quinta-feira, 5 de setembro de 2019

O homem com chifres, em Pelotas

O homem com chifres, em Pelotas


A.F. Monquelat

Ilustração fictícia
Fantasmas, lobisomens, baleias, jacarés, feiticeiros, almas de outro mundo, homem de chapéu cinzento, mulher com barba, casas apedrejadas... Uma variedade de outros casos envolvendo seres deste e até quem sabe, de outro mundo já aconteceu no transcurso da história da cidade, mas homem com chifres é um caso que precisamos olhar de perto, e, para tal, nos reportaremos ao ano de 1921:
Dia 27 de agosto de 1921, a imprensa da cidade, sob o título de “Curioso”, dizia que dentro de breves dias seria exposto nesta cidade um extraordinário fenômeno.
Tratava-se de um homem com chifres, que o Sr. Fred Bernardi encontrara no lugar denominado Caverna do Inferno, à margem do rio Camaquã.
Sobre o fato, recebeu o jornalista a informação de que o Sr. Fred Bernardi passara em Canguçu, com destino a Pelotas, no carro de praça nº 241, conduzindo o fenomenal homem com chifres, encontrado nas montanhas denominadas Caverna do Inferno, à margem do rio Camaquã.
O fenômeno iria despertar, por certo, muita curiosidade, pois se tratava de um caso raro.
Dois dias depois, já em Pelotas, seria o homem  cornígero examinado pelos Drs. Edmundo Berchon, Victor Russomano e Ernesto Ronna.
Dia 31 daquele mesmo mês, “o curioso fenômeno” seria exposto na confeitaria A Predilecta, à rua 15 de Novembro, próximo ao Hotel Aliança.

Um homem com chifres!

Estava despertando grande curiosidade o fenômeno que o Sr. Fred Bernardi iria expor na confeitaria A Predilecta, do Sr. Eduardo Macalão, à rua 15 de Novembro.
E, por se tratar de um caso raríssimo, jamais visto, os jornalistas foram ouvi-lo:
Disse ele, a um dois jornalistas, chamar-se Feliciano Joaquim e contar 61 anos de idade.
Nascido no lugar denominado de Santaninha da Boa Vista distrito de Caçapava, e que há mais ou menos 20 anos fora residir no lugar denominado de Coxilha do Fogo, onde casou com a Sra. Xxxxxxx, havendo desse matrimônio 12 filhos, sendo 10 mulheres e dois homens.
Há dez anos, mais ou menos, apareceram-lhe os primeiros chifres, tendo, então, consultado vários médicos de Porto Alegre, Bagé e outras localidades, os quais o examinaram, julgando-o um caso extraordinário.
Feliciano acrescentou que esse fenômeno o incomodava bastante, pois a custo conseguia dormir em virtude das dores que sentia na cabeça quando estava deitado, o que não acontecia estando de pé.
Quando o tempo ameaçava chuvas, sentia vertigens e fortes ferroadas nos chifres, os quais tendiam a se multiplicar, pois estavam lhe aparecendo outros.
Feliciano possuía uma chácara no lugar onde residia. Mostrando-se satisfeito com sua estada em Pelotas, disse ao jornalista estar sendo muito bem tratado pelo Sr. Fred Bernardi, sentindo apenas saudades da família e do seu sítio.

As indagações de um jornalista sobre o homem cornígero

“Um homem com chifres! Um homem com chifres! Hoje! Hoje! Às 2 horas na rua 15”, assim anunciavam pelas ruas de Pelotas os reclamistas [propagandistas].
Um jornalista, indagando sobre o anunciado soube que um indivíduo morador na Caverna do Inferno, nas margens do rio Camaquã, seria exibido como um fenômeno, mostrando ao público protuberância ou excrescência córnea [vulgarmente chamada de chifre ou corno] que lhe saíra do lado direito da cabeça.
Constrangido e chocado com o que ouvira, exclamou o jornalista: Coitado! Pobre homem!
Logo passou a se interrogar: Não seria ele um produto natural do meio em que nascera? Os habitantes do Inferno ou da Caverna, de onde ele viera, não apresentariam esses apêndices córneos com que se diferenciariam dos outros seres reais ou imaginários? O Diabo ou Lúcifer ou Satanás – que era o personagem por excelência, e que encarnava toda a maldade e toda a desgraça do mundo – não teria chavelhos ou chifres como distintivo ou insígnia do seu poder real? Não seria aquele pobre homem, por um fenômeno qualquer, filho do próprio Diabo vindo à terra para dar o que fazer aos homens, para que eles pensassem, para que meditassem, para que quebrassem a cabeça diante do seu caso, à vista dos seus chifres?
Assim imaginando, refletindo e reflexionando, com a mente preocupada e cheia de conjecturas acerca de chifres, resolveu o jornalista ver o homem cornígero.
Viu-o, falou-lhe, e até tocou na córnea causadora de toda aquela agitação que tomara conta da cidade, e que, de fato, bem merecia o nome que lhe davam, confessou o jornalista.
Ao mesmo tempo se sentiu desiludido, ou mais convicto da realidade de coisas que julgava serem imaginárias, porque, com as noções que tinha da História Natural, sabia ele que essas excrescências eram inerentes a certos irracionais, e por isso levava à conta de fantasia o que ouvia dizer de humanos que eram vítimas desses caprichos da natureza.
Agora, com a aparição desse homem, via-se que, de fato, não havia regra sem exceção, a qual, neste caso, provava que havia gente que possuía qualidades ou atributos de bicho! Exclamava o jornalista.
Durante a conversa mantida com o homem de chifres, teve o jornalista a convicção de que este estava satisfeito com tudo aquilo a seu redor. Acreditava o entrevistador que essas manifestações córneas o haviam trazido à civilização, ao convívio da sociedade. Sem elas, sem essas esquisitices, ele continuaria a vegetar pelos brejos da Coxilha do Fogo, a matutar pelos matos da Camaquã. Morreria ignorado, dizia o jornalista.
Agora não: tinha o futuro garantido e o seu nome percorreria o mundo inteiro. Não somente o nome como ele próprio iria ao Rio de Janeiro, a Montevidéu, Buenos Aires, Paris, Londres, Berlim, Viena, Roma, Lisboa. Iria também à Índia, ao Japão, à China etc. E, por todo o mundo, satisfeito da sua desdita, risonho da desgraça (para ele uma riqueza).

O homem dos chifres, novamente em Pelotas

No ano seguinte, voltava o homem cornígero ao noticiário da imprensa pelotense, dizendo esta que, empresado pelo Sr. Fred Bernardi e com destino às capitais platinas, onde seria examinado pela Sociedade de Medicina de Montevidéu, a convite desta, apresentar-se-ia naquele dia, 9 de fevereiro de 1922, à noite, no Circo Imperial Japonez instalado na cidade.


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Fonte de pesquisa: CDOV – Bibliotheca Pública Pelotense
Imagens: acervo de A.F. Monquelat
Revisão de texto e postagem: Jonas Tenfen

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