sábado, 28 de outubro de 2017

Pelotas: prostitutas e seus senhores (3)


                                                                      A.F.Monquelat




Prisão do “souteneur” polonês Eduardo Sommastre
         Sob a denominação de “cruzada de saneamento social” que passou a ocorrer na cidade, resultado das denúncias feitas em primeira mão pelo jornal A Opinião Pública foi que ocorreu a primeira prisão de um cáften, o polonês Eduardo Sommastre.
         A prisão aconteceu graças a hábil condução feita pelo Sr. delegado de polícia, coronel Otacílio Fernandes, a partir da denúncia feita pela prostituta Adenita Deniz, que cansada dos maus tratos que o delinquente explorador de hetairas lhe infringia, além de constantemente exigir-lhe dinheiro, resolveu denunciá-lo à polícia.
         De posse das informações prestadas pela decaída, pode o delegado Otacílio usar o estratagema do “sapo inchado”, expressão da gíria malandra daquela época, que era utilizada pela polícia para prender criminosos.
         Dia 5 de gosto de 1929, a vítima do cafetão, que assustada vivia até então escondida, devidamente instruída pela autoridade que pretendia prender em flagrante Eduardo, fato muito difícil de ser executado em se tratando de proxenetismo, ligou desde a Pensão Réne, localizada à Rua Felix da Cunha nº157, ligou para o hotel Vulcão de Napoli, onde estava hospedado o souteneur, chamando-o para se reconciliarem.
         Eduardo, mais do que depressa correu à Pensão René e, já no quarto de Adenita foi logo aceitando as explicações que esta lhe ia dando, instruída que fora pelo delegado para fazê-lo abrir-se, e assim permitir que fosse dado o flagrante no cáften polonês, que foi preso no ato.
          Segundo o jornalista, Sommastre iria naturalmente ser deportado.
         E o foi, pois dia 7 de agosto era anunciada pela imprensa a expulsão de dois “cafifas” que, segundo declarações prestadas pelo Sr. Otacílio Fernandes, delegado judiciário do município, seriam eles deportados, por trem, com destino a Argentina.
         Tratava-se dos poloneses Eduardo Sommastre e Jack Sanches, nomes que deixaram inscritos nos cadastros da polícia e que há não muito haviam aportado em Pelotas, passando desde então a extorquirem dinheiro de mulheres hospedadas na “Pensão Réne”.     
 
Proxenetismo e entorpecentes
Em matéria veiculada na edição de 9 de agosto de 1929, o jornal A Opinião Pública mais uma vez chamava a atenção das autoridades competentes para as práticas de bas-fond [área de uma cidade marcada pela prostituição] que, como efervescências dos grandes centros, estavam sendo transplantadas para esta cidade, por elementos indesejáveis e “sórdidos cuspidos da maré cinzenta do fluxo e refluxo do humano oceano de outras civilizações...”
Apontava então, o indecoroso e criminoso espetáculo das escravas brancas, dizendo que o proxenetismo vestia-se não somente de retalhos e farrapos imundos, como também de seda e finas pedrarias...
Forçoso era convir que o grito de alarma já produzisse seu efeito, em parte, pelo menos, pois que, há bem poucos dias, o Sr. delegado de polícia efetuara a prisão de um daqueles “repelentes” indivíduos, seguida por certo, da competente deportação.
Nova prisão acrescentava o jornalista, efetuara-se vinte e quatro horas mais tarde.
Queria dizer ele com isso, que o jornal não exagerara e nem errara quando aludira à presença, nesta cidade, de personagens dadas à prática do proxenetismo, quase que a olhos vistos.
Porém, a campanha que o jornal encetara não deveria terminar ainda; antes pelo contrário; aproveitando-se da boa vontade das autoridades locais, clamava por novas investigações nos meios suspeitos, onde se descortinariam, talvez, episódios mais sombrios ainda, como o processo de conquista do “pó da ilusão”, o delicioso veneno branco [alusão à cocaína?], entorpecente maligno, que ao proxeneta proporcionava a recompensa polpuda...
O jornal aguardaria, para o caso, a ação da polícia, na objetivação de uma campanha tenaz.
Ressaltamos aqui um episódio ocorrido às 9h30 do dia 19 de janeiro de 1928, que nos faz crer que o “pó da ilusão” já era bastante difundido antes do ano de 1929, pois a mulher Isabel Lopes, conhecida por Belinha, moradora à Rua Voluntários, depois de ingerir a “sua costumeira dose de cocaína”, dirigiu-se ao corredor do Ernesto, à Rua 13 de Maio [atual Princesa Isabel], nº302 A, onde promoveu grossa baderna, tentando arrombar a porta de um dos quartos do local, que acabou penetrando, pulando a janela, a procura de seu ex amante..
Passando no momento pelo local o guarda nº4 do 1º posto, que foi chamado para conter a desordem, tendo Belinha desrespeitado o policial, que acabou levando-a para o xadrez, onde ela “acalmou um pouco os efeitos do tóxico”.

