segunda-feira, 3 de julho de 2017

Osório, o profeta (parte 2)

A.F. Monquelat

     
Examinaram tudo em silêncio, que foi interrompido por um dos jornalistas, quando perguntou ao Osório qual era a sua profissão, tendo como resposta, simplesmente, a seguinte frase: “A que está vendo”.
Estava, deste modo, confirmada a suspeita de que Osório praticava a feitiçaria.
Diante de tudo aquilo resolveu o Sr. delegado efetuar a prisão do “repugnante indivíduo”, ficando o templo sob as vistas da polícia.
Na delegacia, disse Osório que vivia de rendimento, pois possuía muitas propriedades e uma chácara na Guabiroba. Esta lhe produzia verduras, que eram vendidas em cestos na cidade.
Depois desta declaração do Osório, um dos jornalistas exclamou: “Valiosas verduras as que produzem a chácara do Osório! Verdadeiramente é poderoso o mandingueiro”!
Ficou sabendo a reportagem que Osório há mais de 20 anos exercia semelhante profissão, com a diferença que, em outros tempos residia em uma casa de portão, de aspecto miserável. Positivamente, muito rendosa era a profissão que escolhera para abraçar o “encantado” homem, que há tantos anos explorava a credulidade pública sem ser, entretanto, molestado por quem quer que fosse, dizia o jornalista.
Assim, na manhã do dia seguinte, o Sr. capitão subdelegado de polícia, com seus auxiliares e mais  o “poderoso” Osório, que se achava recolhido à delegacia, o fotógrafo  Robles e representantes da imprensa, rumaram para a residência do Osório, a fim de, naquele local, ultimar a diligência.
Primeiramente, foram batidas por Robles, as fotografias que o jornal estamparia, sendo, após, iniciada a retirada de todo o “material” que guarnecia do repelente recinto.
A fotografia do “templo das amarrações”, do qual já havia sido referido, não pode ser tirada por não oferecer posição ao fotógrafo.

Xangô, o milagroso ídolo
A primeira coisa que foi desalojada foi uma enorme pedra cor de chocolate, pesando, aproximadamente, 100 quilos, que Osório disse ser Xangô, o milagroso ídolo, para adoração dos fiéis. Este ídolo era “mais velho que a cidade de Pelotas, havia sido trazida do Arroio Santa Bárbara estando já em seu poder a 30 anos, quando professou a religião africana”.
Grande dificuldade encontraram os carregadores para levar o pesado ídolo para o caminhão, pois o mesmo estava untado com um ingrediente gorduroso.
Xangô estava sobre um trono.
Por todos os lados do exótico “santuário”, havia espalhado dinheiro, em moeda, em grande quantidade.
Quando estava o Sr. capitão subintendente recolhendo, em uma valise, as moedas, Osório pediu licença para tirar um dinheiro que estava sob o altar, e dali retirou um volumoso maço de notas que, contadas mais tarde, na delegacia, alcançaram a vultosa soma de 8:171$000.
As moedas eram: libras esterlinas, várias em prata do Império, outras em prata da República, 31 em prata de diversos países, várias outras, também em prata e grande quantidade de níqueis, todos os que, segundo o jornalista, tanta falta estava fazendo ao comércio.
Depois de já estar todo o material na delegacia e quando se encontravam contando o dinheiro apreendido, Osório se lembrou que ainda havia dinheiro em uma gaveta, sob o “trono”, que levado à contagem somou a quantia de 3:015$000, em moeda papel e 26$000 em moeda sonante.
Total do dinheiro apreendido: 12:137$800, valor nominal das moedas.
Juntamente com o dinheiro, foi encontrada uma caderneta do banco Nacional do Comércio com 4:901$200.

Um interessante relatório
A título de curiosidade, a imprensa divulgou uma relação dos objetos que conseguira anotar: pulseiras em forma de serpentes, santos, conchas, pedras do mar, feixes de varas de marmeleiro, cincerros guizos, 2 coroas feitas de búzio, sendo que uma delas disse Osório pertencer a São Francisco, fotografia de uma “preta mina”, em tamanho grande e corpo inteiro, vidros com perfumes, facas, facões, adagas, cachimbos, porongos, garrafas de vinho e de cerveja, castiçais, asas de boto, bengala guarnecida de búzio e guizos, maças, pêssegos, velas acesas, grande quantidade de rosários, colares e breves, pimenta da Costa, farinha amarela, vários pratos de  apetitosas guloseimas, galinha morta, penas de galinha misturadas com sangue, cuias, ovos e muitas outras coisas, que deixavam de ser relacionadas por não saberem os nomes.

Medicina criminosa
O antigo mandingueiro da Rua Conde de Porto Alegre, segundo os jornalistas, além de viver ludibriando a fé claramente boa de seus semelhantes com essas infernais bugigangas, ainda exercia a medicina ilegal, receitando remédios. Baseavam tal afirmação, embora o tivesse negado “o feiticeiro”, no fato de serem encontrados no interior do “templo”, em valise, vários vidros de drogas e, entre a correspondência, haver cartas de clientes pedindo remédios ou agradecendo a remessa destes.

Receitas para o mal
Na conversa que Osório manteve com os jornalistas, insistiu em dizer que só se ocupava com a prática do bem, trabalhando sempre para o bem estar do seu próximo. Entretanto, bem ao contrário constataram os repórteres ao examinarem os “cadernos de receitas do charlatão”. Entre as inúmeras fórmulas para a conquista de tudo imaginável, se depararam eles com uma fórmula para conseguir o mal do seu semelhante. Diante disso, Osório nada mais disse aos jornalistas.
Descoberta de outro pequeno templo
Percorrendo com mais cuidado as várias dependências da espaçosa propriedade de Osório, foi encontrado, embutido em uma das paredes do florido jardim, um pequeno “templo”, guarnecido com forte porta de ferro. 
Em seu interior, entre outras coisas, havia um porongo com dinheiro e búzios, castiçal com vela, garrafa de caninha, uma terrina com salada e outra com croquetes.
Continua...


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Fonte de pesquisa: Bibliotheca Pública de Pelotas/CDOV
Revisão do texto: Jonas Tenfen
Postagem: Bruna Detoni

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