A Primeira Guerra Mundial em Pelotas
Parte II – Imigração Alemã
A. F. Monquelat
Jonas Tenfen
Militares da Província de São Pedro, Herrmann Wendroth, 1852 |
A expressão “imigração alemã”, em se tratando dos fluxos migratórios ocorridos para e no Brasil durante os séculos XIX e XX, se refere a um conjunto de acontecimentos multifacetados, mais ou menos próximos entre si, que a historiografia e estudos contemporâneos estão mostrando melhor a sua complexidade. Diversos grupos, de aproximação étnica, geográfica ou cultural, foram identificados sob o nome de “alemães”, principalmente quando destinados a colonizar as terras do Brasil. Em Pelotas, iremos encontrar dados de migrantes para além daqueles que vieram sob a égide de companhias colonizadoras, o que será mais raro em regiões de serra, por exemplo, e o que causará algumas dificuldades para organizar cronologias estáveis sobre o tema. Ainda usaremos, mesmo conscientes da limitação, o termo “alemão” para diversos grupos que para cá migraram, pois é termo gregário e se refere aos usos frequentes da mídia impressa à época estudada.
A imigração alemã para Pelotas pode ser entendida em três períodos, reitera-se a facilidade de encontrar exceções por se tratar de uma cidade – e região – com grande fluxo de bens e serviços, bem como servida de zona portuária. O primeiro dos períodos é ao redor das charqueadas, onde comerciantes e industriais montaram estabelecimentos para ou abastecer o mercado com víveres ou para aproveitar matéria-prima até então tratada como descarte pelas estâncias produtoras de charque. Citamos, como exemplo, o empreendimento de Luiz Eggers: a Fábrica de Velas e Colas, fundada em 1841. A professora Maria A. P da Fonseca indica que Avé-Lallemant, em viagem por Pelotas em 1858, fez descrição da fábrica:
Bem perto da margem do pequeno e navegável Pelotas, foi construído um espaçoso e apropriado edifício, de acordo com um plano inteligente, dotado com uma cuidadosa escolha de aparelhos a vapor, como caldeiras para fundir, máquinas de cortar e provido de trilhos à margem do rio, de modo que os produtos do hábil fabricante podem ser exportados diretamente em embarcações próprias [...]
Podemos facilmente entender as vantagens competitivas que Luiz Eggers possuía na época: produzia um produto de alta demanda – lembrando que não havia iluminação à energia elétrica e que alternativas à vela eram querosene é óleos, como o de baleia -, matéria-prima a baixo custo e maquinário a vapor que permitia produzir mais que fábricas artesanais de vela.
O segundo dos períodos está relacionado diretamente com os Brummer. Eram estes mercenários contratados a soldo pelo governo brasileiro para lutar na Guerra contra Oribe e Rosas, e, em 1851, eram um contingente de cerca de 1.800 indivíduos. A alcunha brummer diz respeito ou ao hábito deles resmungarem muito sobre as condições da vida militar ou sobre o dialeto que utilizavam entre si. Muitos destes eram indivíduos com formação técnica e elevado nível de estudo para a época, decorrência da necessidade de capacitação para tratar com artilharia: costuma-se indicar que estes mercenários foram equipados com fuzis dreyse, “a primeira arma realmente moderna (usando como padrão o vindouro século XX) a ser adotada pelo Exército Brasileiro”.
Os Brummer se dispersaram muito rapidamente. O contingente inicial contratado entrou em conflito durante a viagem de vinda ao Brasil, iniciando suas atividades neste país com deserções. Ao fim dos conflitos, poucos retornaram às origens, sendo absorvidos como mão-de-obra para diversas atividades no sul do Brasil, muitos tendo sido assentados como colonos, também. Carlos von Koseritz foi o brummer que, sem dúvida, alcançou mais renome pelas atividades que exerceu em solo brasileiro: fundou escolas, trabalhou em jornais, escritor prolífico, organizou a Exposição Brasileira-Alemã, de 1881, e entrevistou Don Pedro II, mencionando apenas alguns dos feitos em uma vida bastante movimentada. Além de Koseritz, citamos também Wilhelm Ter Brüggen, Hermann Rudolf Wendroth, Carlos Jansen, Viktor von Gilsa.