A expulsão dos indesejáveis cáftens

Voltava o jornal  A Opinião Pública, em 12 de agosto de 1929, desta vez apontando as falhas da polícia que, na sua repressão ao caftismo estava empregando todos os esforços, que o jornal reconhecia como um ato elogiável.
Havia, entretanto, um ponto a que o jornal queria em especial se referir.
Tratava-se da expulsão dos indesejáveis caftens, que não era feita com a precisa segurança, pois, os indivíduos expulsos já se encontravam novamente no seio da sociedade pelotense e, naturalmente, continuando com a sua sanha criminosa.
Por isso, segundo o autor da matéria, não deveria a polícia, ao expulsar esses indivíduos, deixá-los no Fragata ou nas estações próximas como estava fazendo.
A repressão precisava ser a mais enérgica.
Era a defesa da moralidade social, a qual, dizia o jornalista, não podia estar a jogo, entregue às mãos daqueles indivíduos repelentes que mereciam o franco repúdio.

Cáften preso
O tenente-coronel delegado de polícia prendeu dia 20 de agosto de 1929, à noite, um conhecido cáften de nome Alfredo Boris, que, além de ser cáften, não trazia consigo documento algum de sua procedência.

Toma-se ópio em Pelotas?
         Sob este título, o Diário Popular de 8 de dezembro de 1929, em sua coluna denominada “O que se passa na cidade”, noticiava que Jacqueline, “embalada”, dera entrada na Santa Casa.
         O motivo, segundo o jornal, era que, em uma pensão [prostíbulo] “chic”, por aborrecimento ou vício a Jacqueline, cantora do Dancing Pigalle, situado à Rua Sete de Setembro, ao recolher-se ao cotorro [pequeno quarto], ingerira 15 cms. de ópio.
         Isso bastou para que Jacqueline ferrasse no sono e fosse bater com os costados na Santa Casa.
         Ali estava ela, no quarto nº 1, ainda sob a ação “extravagante do terrível tóxico”.
         Onde Jacqueline obtivera o ópio? – indagava o jornalista.
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                Continua...
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Fonte de pesquisa: Bibliotheca Pública de Pelotas/CDOV
Revisão do texto: Jonas Tenfen

Postagem: Bruna Detoni

sábado, 21 de outubro de 2017

Pelotas: prostitutas e seus senhores (2)





