segunda-feira, 10 de abril de 2017

Eusébios: três feiticeiros da pequena África pelotense

(parte 7)







         Havia, na vida do jornalista, uma séria questão de mulheres, que o perseguiam tenazmente.
         Disse-lhe Eusébio que há tempos ele havia tomado, ministrado por uma das mulheres, cuja visão ele descortinou entre as contas cabalísticas e os níqueis [moedas]...
         Precisava, então, benzê-lo para descobrir o nome da tal mulher que tinha o poder de fazer com que o tinhoso fosse à noite pregar-lhe alfinetes às ilhargas e agulhas no fígado...
         Teve o jornalista que passar para o Eusébio mais 2$000, pois aquilo, disse-lhe, estava fora do valor de 10$000.
         De posse do dinheiro, o Eusébio muniu-se de um turibulo de barro, levou-o para o interior da casa, e não tardou que voltasse o recipiente cheio de brasas.
         Polvilhou incenso nas brasas, colocou o turibulo defronte do altar, no chão, e obrigou o repórter a passar, em cruz, sobre esse aparelho da “bruxaria”.
         Lançou mão de uma almofada, colocou-a a pouca distância do turibulo, um tanto afastada do altar, e o mandou ajoelhar.
         O repórter obedeceu.
         Em voz alta, rezou o Padre Nosso acompanhado pelo jornalista.
         Rezado o Padre Nosso, em alta voz, numa prece cheia de fé e sinceridade, pediu a vários santos da Corte Celeste, que tirassem do cliente o mal do corpo e da alma.
         Depois, borrifou o rosto do jornalista com um pouco de água, dizendo que aquilo era contra o olho grosso.
         Foi até a mesa, espalhou níquel a níquel os 2$000 que ali se achavam com as contas e colocou a referida quantia sobre o altar.
         Pediu ao repórter, então, que desse um nome de mulher que acaso ele desconfiasse que estivesse tecendo alguma com o demo.
         Murmurou ele um nome qualquer.
         O Eusébio perdeu a compostura sacerdotal e ensaiou um brusco estremecimento como se tivesse sido tocado pelo rabo do tinhoso, fortemente eletrificado.
         De posse do nome que jornalista havia fornecido, levou Eusébio uma brasa ao copo de água, dizendo que, se o carvão fosse ao fundo, não mais seria perseguido pela mulher, cujo nome ela havia dado.
         Mandou que o cliente dissesse outro nome. Assim o fez.
         A brasa que ele lançara à água, como a primeira, jogou o carvão ao fundo do copo.
         Ainda esta, não o perseguiria mais – disse-lhe Eusébio.
         Um terceiro nome. Foi dado. A brasa era pequena e estava quase em cinza. Posta na água, flutuou fenômeno que é bastante conhecido para os que tenham pequeno conhecimento sobre pesos específicos.
         Era esta a mulher fatal que o perseguia com o olho grosso.
         Mandou Eusébio que ele bebesse três goles de água. O que foi feito.
         Depois, ordenou que o jornalista fosse, de costas, jogar a água do copo à rua. Sujeitou-se ele, ainda, “a mais esta patifaria”.
         Dizendo-se enviado de Deus, Eusébio deu-lhe uns passes com as mãos abertas em garra e terminava assim a consulta, que o feiticeiro muito ingenuamente oferecia ao público.
         Dizendo-lhe, ao final, que voltasse mais duas vezes, inclusive na sexta-feira, levando na primeira 10$000 e na segunda 20$000.
         Terminava ali a atuação do feiticeiro. Surgindo a seguir o Eusébio charlatão empunhando uma garrafa de litro, com um líquido de cheiro desagradável e que, logo em seguida que dali saiu o jornalista a levou para o Dr. Luiz Gomes de Freitas, químico do laboratório do Lyceu da Agronomia, para análise.
         Prescreveu Eusébio três colheres, das de sopa, pela manhã, ao meio-dia e à noite. Sendo que, cinco minutos antes ele deveria tomar umas colheradas de azeite de oliva, morno.
         Pagou ele os 10$000 pelo feitiço. Não havendo argumento que demovesse o Eusébio de cobrar menos, pela suspeita beberagem.
         Dias depois, enquanto o jornal aguardava o resultado da análise da beberagem fornecida por Eusébio, foi o jornalista procurado por um comerciante da praça de Pelotas, que estava disposto a contar-lhe mais uma do Eusébio, dispondo-se, se necessário a  ser acareado junto ao feiticeiro. O fato a ser narrado passara-se da seguinte forma:
         Um rapaz, irmão de um comerciante da praça de Pelotas, “por falta de experiência de vida” ligou-se a uma decaída e, com ela, passou a viver maritalmente.
         O fato desgostou, e muito, a mãe do jovem que via naquela ligação a ruína do filho, queixando-se ela, diariamente, a todas as pessoas com quem conversava.
         Das queixas resultou que a convencessem de que o Eusébio seria capaz de, com seus bruxedos e mandinga, desfazer aquela doce relação.
         E tão persuadida ficou a “pobre mãe”, que começou a pedir, insistentemente e depois implorar ao filho mais velho, que ele fosse a qualquer custo entender-se com o Eusébio, a fim de que este interrompesse aquela relação.
         E assim, atendendo ao pedido de sua mãe, foi este ter com o Eusébio que, por sua vez tratou de fazer com que aquela consulta rendesse por dois meses, tratando de, diariamente, a vítima tivesse que levar-lhe 2$000 para os santos e, $5, $8 e $10 para as garrafas do chá caseiro que ele, homem caritativo, fornecia religiosamente às vítimas que lhe caíam nas garras.
         Sujeitou-se o comerciante às práticas ritualísticas, já conhecidas pelo jornalista, e, como o caso era outro, teve de assistir e submeter-se a outros atos do farsante.
         O paciente acendia três velas, de pavio voltado para baixo, espetando uma agulha em cada uma e em cruz. No momento em que dizia, por ordem do sacerdote:
         - Como espeto esta agulha nesta vela, espeto-a também no coração de Fulana!
         Em seguida a esta operação, que se repetia diariamente por largo tempo, a vítima era também forçada a rezar o Creio em Deus Padre de trás para frente.
          
                                              
                                                                                     Continua...
                                                                                                                                                     
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Fonte de pesquisa: Bibliotheca Pública de Pelotas/CDOV
 Revisão do texto: Jonas Tenfen

Postagem: Bruna Detoni

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