quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Pelotas dos Excluídos (Vol.2) Parte 2
                                                                           A.F. Monquelat


1889

 A varíola hospeda-se em um cortiço da cidade
   O Sr. Dr. Vicente Cypriano da Maia, médico nomeado pelo partido, dirigiu à Câmara municipal de Pelotas o seguinte ofício: “Em resposta ao ofício de V. Sªs. datado de 19 de fevereiro de 1889, cumpre-me informar à ilustríssima municipalidade, que não grassa epidemicamente a varíola nesta cidade.
   Cumprindo o que me foi determinado no mesmo ofício, dirigi-me imediatamente à Praça da Constituição [atual Cipriano Barcelos], a fim de verificar quais e quantos doentes existem ali, atacados do vírus varioloso.
    Ainda desta vez, como se evidencia, a origem do flagelo nos foi importada.
   José Gonçalves, português, recentemente aqui chegado, foi hospedar-se em casa de José Fernandes, num cortiço situado à Praça da Constituição.
   Três dias após sua chegada, José Gonçalves foi atacado da varíola, a qual seguiu a marcha regular, restabelecendo-se o enfermo completamente, sob os cuidados médicos do ilustrado clínico Sr. Dr. Alves Requião.
   Alguns dias depois, dois filhos de seu hóspede foram atacados do mesmo mal, José de 4 anos de idade, que restabeleceu-se, e Conceição de 2 anos, que faleceu.
   O tratamento das duas crianças foi dirigido pelo mesmo facultativo.
   No mesmo cortiço, outro indivíduo contraiu o mal; é este o menino Arnaldo de 7 anos de idade, filho de Ramão Lopes da Silva, o qual está sendo medicado pelo ilustrado facultativo Dr. Francisco de P. Amarante, assegurando-me este colega que o pai do seu doentinho também tivera a varíola descrita.
    O menino Arnaldo acha-se em boas condições de curabilidade.
   No hospital da Beneficência Portuguesa, também existe um doente com a mesma afecção, segundo as informações ministradas pelos ilustrados Srs. Drs. barão dos Santos Abreu e Joaquim Rasgado.
   Na clínica domiciliária não existe mais doente algum afetado da referida como se dignaram de atestar os [...].
   As medidas sanitárias a propor à ilustre municipalidade, para impedir a propagação do mal, devem consistir principalmente no isolamento daquele cortiço, onde começou a mesma moléstia, e na desinfecção do mesmo pelos meios antissépticos, medidas estas que desde ontem já foram postas em prática, segundo as instruções do ilustre presidente desta municipalidade, mandando colocar uma guarda na entrada do cortiço onde só permanecerá o bexiguento e os pais que lhes servem de enfermeiros.
   Arbitraram-se em 40$ as despesas a fazerem-se com o tratamento do doentinho, para medicamentos, dieta e serviços de enfermeiro, visto tratar-se uma família extremamente pobre.
   Resta-me agora tratar da vacina.
   Foi mal informado o ilustre redator do Diário de Pelotas, pois apesar da rebeldia dos pais em apresentarem seus filhos ao vacinador, para serem vacinados e revacinados, não me tenho descuidado em inocular num maior número de indivíduos possível, o poderoso antídoto, estando sempre à disposição da população nos domingos numa das salas do edifício municipal e nos dias úteis em meu consultório.
    Aí estão os mapas apresentados à municipalidade que provam exuberantemente o que afirmo.
   Não há muitos dias que forneci ao distinto vereador Dr. Gervásio Alves Pereira excelente linfa vacínica, da que tenho em meu poder, assegurando-me o ilustre médico ter ela produzido ótimo resultado em crianças de sua clínica.
   Ultimamente tenho experimentado a vacina cultivada no Rio de Janeiro pelo Dr. Pedro Afonso Franco e, infelizmente, das três remessas vindas por intermédio da casa do Sr. Eduardo Sequeira nenhuma me deu resultado satisfatório.
   Novo pedido fizemos para a Europa e Rio de Janeiro a fim de podermos ter sempre linfa nova.
   É quanto me cabe informar à ilustríssima câmara municipal. [...]”.
   Daí o Sr. delegado de polícia acompanhado de escrivão e o alferes da seção policial terem se dirigido dia 24 de fevereiro ao Capão do Leão a revistarem os cortiços lá existentes “repletos de vagabundos”.
   Segundo o jornalista do jornal A Pátria, o serviço foi tão bem feito, que em menos de duas horas os cantadores de violão dispersaram-se em procura de emprego, e outros foram presos e recolhidos à cadeia civil.
  Ao que parece, os moradores daquele lugar, em agradecimento, felicitaram as autoridades pela limpeza.

E a limpeza continuou
   O Sr. delegado e subdelegados percorreram dia 26 de fevereiro alguns cortiços da cidade no “louvável” intuito de compelirem os vagabundos a tomar “ocupação honesta”.
   Naquele “benéfico propósito as dignas” autoridades se fizeram acompanhar pelos alferes e praças da seção policial.

Caso necessário, abaixo os cortiços
   A câmara municipal de Pelotas em 6ª e última sessão realizada em março de 1889, sob a presidência do Sr. Dr. Artur Maciel e presentes os Srs. vereadores Dr. Antônio Soares Dias Viana, Marins, Lúcio Lopes e Dr. Assumpção, iniciou seus trabalhos com a leitura e aprovação da ata da sessão anterior, na qual o Sr. presidente  dava conta das providências que tomara para a alimentação dos imigrantes, e sobre a higiene da cidade, pedindo a aprovação dos atos que praticou.
   O Sr. Dr. Assumpção, louvando as providências do Sr. presidente, aprovando-as propôs que a câmara pedisse o auxílio da polícia para proibir que os imigrantes andassem pelas ruas da cidade esmolando a caridade pública, quando tudo lhes era fornecido com a “maior generosidade”.
   O Sr. presidente fez considerações, demonstrando que a polícia nada podia fazer a esse respeito, e que o corretivo estava na população não estimular a vadiagem dando esmolas a quem delas não necessitava. O que foi aprovado, assim como louvadas, foram as providências tomadas pelo Sr. presidente.
   Presente o médico de partido e delegado da higiene, Sr. Dr. Maia, o Sr. presidente declarou que se tornava necessário providências higiênicas para que não se propagasse a febre amarela, introduzida na província pela imigração ultimamente vinda do Rio de Janeiro.
   O Sr. Dr. Maia declarou que o que mais necessitava a cidade de Pelotas para a sua salubridade eram os esgotos. Declarou também que os cortiços eram também um foco de infecção, que cumpria fazer desaparecer demolindo aqueles que não possuíssem as condições higiênicas.
   A câmara, depois das considerações de vários Srs. vereadores, autorizou ao Sr. delegado da higiene pública a fazer a sua custa as despesas necessárias para a demolição ou despejo dos cortiços que ele julgasse conveniente, e de outras medidas em relação à saúde pública.
   Foi também nomeada uma comissão composta pelos Srs. Lúcio Lopes, Marins e Assumpção para, tendo às suas ordens o fiscal geral, fazer visitas sanitárias e auxiliar o delegado da higiene pública.

                                                                                              Continua...

Fonte de pesquisa: Bibliotheca Pública Pelotense-CDOV
Revisão do texto & Postagem: Jonas Tenfen

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