         Dia 9 daquele mês, segundo o boletim de ocorrências do 3º posto, fora recolhida à prisão Ângela Rodrigues, moradora à Praça Piratinino de Almeida. À reportagem do O Dia procurando saber do que se tratava, na delegacia de polícia, foi-lhe informado que a famosa caftina fora detida para averiguações.
         O jornal, sabendo que se tratava de caso deveras interessante, que daria margem à autoridade para agir eficazmente, já que era suficiente para constituir prova incontestável de que Ângela estava fora da lei, e a sua permanência em Pelotas bem como a de outras criminosas, constituía um verdadeiro atentado à moral.
         Que é que iria acontecer ou já acontecera? Indagava e também respondia o jornalista: Ângela voltaria a praticar o seu comércio, repelente e miserável, sem que, nem ao menos o representante da justiça tivesse conhecimento do fato para uma ação enérgica, em defesa da sociedade.
         Mas para que insistir? Se o fizesse era muito capaz de Ângela encontrar uma pena de aluguel, que castigasse a insolência e fosse ela depois instalar, à porta do seu negócio, alguma placa de parteira...
         A repercussão do editorial sobre o caftismo em Pelotas, segundo o jornalista, calara fundo no espírito público, o que era representado claramente nas manifestações de apoio que eram feitas, de viva voz ao jornal, por conceituados representantes da sociedade.
         De fato, acrescentava o editorialista, era para pasmar que a polícia local, de posse das provas esmagadoras de que o lenocínio se estava exercendo livremente -conhecedora que era das figuras sinistras que o praticavam, “umas gordachudas pretas envelhecidas no vício e na alcovitice”- tolerasse o indecoroso tráfico e deixasse livre os seus repugnantes industriais.
         Só com uma descrição sucinta, documentada por flagrantes, que para a reportagem do O Dia seria fácil colher, se demonstraria o que de sinistro ocorria na lama de Pelotas, nos seus oblíquos desvãos.
         Evitava o jornal, porém, tais detalhes, pois o respeito próprio lhe impunha o mais absoluto silêncio em torno das práticas do caftismo. O que não passava despercebido, contudo, eram os exemplos que eram públicos e para os quais se olhava não com rubor nas faces, mas com pena, diante de dezenas e dezenas de criaturas impúberes, já envelhecidas pelo meretrício.
         E a quem se devia tal desgraça? Aos traficantes da honra, aos proxenetas que infestavam a cidade, aos malandros que viviam à custa de velhas hetairas, e se encarregavam de serem os intermediários dos D. Juans da alcova junto das indefesas criaturas candidatas à prostituição.
         E a polícia conhecia os tristes personagens aos quais se aludia o jornal . Tanto os conhecia que, periodicamente os chamava a sua presença para adverti-los.

Uma garçoniére de polacas, na zona do meretrício
         Com o título “Vida fácil e pagamento difícil”, o jornal Diário Popular informava aos seus leitores que, dia 23 de abril de 1929, estivera na subintendência, danada e vociferante, a polaca Eugênia. Esta mantinha uma humilde garçoniére [lugar destinado a encontros amorosos: matadouro] à Rua Dr. Cassiano, nº272.
         Eugênia, revoltada, disse cobras e lagartos de suas inquilinas e patrícias Cecília e Marta, as quais não pagavam a hospedagem e, também, não pretendiam abandonar o local.
         Segundo o jornal, Marta e Cecília não queriam outra vida.
         Sob o título de “O comércio de escravas brancas em ebulição”, lembrava o jornal A Opinião Pública de 12 de julho de 1929 que, a campanha de saneamento moral que aquele jornal dera início, chamando a urgente atenção da polícia para o torpe comércio do proxenetismo que desgraçadamente ia tomando vulto, tinha o jornal, através daquela edição novos aspectos do problema da repressão, que seriam convenientemente abordados sob a segura e ativa ação da reportagem daquele periódico.
         O sucesso alcançado pela campanha iniciada pelo jornal incentivava-o a incrementá-la ainda mais.
         Na véspera daquela reportagem recebera o jornal uma carta, assinada por alguém que se denominou de “João Observador”, cujo teor era o seguinte: “A campanha iniciada contra o torpe comércio de escravas brancas é merecedora de fervorosos aplausos”.
         Aqui em Pelotas, centro relativamente pequeno, já é extenso o número de indesejáveis que se dedicam à vil exploração, extorquindo o vicioso dinheiro das infelizes decaídas.
         A cidadania, porém, quer e exige, por parte da autoridade competente, uma campanha enérgica e eficaz de saneamento social.
         É preciso que nós, os pelotenses, extirpemos o terrível cancro, enquanto o mal está se ensaiando entre nós.
         Outro assunto, que pode ser anexado ao presente comentário, é o da necessária proibição de frequência de menores em casas suspeitas.
         Como era fácil de deduzir-se, a cruzada de saneamento social que o jornal desencadeara atingia uma verdadeira aspiração coletiva no civilizado núcleo social em que viviam.

