quarta-feira, 24 de julho de 2019

Primeira Guerra Mundial em Pelotas Parte IV – A noite das fogueiras (continuação)

Primeira Guerra Mundial em Pelotas
Parte IV – A noite das fogueiras (continuação)


Adão Monquelat
Jonas Tenfen

Explosões patrióticas!

           Damos aqui continuidade aos relatos do ocorrido na noite do dia 30 e madrugada do dia 31 de outubro de 1917, chamada por nós de “a noite das fogueiras” por se tratar de uma série de ataques, depredações e dois incêndios à propriedades e estabelecimentos alemães. Tratamos no primeiro texto sobre o incêndio do jornal Deutche Wacht e depredação de casas comerciais; trataremos aqui do incêndio do Tiro Alemão.
           São várias referências na imprensa pelotense sobre o Tiro Alemão, do mesmo modo que várias as formas para se referir à agremiação, fundada em 1876. Nomes como Club de Atiradores Alemães, Club de Tiro, por vezes o simplista e ambíguo Atiradores Alemães, até o mais popular e consagrado Tiro Alemão; raro, porém, é encontrar menção ao nome em língua alemã: Der Deutsche Schützenverein.
           Acompanhando o periódico A opinião pública, entre 1900 e 1910, as notícias desta agremiação sempre giravam em torno de chamadas e divulgações de campeonatos, homenagem aos campeões e campeãs de tiro ao alvo, convites para pequenas festas e celebrações. Observemos um exemplo.
           Em 3 de junho de 1900, de acordo com o citado A opinião pública, ocorreu festa dos associados do Club de atiradores alemães, em sua sede social localizada na Lomba. Na parte da manhã, ocorreu o torneio para escolha do Rei (primeiro lugar) e Cavalheiros (segundo e terceiro lugares) do clube. Depois de realizadas as provas, fora proclamado Rei o Sr. Frederico Müller; 1° Cavalheiro, o Sr. Julio Hadler; e, 2° Cavalheiro, o Sr. Carlos Ritter.
           Na parte da tarde, teve início o campeonato feminino de tiro ao alvo. Depois de realizadas as provas, os prêmios foram assim atribuídos: 1° prêmio para Exma. Sra. D. Adelaide Bojunga; 2° para Exma. Sra. D. Maria Sparemberg; 3° para Exma. jovem Helena Petersen; 4° para Exma. Sra. D. Amelia Brockstedt. O jornalista indica uma “espirituosa surpresa” à atribuição do 5° prêmio: Exma. Sra. D. Bertha Ritter. Perde-se nas brumas da história o porquê deste prêmio ter sido espirituoso: havia apenas cinco participantes ou a habilidade da participante causara algum espanto?
          Depois de premiadas as vencedoras do campeonato feminino, várias brincadeiras e distribuições de presentes foram feitas aos jovens filhos dos sócios. Às 20 horas, teve início o baile que adentrou a madrugada, aparentemente encerrado às 4 horas. 
           A notícia encerra de modo a descrever com suave maestria o espírito de cordialidade e de confraternização: “à frente do Club de Atiradores Allemães estiveram hasteados os pavilhões brazileiro e allemão”.
         Como referido acima, o Tiro Alemão se localizava na Lomba, sendo esta maneira de se referir às proximidades da casa de Carlos Ritter (onde hoje se encontra a Faculdade de Medicina). Passou a ser ponto de referência para o pelotense e figura em curioso caso de folhetim policial. 
      Durante o ano de 1920, para o deleite de seus leitores, a Illustração Pelotense publicou um folhetim policial ambientado nesta cidade. Seu título: “O crime da Lomba”. Na narrativa, um cadáver é encontrado nesta região, e a força policial se envolve em um quebra-cabeça nada complicado para encontrar o assassino. Mais interessante as motivações do culpado do que a descoberta deste, mas deixemos de lado as revelações do enredo.


        Não temos o nome do autor, sendo a obra referida sempre como “Novela da Ilustração”. Chama atenção o fato de que o responsável pelo texto centrou sua narrativa na comunidade de descendentes de alemães que vivia em Pelotas, dando, assim, destaque aos locais onde estes frequentavam. A composição do personagem Hundert, peça-chave para a solução do crime, diz respeito à comunidade que se formava na cidade há época: “Ao contrário do que muitos pensam, eu não sou alemão. Nasci na vila de S. Leopoldo e para cá vim, com pai, mãe e irmã pequena com idade de 15 anos.”
          Apesar de o folhetim dar pistas de ser um “romance à chave” no que se refere a autoridades locais, reitera-se que é peça de ficção; o que não se pode dizer dos ocorridos em Pelotas após a declaração de guerra. Voltemos à noite de 30 e madrugada de 31 de outubro de 1917.
           Após depredação das casas comerciais no centro de Pelotas, o agrupamento se reorganizou por volta das duas da manhã, mas o jornalista não precisou o local. Partiram em direção à sede do Tiro Alemão, mais ou menos afastada do centro da cidade.
           Ao deparar-se com a turba, o zelador do local implorou que fosse permitido retirar seus pobres móveis de sua residência, um contrafeito junto à sede. O indivíduo não fora atendido em sua solicitação: teria de resignar-se a ver queimar o pouco que possuía para manter a vida que iminentemente se tornaria mais pobre.
           Das ações da multidão não temos o método. O jornalista se resume a descrever “atearam fogo ao prédio”. Imaginamos assim que nesse caso não ocorrera invasão ou saque – como no caso do jornal Deustche Wacht -, mas que algum comburente fora lançado em direção do Tiro Alemão para auxiliar o trabalho das chamas. Em consequência “tudo quanto nele se continha, inclusive móveis, dois pianos, armas e munições, desapareceu na voragem do fogo”. Espetáculo hediondo acompanhado de sonoplastia: as munições depositadas no local começaram a detonar. Por pelo menos quinze minutos, ouviu-se o estourar das balas, que, ao jornalista e aos presentes, é prova da grande quantidade de munições ali existentes.
           Não há registros de feridos nos incidentes, tampouco de presos. A multidão e conivência garantiram o anonimato dos vândalos. Após o incêndio do Tiro Alemão, o Tiro Brasileiro 31 compareceu ao local; imaginamos que sua presença dispersou a multidão, impedindo assim incêndios em outras propriedades da Lomba, inclusive a de Carlos Ritter.
           Sem mais o que noticiar, o jornalista da matéria “Explosões Patrióticas” encerra seu texto culpando os alemães pelo ocorrido na noite anterior e exaltando os feitos dos brasileiros na noite anterior. Alerta contra represálias, pois aos alemães cabe apenas submeterem-se “do contrário, esperem as consequências. Agora as posições estão definidas. / É dente por dente, olho por olho.”


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Imagens: Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional; CDOV – Bibliotheca Pública Pelotense

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