quarta-feira, 11 de setembro de 2019

Primeira Guerra Mundial em Pelotas VII - 5 perguntas e 2 aviões

Primeira Guerra Mundial em Pelotas VII
5 perguntas e 2 aviões



A. F. Monquelat
Jonas Tenfen


          Em tempos de crise, as inocências afloram. A guerra estava declarada e, sem a menor sombra de dúvida, era preciso tomar um lado, assumir uma posição. Caso contrário, corre-se o risco de boatos e comentários sem fundamento acabarem por classificar os indivíduos a contragosto destes. Guerras, crises, grandes debates: o preço de ficar isento é não ser isentado. Alguns dirão que perseguem os outros por amor a uma causa maior, outros porque não tiveram a menos alternativa. Já o protagonista do texto  assumirá seus atos com a consciência limpa de um inocente, cujas consequências dos atos não lhe pesariam.
          “Um inocente patriota” dirige, em carta aberta ao redator do jornal O Rebate, FredianoTrebbi, 4 perguntas inocentes. A carta é datada de 9 de novembro de 1917 e fora publicada não muito depois pelo jornal. Se o autor da carta é autoproclamado inocente, ao redator do Jornal é dirigido a saudação de “amigo e patrício”. 
As respostas para as perguntas se perderam nos anos de 1917. Nem por isso elas perderam importância para nós como instrumento que permite desenhar o cotidiano desta cidade à época. Assim sendo:
          “1ª pergunta: saberá o digno patrício dizer-me porque motivo se conserva ainda na estação telegráfica desta cidade um funcionário alemão, que quase todas as noites é visto na companhia de alemães e germanófilos em longas conferências?! (em lugares ermos).”
     Seguindo o Dicionário da História de Pelotas, em uma informação lacônica dentro de um verbete maior, sabemos que a estação telegráfica se localizava no, também,  ponto turístico Casarão da Banha. Imaginar porque este funcionário alemão continuava empregado é fácil: ele deveria ter conhecimentos técnicos importantes para o funcionamento da estação, uma expertise não facilmente substituível. O Casarão da Banha se localiza no Centro de Pelotas, lugar difícil para atividades subversivas de natureza boche, daí aventar reuniões nos arrabaldes com intuito obscuro.
          “2ª Que caixotes são aqueles com alças de ferro, que foram guardados à rua Marechal de Caxias n°..., uns com 1,20m x 0,5mm outros com 0,4m x 0,2 m, mais ou menos, de comprimentos e larguras, e bastante pesados?!”
          Sobre essas caixas de Pandora, pouca especulação nos cabe. Pela descrição, pode ser qualquer coisa exceto alimentos. Ferramentas, peças de maquinário, armas de fogo...
“3ª Por que os agentes da fábrica de pólvora marca “Elephante” (A melhor do Brasil)  passaram a agência aos Srs. Ferreira & Fernandez se os ditos agentes continuam na posse do estoque e fazendo fita com petições para retirarem explosivos de seu depósito à rua Voluntários (fundos da ferragem)?!”
          Fim do século dezenove e início do século vinte, era fácil de encontrar várias fábricas de fundo de quintal – como chamaríamos atualmente – pela cidade de Pelotas. Algumas ganharam corpo, outras se mantiveram sob o aspecto de artesanais, muitas se tornaram esmaecidas lembranças familiares. Tomemos, a exemplo de mera ilustração, a marca de cigarros Diabo: empresa gerida pela João Simões & Cia, lançada em 1901, cuja fábrica de cigarros ocupava os fundos da casa do autor pelotense. Tempos depois, mudando de ramo, o autor passa a vender um extrato chamado Tabacina, a entender que a fábrica ocupava espaço semelhante. 
          O espanto de uma fábrica de pólvora no centro da cidade é entendível, mas são as atuais regras para o fabrico do produto que originam o estranhamento. 
       “4ª Em que se baseia um alemãozinho, que lhe falta o indicador da mão direita, para dizer que, muito breve, terá o prazer de encilhar uns brasileiros que estão já em sua lista vermelha?!”
          Interessante o verbo usado pelo alemãozinho da inocente denúncia para indicar seu modo de vingança: encilhar. Um modo de subjugar reduzindo à qualidade de animal aquele que for alvo da prática. A descrição poderia ser muito clara à época, mas um alemãozinho sem o indicador da mão direita deveria ser facilmente encontrado em uma época onde os trabalhos fabris não ofereciam muita segurança, quando ofereciam. 
          Dois aspectos a serem destacados das perguntas inocentes.
O primeiro deles, quanto à forma, mostra apenas um verniz de questionamento, quando o que se revela é o denuncismo. Tomemos ao fim de cada uma das perguntas. Primeiramente, o ponto de interrogação, devido e esperado no que diz respeito a questionamentos, inocentes ou corrompidas. Logo depois, o ponto de exclamação: o grito, o brado, o alarde de que algo estava acontecendo. Não parecem menos inocentes as perguntas por usarem os dois sinais gráficos?!
     O segundo deles, quanto à forma, mostra uma estrutura articulada na denúncia que tentava fazer. O inocente patriota estava denunciando um levante que se mostrava ante seus olhos. Observemos que havia alguém nas comunicações que estava organizando o grupo (1ª pergunta), armas e munição (2ª pergunta), pólvora (3ª pergunta), um líder ou um plano já orquestrado para entrar em ação (a lista vermelha da 4ª pergunta). As perguntas eram inocentes, mas encadeadas mostravam que o perigo boche era real e presente; Pelotas não iria ficar de fora da guerra de trincheiras...
       Imaginação inocente ou informação privilegiada, cabe dizer que não há notícias de um levante germanófilo deste porte na cidade de Pelotas. A pergunta inocente que fazemos deve ser a mesma do leitor, a quinta: era tudo invencionice ou uma grande articulação boche fora desmantelada secretamente em Pelotas?
          Um adendo sem conexão imediata com as quatro perguntas inocentes. No jornal O Rebate, no mesmo mês de novembro de 1917, é noticiado que pessoas do Monte Bonito notaram a passagem de dois aeroplanos suspeitos, com procedência da direção do município de São Lourenço. Questionados, “o pessoal da Companhia Francesa [...] também viu os referidos aparelhos nas imediações da Boca do Arroio, próximo desta cidade.”
        Denuncismo, conspirações, informações parciais, revanches... Tempos difíceis em Pelotas.

Continua...
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Fonte de pesquisa: CEDOV – Bibliotheca Pública Pelotense

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