O êxodo do proxenetismo visto pelo A Opinião Pública
         Porto Alegre, que era o paraíso dos exploradores de profissionais “beautés” [profissionais da beleza: prostitutas] estava, na época, sendo aliviada do torpe comércio, à proporção que a polícia empreendia uma necessária e enérgica campanha de repressão.
         Não se tratava agora de um combate simulado, mas sim de uma ação eficaz que obrigasse a camorra [alusão à antiga associação criminosa de Nápoles] ignóbil dos proxenetas a fazer as malas e buscarem lugares mais amenos.
         Foi assim que Pelotas, de súbito, se viu infestada por um exército de cáftens, que aqui se radicava e desfrutava a suavidade de um ambiente onde a polícia, ao parecer do jornalista, ignorava a existência daquele clandestino e nocivo comércio.
         Entretanto, aquela era uma verdade incontestável, os “souteneurs” aqui domiciliados, afastados que foram pela repressão que se estabelecera contra eles na capital do estado, em Pelotas já podiam ser apontados a dedo.
         Encerrando a matéria, dizia o periódico que no interesse de prosseguir na útil cruzada, aquele jornal movimentaria a sua equipe de reportagem, apresentando os elementos que deveriam urgentemente ser deportados.
         E, enquanto o jornal pedia a imediata ação da polícia contra os cáftens, cada vez mais presentes no cotidiano da cidade, algumas famílias chamavam a atenção, através de carta dirigida à imprensa, para as imoralidades praticadas pelas prostitutas nas ruas ocupadas por estas, principalmente na Dr. Cassiano, entre Andrade Neves e General Vitorino [Anchieta], e Voluntários, entre Felix da Cunha e Gonçalves Chaves. Segundo os reclamantes, se entregavam elas a toda a sorte de excessos, provocando, diariamente, escândalos públicos, que ofendiam o pudor das famílias que eram, por aqueles trechos, obrigadas a passar.
         Especialmente à noite, até tardias horas, o espetáculo que apresentavam aquelas áreas era deveras deprimente “da nossa civilização e afrontoso às próprias autoridades”.
         Até há pouco, diziam os autores da denúncia e reivindicação, a Rua Dr. Cassiano era policiada à noite, sendo que naqueles últimos dias haviam retirado o policial que ali rondava, sem que eles entendessem o motivo.
         Não somente cobravam, e com urgência, que o policiamento fosse restabelecido, bem como fosse ele estendido à Rua Voluntários no trecho por eles indicado, a bem da moralidade pública, sem falarem na Rua Três de Fevereiro [Major Cícero], cujo trânsito há muito estava impedido às famílias, por motivos ainda mais sérios e graves       .

                                                                                              Continua...
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Fonte de pesquisa: Bibliotheca Pública de Pelotas/CDOV
Revisão do texto: Jonas Tenfen
Postagem: Bruna Detoni

sábado, 14 de outubro de 2017

Pelotas: prostitutas e seus senhores (1)






