segunda-feira, 17 de abril de 2017


Eusébios: três feiticeiros da pequena África pelotense (parte 8 e final)

                                                                                                          A.F. Monquelat

 

         Eusébio exigia, também, que o comerciante levasse uma camisa e um par de ceroulas da “vítima”, peças de roupa que o bruxo benzia e incensava, dizendo:

         - Oies, boboniche, maruá noéi! Santa Bárbara, São Jerônimo, Santo Ogun!

         A par disto tudo, o Eusébio fornecia, quase diariamente, as suas infusões inofensivas, que eram bebidas pelo rapaz inconscientemente, pois o efeito da beberagem e das benzeduras e dos boboniches estava assentado na ignorância completa em que o paciente se deve achar em tratamento.

         O certo foi que, ao final de algum tempo, o rapaz foi revelando perturbação das faculdades mentais, e tão acentuadamente que, em certa ocasião, acometido de furioso acesso de loucura, foi metido em uma camisa de força e levado para o 3º posto policial.

         Coincidiu, também, que cessando as práticas do Eusébio e os seus chás caseiros, inofensivos e caridosos, começou ele a melhorar e, dias depois saía do 3º posto, restabelecido.

         Era impossível, nessa altura, atribuir ao remédio do charlatão aquele violento efeito, principalmente depois que o caso passara; mas, o que não se podia negar, era que as virtudes do feitiço foram inócuas, pois o rapaz encheu o estômago com as infusões do charlatão, as suas roupas foram benzidas, acenderam-se inúmeras velas, as agulhas tiveram então grande consumo...e o rapaz continuava inteiramente envolvido com “ a decaída e que ele elevou à altura do seu afeto”.

         Servisse aquilo lição aos incautos, e ficasse ciente a autoridade de mais essa patifaria.

         E concluía o repórter dizendo que parecia incrível que se tolerasse numa cidade culta como a nossa práticas tão infames.
 

O resultado da análise da beberagem do Eusébio

         “Escola de Agronomia e Veterinária. Laboratório de Química. Nº1806 Rs. 25.000

         Recebi do jornal O Dia um líquido amarelo-sujo, de cheiro particular, para analisar.

         Analisado resultou: Volume recebido 640 cc

         Reações positivas de açúcar comum, de canela, havendo traços de alcaloides e muita clorofila, numa decocção de plantas, talvez indígenas.

         Filtrado, o líquido deixou um resíduo que, examinado a microscópio só revelou a presença de células e fibras vegetais não amiudadas.

         A pesquisa dos ácidos oxálico e cianídrico e dos minerais em geral, deu resultado negativo.

         Parecendo não haver mais interesse em continuar a análise, porque não apresenta substâncias nocivas à saúde, envio este resultado, aguardando vossas ordens. Manoel Luiz Osório/ Diretor e Luiz G. Gomes de Freitas, chefe do Laboratório”.
 

A morte e alguns traços biográficos de Eusébio

        
       No dia 6 de junho de 1928, era noticiado pelo jornal O Libertador que sepultara-se naquele dia um dos tipos populares de Pelotas: Eusébio de Queiroz Coutinho Barcellos.

         Não havia pelotense que não o conhecesse. Escravo, depois carpinteiro, o preto Eusébio foi-se tornando célebre, aos poucos por “virtudes de quiromancia” e outras, até que se fez médico licenciado, “à sombra da impagável lei da liberdade profissional”.

         A sua fama transpôs os umbrais da gente elegante. Curava com passes, ervas benzeduras e orações – o que levou ao seu consultório muita “gente de penacho”.

         Curava e dava bailes alegres, frequentados pela “elite” das caboclas e pretinhas e por delegados errantes da jeunesse dorée [jovens ricos e privilegiados].

         Aí, como professor de baile, prestou inolvidáveis serviços e foi precursor de bailarinos que batiam os recordes das danças, em dezenas de horas a fio [maratonas], “por esse mundo a fora”.

         Por tudo isso, segundo o jornalista, deveria ter deixado fortuna, feita à custa da destreza das pernas e da “medicina de charlatanismo”.

         Eusébio adquiriu tal fama, que o “eminente” professor Fernando de Magalhães [médico obstetra, professor da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e orador brasileiro], quando em Pelotas esteve, outubro de 1926, foi visitar, por curiosidade, o popular médico licenciado.

         Morreu Eusébio aos 80 anos de idade.

         Acreditamos que Eusébio de Queiroz Coutinho Barcellos tenha sido um dos raros casos de ascensão de um ex-escravo no Brasil republicano. 

                                                                                                                                                     

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Fonte de pesquisa: Bibliotheca Pública de Pelotas/CDOV

 Revisão do texto e postagem: Jonas Tenfen

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