O terceiro dos períodos está relacionado à colonização da serra dos Tapes. Como observado até então, e como irá se reafirmar nessa campanha colonizadora, os esforços da vinda de alemães a Pelotas foram em sua maioria por via de iniciativa privada. Em sociedade com José Antônio de Oliveira Guimarães, o comerciante e empreendedor Jacob Rheingantz fundou a Colônia São Lourenço. Alguns meandros burocráticos foram vencidos pelos dois sócios, afinal, mesmo privada, era necessária autorização do governo para construir uma colônia. A chegada de cerca de 90 pessoas em 18 de janeiro de 1858 marca o início deste terceiro fluxo migratório a Pelotas.
Rheingantz administrava a colônia de dentro, pois residia ali com a família. Mesmo essa proximidade não impediu rebelião dos moradores, o que também acontecera na colônia Santo Ângelo. Esses dois levantes foram pacificados em 1867 pelo Barão von Kahlden, um brummer de relevo que não fora mencionado na lista acima. Rheingantz, reintroduzido à administração da colônia, possuía planos de expansão, o que motivou outra viagem à Europa em 1877, onde, acometido de mal súbito, faleceu. A abertura da estrada do Monte Bonito, ligando Pelotas a Serra dos Tapes, permitirá o assentamento de comerciantes alemães, frequentemente ex-colonos, moldando o bairro Três Vendas.
Apresentados estes três períodos, observemos agora um caráter frequente dos migrantes alemães à região: o caráter gregário. Não se nega, de forma alguma, as rusgas e brigas que eram frequentes, vide os brummer e as revoltas nas colônias do parágrafo anterior. Contudo, a frequência do caráter gregário foi maior que as contendas e se mostra além das reuniões religiosas. Várias agremiações, por assim dizer, surgiram criadas e mantidas por imigrantes para imigrantes. Desde a Associação Auxiliadora de Colonização, até clubes de caça e tiro, escolas diversas, jornais; além de empreendimentos industriais e as vendas que também permitiam convívio e esboço da ideia de grupo.
Isto explica notícia do Jornal do Commercio, em novembro de1880, sobre distribuição do primeiro número da Deutsche Presse, uma “folha consagrada à defesa dos interesses dos alemães residentes nesta cidade”. O jornal foi de propriedade de Julius Kurtius, que fora proprietário do jornal Der Bote, de São Leopoldo, e trabalhara no Jornal do Commercio, agora lançava empresa própria em Pelotas. Ideia era de publicar o Deutsche Presse às quartas e aos sábados, porém temos a confirmação da publicação do primeiro número em um domingo.
Isto explica também o convite feito, também no Jornal do Commercio em novembro de 1880, um pequeno retângulo em língua alemã cercado pela língua portuguesa: “Associação Alemã de Canto e Ginástica / Domingo, 14 de novembro, pela manhã, às 8 horas / Assembleia Geral Extraordinária no salão de canto / Agenda: apresentação das regras de sucessão e aditamento aos estatutos.”
continua...
Imagens: Acervo Biblioteca Pública, domínio público
Referência: artigo “Presença alemã em Pelotas-RS”, de Maria A. P. da Fonseca; sobre o fuzil Dreyser, as informações estão disponíveis no blog Armas Brasil (http://www.armasbrasil.com/SecXIX/Exercito_profissional/dreyse.htm); livro “A colônia de São Lourenço de seu fundador”, de Vivaldo Coaracy; “Dicionário da história de Pelotas”, vários autores e disponível on-line. Para saber mais sobre a atuação dos Brummer nos conflitos na Guerra contra Oribe e Rosas, recomenda-se a leitura do número 85 da revista “O Tuiuti”, disponível on-line.