segunda-feira, 19 de junho de 2017

Raízes da Violência



         Não é fora de propósito afirmar que as raízes da violência na cidade de Pelotas têm sua origem nas charqueadas, ou, por extensão, no ciclo econômico que o charque iniciou e que acarretou na continuidade dessa violência.
         As vítimas da violência praticada, tanto no recinto das charqueadas quanto fora delas, em Pelotas, por causa do longo período de existência dessas, representaram um número bastante expressivo, tanto no mundo rural quanto no urbano.
         Acreditamos que essa onda de violências e barbárie, que ainda hoje se reflete em Pelotas, seja consequência do choque de diversas culturas e grupos étnicos que aqui se estabeleceram no passado. Afora homens do mar, tanto estrangeiros quanto de nacionalidades luso, luso-brasileira ou apenas brasileira que por aqui aportaram.
         Há em toda a linha do tempo da imprensa da cidade, ou mesmo antes do advento desta no ano de 1851, bastando para demonstrar isso uma leitura nos jornais anteriores a esta data, em especial os da cidade de Rio Grande, as mais diversas violências, castigos, crimes de toda espécie em especial contra escravos, crianças, mulheres, habitantes ou não de Pelotas.


         Em certo período, como se já não bastassem os diversos tipos de armas existentes e usadas no cotidiano da cidade, os imigrantes portugueses pobres acrescentaram a essas a navalha. Arma esta bastante usada tanto por homens quanto mulheres, em especial na zona urbana, destacando-se o baixo mundo.
      No entanto, sem dúvida alguma, é no ambiente e território das charqueadas pelotenses onde vamos encontrar a maior incidência de casos, por isso, não nos surpreendeu quando:
         Em meados de agosto de 1908, na charqueada dos Srs. Tavares & Moreira, à margem do canal São Gonçalo, foi bárbara e cruelmente assassinada a facadas a mulher Quintina de tal, branca, de 22 anos de idade, natural deste estado, e que trajava no momento do crime um vestido de chita.
         O assassino chamava-se Antônio Jorge, conhecido por Antônio Larroti, indiático, empregado daquela charqueada.
         Num casebre do estabelecimento viviam eles, há cerca de três anos, amasiados e em perfeita harmonia.
         Também morava em companhia do casal o pequeno Orestes, de 7 anos, filho de Antônio Jorge, de anterior relação.
         Dois dias antes do crime, pela madrugada, Antônio saiu nu, pela estrada em direção à cidade, onde foi logo preso e levado para o xadrez do 1º posto, após ter quebrado os vidros das janelas de várias casas.
         Posto em liberdade, a pedido dos seus patrões, voltou para sua casa, e ali declarou nada saber sobre o que havia ocorrido.
         Agarrando uma grande faca, retirou-se Jorge para a rua, dizendo que ia afiar aquela arma, a fim de terminar com a vida de sua companheira Quintina, promessa que minutos depois cumpriu.
         Amedrontada e espavorida, a malograda Quintina fugiu, pedindo socorro, mas em vão...
         O seu algoz conseguiu agarrá-la e dar-lhe mais de trinta facadas, matando-a imediatamente.
         O rosto da vítima ficou todo retalhado.
         Em vista do ocorrido, o pequeno Orestes foi até a charqueada e deu parte do ocorrido.
         Ao local da tragédia, compareceram o Sr. João da Silva Tavares, que, armando vários empregados, conseguiu prender o assassino, que procurava ferir aquelas pessoas.
         O criminoso estava muito agitado e parecia estar sofrendo das faculdades mentais.
         Tendo sido comunicada, a polícia deu providências, conduzindo Antônio Jorge, em carro correcional, para o xadrez do 3º posto.
         Depois, foi o cadáver de Quintina transportado para o necrotério.
         No 3º posto policial, onde estava preso, o assassino não dizia coisa com coisa...
         O tenente-coronel Cristóvão dos Santos, delegado judiciário, procedeu às diligências necessárias.
         Antônio Jorge, que se dizia viúvo, raptara há três anos a desgraçada Quintina, com quem vivia amasiado e prometera casar-se.
         Pelo Dr. Arnaldo Menezes, médico municipal, foi feito o auto de corpo de delito, constatando mais de quinze ferimentos na cabeça; a mão direita ficou quase decepada; na nuca havia dois profundos ferimentos; as orelhas e o nariz ficaram retalhados; nas costas e tórax, outras facadas.
         O assassino foi logo metido em camisa de força.
         Apresentava Jorge um ferimento na testa, feito quando fora preso e subjugado pelos empregados dos Srs. Tavares & Moreira.
         No dia seguinte ao da tragédia, o criminoso, já sem camisa de força, mantinha-se calmo no xadrez do 3º posto.
         Durante as investigações, soube a imprensa que a vítima era parenta de Nicola Vitola, morador entre os passos de Santa Isabel e Criminoso, no município de São Lourenço.
         Foi ouvido, pela autoridade policial, o menor Orestes, filho de Antônio, que continuava em observação.


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Fonte de pesquisa: Bibliotheca Pública de Pelotas/CDOV
 Revisão do texto: Jonas Tenfen

Postagem: Raquel Balbinoti 

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