segunda-feira, 5 de junho de 2017

Constantina, a mandingueira (parte 1)

        



         O jornal O Dia, em sua blitz contra os feiticeiros, bruxos, mandingueiros e outros, foi ter à casa da conhecida mandingueira Constantina, uma parda de estatura baixa, gorda e aparentando ter uns 50 anos de idade.
         Residia ela à Rua Manduca Rodrigues [atual Professor Araújo] nº719, com relativo conforto, o que, para o jornalista, provava à evidência, de que o negócio era rendoso e seguro.
         Esperava o jornalista que, com a campanha saneadora que o jornal vinha desenvolvendo conseguisse, pelo menos, a diminuição do número de infelizes, vítimas da superstição religiosa, filha da ignorância, e causa única dos males que podiam advir de práticas tão condenáveis e espertalhonas.
         Constantina, dizia o repórter, não só vivia com certo conforto como sabia tratar maneirosamente a sua vasta clientela.
         Na sala de recepção, não havia nada de anormal, toda risonha, amável, antegozando os proventos que o cliente estava lhe prometendo.
         Havia, pela sala, uns quadros com retratos de pessoas que, certamente lhe eram caras, estampas, imagens sagradas, etc.
         No vão da janela, uma mesinha. Este móvel foi citado pelo repórter, porque ele iria ser parte importante na farsa que a Constantina protagonizaria com desembaraço profissional.
         Depois que o introduziu na sala, Constantina mandou que se retirassem para o interior da casa, as pessoas que ali se achavam que eram umas mulheres amigas, comadres, ou clientes.
         - Estou às suas ordens, nhonhô – falou Constantina.
         Ao que o jornalista respondeu:
         - Um nosso camarada informou que a senhora faz bruxedos.
         - Quem é o seu camarada, nhonhô.
         - É um companheiro de trabalho. Chama-se Evaristo...
         - Um! Um! Evaristo... Não conheço... – disse Constantina.
         - É. O Evaristo tem um primo que já aqui esteve curando-se com a senhora. Foi o primo do Evaristo...
         - Está bem. Está bem...
         A desconfiança de Constantina foi passageira e não poderia resistir por muito tempo à habilidade com que o jornalista dizia ter se apresentado na casa da mandingueira.
         Olhou-a por um instante e leu ele nos olhos de Constantina um misto de tranquilidade e cobiça.
         Disse-lhe ela então:
         - Que é que quer comigo?
         Principiaram:
         - Estávamos apaixonadíssimos por uma moça...
         A interlocutora dava-lhe a maior atenção:
         - É de família?
         - É, mas... A senhora compreende. A moça é linda e não podemos casar...
         - Isto se arranja – disse Constantina, com uma alegria imensa espalhada pela fisionomia.
         - Então se arranja?
         - Facilmente. Quer ver?
         Levantou-se e foi direto à mesa antes referida. Muniu-se de um baralho e deitou as cartas, tendo antes pedido, depois de baralhá-las, que ele as cortasse 3 por 3 vezes em cruz.
         Com as cartas estendidas na mesa, Constantina as foi recolhendo, ao passo que lhe ia dizendo um monte de fantasias:
         - A menina gosta de você.
         - Gosta?
         - Olé, se gosta! Mas, a família a cuida muito, não é verdade?
         - É exato.
         -Vejo dificuldades... perigos... ela resiste.
         Agora, pensava o repórter, começariam os tropeços... É que a mandingueira preparava terreno para fazer valer o seu trabalho.
         Muniu-se ela de alecrim verde e benzeu-o com largos gestos cruciformes, para que o “corpo do e a alma do cliente” alcançassem êxito em todas as canalhices que ela o supunha capaz, invocando para tal o nome de diversos varões ilustres da igreja.
         Para que a imaginária moça viesse a ceder, ela daria uma droga, um remédio, que disse ela ser de grande eficácia, citando vários casos que lhe atestariam a veracidade do sucesso obtido.
         Cobrou-lhe a “estafante consulta”, o que era de justiça, e prometeu-lhe preparar uma beberagem para o dia seguinte.
         No dia combinado, uma sexta-feira, dia preferido pelos mandingueiros para os seus bruxedos, a sacerdotisa dos manipansos e da arruda mesmo o recebeu, conduzindo-o a um quarto, que era dormitório e templo ao mesmo tempo, pois havia ali uma cama francesa, de casal, dois sofás e, a um canto, um altar, ornado de cortinas de gaze.
         Havia nesse altar umas quantas imagens que, para o jornalista, eram completamente novas e, talvez, ainda não classificadas na galeria dos santos.
         Duas velas esbatiam a sua luz amarela e oscilante, nas figuras dos santos que, dentro do altar, pareciam dançar estranhamente.
         No rebordo do altar, havia algumas ervas.
         A Constantina, com a intenção de fazê-lo ainda mais crédulo, contou-lhe que um Sr., estabelecido na praça, vivia maritalmente com uma mulher, residindo com esta no próprio estabelecimento. A amásia, porém...

                                                                                              Continua...

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Fonte de pesquisa: Bibliotheca Pública de Pelotas/CDOV
 Revisão do texto: Jonas Tenfen
Postagem: Bruna Detoni

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