulgado o ofício do delegado Viana ao Comandante da
cidade e fronteira do Rio Grande, no qual diz o delegado Viana que, por
denúncias que tivera, haveria um plano para a insurreição dos negros minas de
Pelotas e suas imediações, que deveria acontecer no dia 06, domingo, dera, na
véspera daquele dia todos os procedimentos ao seu alcance para evitar esse mal,
e que até o dia 10, das indagações que fizera a respeito e pelas confissões dos
negros castigados, o plano não passava de um projeto dos negros minas; mas que
do dia 10 para 11, tinham surgido suspeitas de haver aliciadores do Estado
vizinho. Um tropeiro recém-chegado a Pelotas e que de lá viera havia lhe dado
notícia que, passando em Arroio Malo há doze dias, ali lhe informaram que os
escravos daquele município haviam se insurgido, saqueando a cidade passando
para o lado dos Blancos, no sobredito Estado. Ele, Viana, julgava
ter sufocado o mencionado plano com as providências que tomara, e com os
recursos da cidade: mas, a confirmarem-se aquelas suspeitas, eram esses
recursos demasiado pequenos para que ficasse em segurança e tranquilidade um
município em que existiam mais de 3.000 escravos, e muitos desordeiros.
Concluía pedindo ao Brigadeiro que ele levasse em
consideração e que desse as providências necessárias, a bem da segurança e
tranquilidade pública.
As ações do Presidente
da Província
Dentre outros fatos é também referido nesse expediente, que
fora oficiado ao Dr. juiz de direito da comarca do Rio Grande, que em 14 do
corrente se oficiara sobre os acontecimentos do dia 06, dos quais nenhuma
informação oficial havia naquela data, e que mandara por a disposição deste a
canhoneira Caçapava.
[...]. Deplorava o Presidente que, sendo do conhecimento das
autoridades, desde princípios de janeiro, a conspiração dos negros, de tão
sério acontecimento não tivessem
comunicado; e, não podendo elas contar com a solução de tão grave
problema, tomassem a responsabilidade dele sobre si; lamentava ainda mais que,
depois de conhecido e manifestado o plano do dia 06 e, depois de superada a
dificuldade, dissessem que era pouca a força simultânea de 1ª linha e de
polícia, e que era necessário, além disso, armar de imediato a guarda nacional
do município de Pelotas. Quanto a isso já havia ele feito de tudo o que era
possível; a comarca estava armada em parte; e novas ordens expedira para
continuar o armamento. E que, distando tão pouco de Pelotas à cidade do Rio
Grande, podiam, em caso urgente, requisitarem mais força, inclusive à guarda nacional
daquele município, que estava completamente armada.
Carta de liberdade: a
recompensa dada ao delator
A carta abaixo reproduzida foi possível graças à gentileza
do amigo Jarbas Lazzari, que a cedeu.
“Carta de Liberdade do
Preto Procópio passada por Luiz Manoel Pinto Ribeiro, em três de março de 1848.
Digo, o abaixo-assinado, que sendo possuidor do negro, de
nação Mina, de nome Procópio, ao mesmo dou liberdade de hoje para sempre, para
tratar de sua vida como liberto que fica sendo, em razão de ter recebido do
Ilustríssimo senhor José Vieira Viana, delegado de polícia desta cidade, a
quantia de noventa e sete mil réis, que mandou agenciar pela alforria do dito
escravo, por haver o mesmo denunciado uma insurreição que estava sendo
projetada entre os negros de sua nação, os quais denunciou e entregou àquela
autoridade, que mandou prender e corrigir. E, por verdade do expedido, e para
que o dito escravo possa gozar de sua inteira liberdade. Pelotas, aos três de
março de 1848”.
____________________________________
Fontes: Revista do 1º
Centenário de Pelotas e Biblioteca Rio-Grandense
Revisão de texto: Bruna Detoni e Jonas Tenfen

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