         Diz-nos Yvette Trochon, referindo-se ao tráfico de brancas para o Brasil, que nas últimas décadas do século XIX desciam dos navios não mais escravos negros, e sim as moças europeias – a “carne blanca” – que vinham para engrossarem as fileiras do já velho meretrício brasileiro.
         Dez anos depois da chegada das meretrizes europeias ao Brasil, iniciou a substituição da prostituição doméstica, instituição agregada à sociedade patriarcal, pelo meretrício urbano e estrangeiro, que vinha quase sempre acompanhado do proxenetismo profissional, fenômeno novo na vida do país.
         Ainda ancorados em Yvette que, ao citar Gilberto Freire, diz-nos que essas europeias, na maioria das vezes, substituíram as nativas como iniciadoras sexuais dos jovens brasileiros.
         Essas moças que no Brasil aportavam vinham dos mais diversos países da Europa, sendo que os portos de embarque mais utilizados, segundo Trochon eram os de Odessa, Marselha e Nápoles, mesmo sendo habitual que muitas dessas  estrangeiras procedessem de Buenos Aires, que operava como um mercado distribuidor de prostitutas para toda a América do Sul.
         Disse certa vez uma antiga meretriz de São Paulo que muitas daquelas “polacas” que no meretrício paulista ingressavam não vinham diretamente do Velho Continente, e sim que a grande maioria delas vinha da Argentina, porque lá a mulher com mais de 25 anos, tinha dificuldade de ganhar a vida como prostituta. Os argentinos gostavam de mulheres jovens, já os brasileiros não, eram mais conservadores.
         Durante muito tempo, a antonomásia de polaca, empregada pela imprensa de Pelotas toda vez que esta se referia à prisão de uma ou outra prostituta, em especial nas primeiras décadas do século vinte, me chamava a atenção do porquê de por tal apelido serem elas conhecidas.
         Inicialmente, achei que era por serem muito brancas e com cabelos claros ou até mesmo louros. Posteriormente e por ocasião de um texto que produzi, denominado de O projeto de branqueamento das charqueadas pelotenses, achei que eram essas mulheres, vez por outra citadas nas colunas policiais, remanescentes de famílias polonesas para cá trazidas para o trabalho nas charqueadas. Depois, relendo a obra de Yvette Trochon, que eu havia adquirido em Montevidéu em 2006, entendi que não, ou pelo menos é o que me parece, ainda hoje.
         A partir desse meu novo olhar, e influenciado ainda pela obra do Aldyr Garcia Schlee, Contos da vida difícil, ficou tudo muito claro: Pelotas, a exemplo de outras cidades, ainda que em menores proporções, esteve entre a rota internacional dos cafetões responsáveis pelo famoso tráfico de escravas brancas, e que neste trabalho os denominarei de senhores das prostitutas.
         No entanto, é preciso ressaltar que embora Pelotas de um momento para outro se visse empestada por uma quantidade enorme de gigolôs, não esteve diretamente incluída na rota internacional do tráfico de “escravas brancas”, pois esta rota, pelo menos no Brasil, tinha como alvo apenas algumas capitais.
         Aquele fenômeno, que dera início em Pelotas no ano de 1929, foi consequência da varredura que as autoridades policiais de Porto Alegre desencadearam contra os barões da “carne branca” que lá existiam, perturbando a ordem e atentando contra a moral e os bons costumes.
         É importante salientar que o ano de 1929 não foi pioneiro em inaugurar a presença expressiva de cafetinas e cafetões em Pelotas, pois, já no ano de 1906, no mês de março, o subchefe de polícia, Sr. coronel Cristóvão José dos Santos, deu início ao que a imprensa, na época, denominou de “campanha moralizadora”, cujo propósito era extirpar do meio social o “horrível cancro do caftismo”.
         Dizia, então, um jornalista que em Pelotas, como no Rio de Janeiro e em todas as cidades populosas, as velhas hetairas, já impossibilitadas de comerciarem seus corpos, por velhice, e os rufiões [proxenetas] sevandijas [seres desprezíveis] entregavam-se ao abominável comércio de mulheres jovens que, incautas ou de “índole fraca e pervertida, se deixavam levar à perdição total e ao vício”.
