quarta-feira, 10 de julho de 2019

Primeira Guerra Mundial em Pelotas Parte III – A noite das fogueiras

Primeira Guerra Mundial em Pelotas
Parte III – A noite das fogueiras 


Adão Monquelat
Jonas Tenfen

    

    
    Terminado o longo texto “Explosões patrióticas”, o jornal O Rebate colocou uma pequena nota sobre preterição de matéria, ou seja, era comunicado que devido ao acúmulo de originais e à falta de espaço fora preterido ao próximo número várias notícias, reclames, contestações e a crônica de “football”. A noite de 30 e madrugada de 31 de outubro de 1917 foram particularmente agitadas na cidade de Pelotas, marcadamente pela comoção causada pelo abandono da parte do Estado brasileiro da posição de neutralidade para declarar guerra contra o Império alemão.
    Destaque-se, ainda, o espaço dado à patriótica iniciativa dos estudantes da Academia de Direito de Pelotas: a promoção de uma coleta a fim de levantar fundos para oferecer um aeroplano ao Exército nacional. Para alcançar tal intento, os acadêmicos solicitaram apoio do Esporte Clube Pelotas. Iniciativa esta que “merece o apoio incondicional de todo bom brasileiro e, certamente, se converterá breve em brilhante realidade.”
     Logo após o título “Explosões patrióticas”, o redator apresenta um resumo topicalizado do que será lido: O fogo purificador – Jornal alemão destruído pela segunda vez – O Tiro Alemão também em ruínas – Agitação popular – Movimento das ruas – Vários detalhes. Se não bastasse pelo título em si, a índole de toda a matéria, e representante do espírito da época, se encontra no adjetivo “purificador”. Quem há poucos dias era vizinho, conhecido ou cliente passou a ser inimigo de guerra.  
    A primeira parte da matéria é uma espécie de editorial. Doze parágrafos onde a única frequência é a contradição interna: desejava-se justificar e louvar os acontecimentos, sem, no entanto, endossá-los. Como nenhuma pessoa fora ferida na “noite do fogo purificador”, pareceu ao jornalista cabível de embeber sua caneta na tinta mais patriótica para classificar as depredações como inevitáveis, legítimas e justificáveis. Esta primeira parte é iniciada mencionando “uma calmaria enervante que acolhera a notícia da declaração de guerra”; nervos à flor da pele, nota-se, porque a declaração fora feita quatro dias antes. E é encerrada falando da necessidade de congregação para o extermínio do imenso polvo germânico [repare na letra “l” para não se utilizar assim a palavra “povo”], pois

Quem semeia ventos, colhe tempestades! / Já é tempo do mundo inteiro congregar-se para o extermínio do imenso polvo germânico. / O desaparecimento dessa raça hoje maldita, escorraçada de toda a parte, é presentemente uma necessidade de vida ou de morte para os povos cultos. / Urge eliminar da civilização universal a grande nodoa da barbárie teutônica, vergonha do século que atravessamos!

        Pode-se subdividir o relato dos fatos ocorridos “ontem à noite” em três grupos: incêndio do jornal “Deutsche Wecht”, depredação de casas comerciais, incêndio do Tiro Alemão. Embora o jornal dê o horário dos incêndios, e a partir deles organize uma cronologia, não se pode afirmar que os ataques às casas comerciais tenham todos ocorridos neste intervalo, tampouco que sejam atos da mesma turba. 
         O jornal bissemanário “[Die] Deutsche Wacht” (que pode ser traduzido como “A sentinela alemão”) era de propriedade de Ruddy Schaef e circulava exclusivamente em língua alemã. Nos dias de hoje, costuma ser referência freqüente em pesquisas sobre educação, pois publicava relatórios escolares, em especial do Colégio Alemão. Aparentemente, o jornal já havia sido incendiado, acontecimento do qual não levantamos mais dados. Após a declaração de guerra, o jornalista recebera intimação para cessar a publicação do jornal, depois de alguma negociação, fora decidido por suspensão das impressões até seu retorno em língua portuguesa apenas. Na tarde de 30 de outubro, para espanto dos cidadãos pelotenses, o “Deutsche Wacht” circulou como costumava fazê-lo: apenas em língua alemã.
        Um grupo bastante indignado começou a se reunir em frente dos jornais da rua XV de Novembro. Com o passar da tarde e o acirramento dos ânimos, às 20 horas, essa massa se dirigiu à rua Voluntários, em direção à sede e tipografia do jornal alemão, que ficava no prédio n. 412. Sem muita conversa ou discurso, as portas e janelas foram arrombadas, e o prédio fora invadido. A ação fora sistemática: papel, maquinário, móveis, tudo o quanto possível, fora arremessado à rua e amontoado. Devido à abundância de material comburente, sem esforço as chamas foram acessas, ganharam força e corpo até se tornarem labaredas. Estas “eram vistas à grande distância, através dos telhados” da cidade. Curiosos começaram a se juntarem à massa dos incendiários, criando reunião de pessoas que, pelas contas do jornalista, “quase atingiam a mais de mil”.
         Convocadas pelas chamas também foram as autoridades. Com o intuito de dispersar a turba, demandou-se a Alberto Gigante que se dirigisse às pessoas. Em uma das janelas da residência de Ottoni Xavier, também à rua Voluntários e não distante do local do ocorrido, o acadêmico de direito realizou discurso veemente e patriótico, proferido em nome do sr. coronel delegado de polícia e do subintendente municipal. Depois de conquistada a simpatia da multidão, pediu que se dispersassem em paz, no que fora atendido, não sem antes finalizar com um “viva ao Brasil!”
        Os bombeiros compareceram ao local e executaram trabalho para refrescar as paredes dos prédios próximos com objetivo de evitar mais incêndios. A família Schaef não sofrera nenhum dano físico e fora hospedada na casa do major reformado Pedro Lourival, residente à rua Voluntários, esquina Marechal Deodoro. Se olhasse para trás, a família veria no meio da rua um amontado de cinzas fumegantes e de materiais irreconhecíveis a serem limpos no dia seguinte pelas carroças de limpeza da cidade.


          Às 22 horas, toda a multidão se dispersara pela cidade. Gritos de repúdio aos teutos e de vivas ao Brasil eram ouvidos. Pela primeira fogueira ou pelos gritos, os ânimos exaltados, uma leva de depredação de casas comerciais de alemães ou de brasileiros germanófilos teve início. Além de depredações de pequena monta, a maior parte destes ataques foi à base de tinta: seja para reescrever dizeres de placas em alemão, seja para sinalizar com dizeres vários os inimigos da pátria. Não esgotando a matéria, o jornal lista algumas das casas comerciais e estabelecimentos vários: major Pedro Lourival, ferragem do sr. João Teixeira de Souza, sociedade Concórdia, Walter Rhein, Livraria Krahe, Viuva Behrensdorf & Cia, joalheria Hirs & Gros, depósito Bromberg & Cia.

continua...

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Fonte de pesquisa: CDOV – Bibliotheca Pública Pelotense
Imagens: acervo Família O'Sheridan von Platen-Hallermund; Pexels (free stock)

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