segunda-feira, 18 de julho de 2016



Se Pelotas não criou o charque, o charque e a escravidão inventaram Pelotas (parte 3)



                                                                                                          A.F. Monquelat 

O espaço territorial denominado Pelotas, é bem provável que tenha origem entre os anos de 1780/81. E não por causa de José Pinto Martins e sua charqueada; pois, quanto a este, aqui não esteve. Mas sim, por ser 1781, o ano em que o governador Sebastião Xavier da Veiga Cabral da Câmara assentou os alicerces para o surgimento da futura cidade.
Mercado de Carnes - Jean-Baptiste Debret

A historiografia pelotense, através de pesquisadores, historiadores e cronistas da história, por ignorar os fatos e desconhecer documentos sobre este assunto, segue atribuindo a José Pinto Martins um pioneirismo que a este não coube. Pelotas, nos seus primórdios, já dissemos anteriormente e voltamos a repetir, é consequência do agropastoreio; e não de uma atividade menor, como era o ato de charquear. E nesta afirmação, incluímos também o processo de povoamento do espaço territorial, que deu origem à urbe.

Na tentativa de melhor contextualizar esta afirmação, reproduzimos aqui parte das correspondências do governador José Marcelino de Figueiredo enviadas ao Vice-rei, D. Luís de Vasconcelos e Souza, entre os meses de setembro e outubro do ano de 1779. Na carta de 12 de setembro “pedia o governador José Marcelino de Figueiredo ao Vice-rei que este mandasse, a pedido dos moradores da Vila do Rio Grande, formar uma nova Freguesia nos Campos da parte do Forte de São Gonçalo”. Em de 15 de outubro de 1779, aparece o seguinte teor: “[...] tendo chegado à Vila do Rio Grande muitos Casais oriundos da Praça da Colônia [do Sacramento], e ultimamente chegaram mais quarenta famílias, todas pobres e de arrasto; [e] pedem farinha e carne para comer, e eu não tenho nem para a Tropa, caso V. Excelência não a mandar ou dinheiro para compra como já tenho pedido.

Já propus a V. Exª. (e aquele numeroso povo requer) seria muito útil formar com aquela gente uma povoação, ou vila nos Campos chamados das Pelotas [grifos nossos], ou em suas imediações na forma das Ordens de S. Majestade. E é muito e muito útil, senão tanto povo perecerá, porque todo [ele] se tem juntado na Vila de São Pedro [do Rio Grande] onde se conservam sem arrumação, e sem ter [o] que comer, nem modo de viver e ainda será mais útil e necessário se forem outras Freguesias, para aumento espiritual e temporal destes Colonos, [...]” (MONQUELAT e MARCOLLA, 2010d, p. 53-54).

Poucos meses depois, Sebastião Francisco Bettamio datava no Rio de Janeiro, aos 19 dias do mês de janeiro de 1780, sua “Notícia particular do Continente do Rio Grande do Sul – Segundo o que vi no mesmo Continente, e notícias que nele alcancei, com as notas que me parece necessário para aumento do mesmo Continente e utilidade da Real Fazenda. [...]”.

Esta Notícia, uma espécie de Relatório, tinha o objetivo de levar ao conhecimento do Vice-rei, de quem partira a ordem, o que Bettamio vira, ouvira e sugeria quanto às providências que no Continente deveriam ser tomadas.

Ao tecer comentários sobre várias freguesias, dentre elas a Vila do Rio Grande e seus limites, nos informa Bettamio que: “Têm também fregueses da parte de fora do Sangradouro de Merim, onde chamam os Campos das Pelotas, e Arroio das Pedras”. Logo após, há uma Nota de Bettamio, na qual nos diz que “Todas as freguesias nomeadas ocupam grandes extensões de terrenos, mas a maior parte são estâncias de criações de gados”.

Diante de algumas hipóteses aventadas por Bettamio, quanto a mudar a Vila do Rio Grande para outro local, está a de que “Sendo a mudança para o campo chamado das Pelotas, onde o terreno é melhor, e tem pedra, há os descontos de ficar distante da barra mais de dez léguas; e não se poder fortificar, ou guardar pela parte do campo sem uma numerosa guarnição [...]”.

Quanto aos “campos chamados S. Gonçalo, das Pelotas ou do Serro Pelado” nos diz Bettamio, que estes “pertencem à Coroa de Portugal, segundo o Tratado de Paz, mas como não está demarcada a linha de limites, parece não ser justo ocuparem-se aquelas campanhas, nem repartirem-se a moradores sem estar concluída a linha divisória; e o tenho visto praticar pelo contrário, porque não só se tem repartido, mas até se tem vendido de um particular a outro a posse por um título que não é, nem podia ser, e tal e qual foi adquirido ainda antes da invasão que os Castelhanos fizeram no Rio Grande, em cujo tempo não pertencia à Coroa de Portugal aquele terreno. Todos dão uma boa informação dele para criações de gado, por ser de excelentes pastos, e a ideia é fazer ali povoação, e puxar para lá os moradores”. Acrescenta logo a seguir: “Confesso que não sei qual seja a política de separar os povos em distâncias tão avultadas, expondo-os aos maiores incômodos e riscos. Meu intento não é que se não utilize aquelas terras, mas antes pelo contrário digo que é justo se empreguem em criações de gados, logo que pela linha divisória ficarem nesses termos, não podendo os atuais possuidores alegar direito à posse em que estão por serem intrusos e não poderem mostrar título legal, que lhes autorize o domínio dos ditos terrenos que intrusamente ocupam. Sou sim de parecer que, sendo lá as fazendas de gados, sejam as vivendas de seus donos dentro do recinto da Vila, como já fica declarado”.

Fizemos questão de mostrar as ponderações feitas pelo governador José Marcelino de Figueiredo, bem como as explanações e sugestões de Sebastião Francisco Bettamio ao Vice-rei D. Luiz de Vasconcelos e Souza, no intuito de mostrar que nossa afirmação quanto ao processo inicial de ocupação dos campos denominados “das Pelotas” não foi obra fortuita ou tão pouco de um único empreendimento: a charqueada de José Pinto Martins.

Dissemos, anteriormente, que os alicerces para o surgimento da cidade de Pelotas foram assentados pelo governador Sebastião Xavier da Veiga Cabral da Câmara, e para que isso fique mais visível ao leitor, tomaremos alguns dados da petição do charqueador Antônio José de Oliveira Castro contra Antônia Margarida Teixeira de Araújo, que ajudarão a compreender a atitude do Governador quanto à Sesmaria do Monte Bonito. 

                                                                                   Continua...

Um comentário:

  1. Muito bom e esclarecedor.... embora tenha pouco conhecimento, gosto muito de artigos que retratam fatos e fatores históricos....

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