         Entretanto, aquela autoridade que vinha observando, há algum tempo, aquele movimento e comércio na cidade, resolvera pelo menos diminuí-lo, através de uma enérgica repressão àquela ilícita atividade, dizia o jornalista.
         Que não lhe doessem às mãos naquele meritório trabalho, pois bem certo era que, com o extermínio de cáftens e caftinas, faria com que diminuísse a lista de infelizes e exploradas prostitutas.
         Na matéria seguinte, dia 10 de março daquele mesmo ano, como resultado da ação desenvolvida pelo Sr. coronel Cristóvão José dos Santos, era noticiado terem sido presos e recolhidos ao xadrez do 3º posto as famigeradas e temíveis caftinas Avelina Dutra, moradora à Rua 3 de Maio; Isabel Dias, Rua Dr. Miguel Barcelos; Joaquina Machado, Rua Marechal Deodoro; Epomina dos Santos Coimbra, Rua Marechal Deodoro;  Maria das Dores Cunha, Rua Tiradentes; Eliza Balarine, Rua Tiradentes [ex restaurante da célebre Catarina Cuniga, a qual, segundo o jornal: felizmente já longe desta terra].
         Outras velhas alcoviteiras haviam fugido, bem como uns indivíduos que vilipendiavam o próprio sexo e também serviam de alcoviteiros.
         Essas miseráveis criaturas, dizia o jornalista, deveriam ficar sob as vistas do Dr. promotor público, tendo em consideração que o delito cometido por elas estava previsto nos artigos 277 e 278 do código penal, que estipulava penas de 1 a 2 anos de prisão e multa de 1.000$000.
         O Sr. coronel Cristóvão daria aos cáftens de ambos os sexos a punição merecida dentro da esfera de suas atribuições, estando disposto a deportar aqueles que reincidissem naquele crime.
         Três dias depois da prisão dos cáftens e caftinas, foram estes soltos sob a condição expressa de não prosseguirem mais naquela “infame profissão”. A polícia judiciária exerceria rigorosa vigilância.
         Era, também, ao final da notícia dito que havia sido presa outra caftina, Maria da Conceição, vulgo Baianinha.
         Desde aquela operação   contra o caftismo, desencadeada em 1906, até o ano de 1916,  não encontramos nenhuma outra cruzada registrada pela imprensa. Não estamos com isso pretendendo dizer que a exploração de mulheres tenha cessado, e sim, que tal prática deve ter ficado em níveis que as autoridades não tivessem de tomar providências.
         Já no ano de 1916, o editorial do jornal O Dia de 10 de outubro de 1916, chamava a atenção para o caftismo em Pelotas, que estava progredindo a passos largos graças à inépcia da polícia, cujas ações não passavam do limite banal de ouvir queixas, todos os dias, a toda hora.
         E sabia-se que uma indústria progredia, quando se via os produtos desta disseminados no mercado e entregue ao largo consumo público.
         O produto do repulsivo comércio do caftismo era o meretrício vivo, que pela cidade se exibia com representantes de menos de 15 anos de idade, e que tinham iniciado seus passos de vício e infelicidade passando nos antros fétidos das muitas megeras que tinham oficina montada com o propósito de desenvolver a prostituição.
         Bastava que um canalha qualquer se enamorasse de uma infeliz, cuja inexperiência estava em razão direta da sua falta de educação e de outros maus elementos de família e de sociedade, e a sua desonra era comprada à caftina, a preço estipulado.
         Era uma miséria, mas era uma verdade, ainda mais que aquilo tudo ocorria sem que a polícia tomasse providência alguma.
         Não há muito, o jornal Opinião Pública fizera denúncia em volta de um caso de sedução e defloramento, citando a casa da “preta” asquerosa onde o crime se havia consumado.
         E o que fizera a polícia? Nada, absolutamente nada, afirmava o jornalista.
         Era espantoso.
                                                                                              Continua...
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Fonte de pesquisa: Bibliotheca Pública de Pelotas/CDOV
Revisão do texto: Jonas Tenfen

Postagem: Bruna Detoni