segunda-feira, 10 de julho de 2017

Osório, o profeta (parte 3 e última)




         Justamente com o material apreendido, estava em poder das autoridades uma “capciosa” lista de endereços e números de telefones, pertencentes, por certo, a clientes do “milagroso” Osório.
         Todas as pessoas relacionadas na lista estavam sujeitas a serem convidadas pela polícia a prestar declarações, que, aliás, a imprensa não tinha dúvidas, de que isso acontecesse.

Batuque?
         Dois objetos foram encontrados no “arsenal” de Osório que, perfeitamente, davam para desconfiar que ali, também, se realizavam as célebres sessões de batuque. Queriam se referir a um enorme cacete de pau descascado e a dois grandes chocalhos, inteiramente de bronze. Indagado Osório sobre os objetos suspeitos, declarou, como sempre, que faziam parte do culto.

O alívio do Osório
         Em conversa com a reportagem do Diário Popular, disse Osório que estava há muito tempo arrependido de se ter envolvido com semelhante profissão. Sentia-se “agora” muito feliz, pois não podia abandoná-la, conquanto, pelo juramento prestado, de fidelidade, ao ritmo africano, só poderia rompê-lo obrigado pela intervenção de terceiros.

O elogio à ação das autoridades
         Muito havia feito naqueles últimos tempos, em benefício da coletividade, “as nossas autoridades” policiais e, haviam dirigido pessoalmente os trabalhos, os Srs. capitães Cezar Brizolara e João Gomes Nogueira, delegado e subdelegado de polícia, respectivamente.

Osório, em liberdade
         Findas às 24 horas de detenção, prevista pela lei para o caso, foi posto em liberdade, dia 22 de abril, ao anoitecer, “o charlatão” Osório.
         Em suas declarações na delegacia de polícia, Osório disse que não mais se envolveria em semelhantes “negócios”.
         O mandingueiro seria processado, tendo já contratado para sua defesa os serviços do advogado Dr. Juliné da Costa Siqueira.

A morte de Osório
         Dia 15 de março de 1938, sob o título “De luto a macumba em Pelotas”, era dito que correra rápida a notícia, às primeiras horas da noite anterior, da morte do conhecido macumbeiro Osório Francisco Vieira.
         Fazia poucos dias que Osório enfermara e se recolhera ao hospital da Santa Casa, é o que informava o jornal.
         Desde, segundo a mesma matéria, aquela “maldita canoa policial”, do tempo do capitão Brisolara que Osório, despojado do “instrumental” de sua rendosa profissão, caíra no esquecimento e da saudade dos seus inumeráveis clientes: homens e mulheres, casados, viúvos, solteiros, desquitados, prometidos, desenganados, contrariados e tantos outros...
         Pedras de cevar, dente de javali, pé de cabra, amuletos, gonzos, colares, chifres, batuques, guizos, bengalas, pratos com legendas, frutas de cera virgem, defumadores, piras e outras esquisitices fizeram tantas cabeças dar voltas e “forrarem” o ponche do “gozado feiticeiro”.
         Encerrava-se assim, o capítulo dessa vida misteriosa e confidente de muita gente boa desta terra, sempre incauta e generosa.
         Morreu o Osório, macumbeiro!

Sobre feiticeiros e feitiçarias em Pelotas
         Dissemos no início de nossa série sobre este assunto, feitiçaria em Pelotas, que, por se tratar de assunto bastante delicado e complexo, não teceríamos comentários sobre os fatos que viemos por divulgar, até porque não nos julgamos aptos para fazê-lo. Entretanto, dada à forma como a imprensa de Pelotas o tratou, de forma parcial, manipuladora e preconceituosa, vimo-nos na obrigação de, contrariando nossa pretensão, de fazê-lo, ainda que de forma sucinta. Aqui, na medida do possível, pretendemos apontar alguns senões, por demais evidentes, que o leitor os deve ter percebido, portanto:
         Quando o jornal O Dia, em 11 de setembro de 1916, anunciava como reportagem sensacional, “Uma digressão ao mundo dos exploradores”, com a intenção de mostrar aos seus leitores como se vivia em Pelotas à custa da ingenuidade religiosa dos incautos, é evidente que não achávamos que o fosse fazer de maneira imparcial, pois, pelo menos duas palavras da afirmação do jornal serviam como sinal de alerta: exploradores e incautos.
         Considerando que a palavra exploradores antecede ao que viria a ser revelado, ela então pode ser interpretada como um pré-julgamento àqueles que professavam algum tipo de atividade religiosa, do contrário a série jornalística traria uma série de entrevistas com estes, o que não ocorreu, assim como não se preocupou a reportagem em ouvir as pessoas que procuravam aqueles locais, que a imprensa jocosamente tratou por templos ou até mesmo por antros, acrescido ainda de um total desrespeito com os objetos e imagens ali encontrados.
         Já a palavra incautos, tanto pode ser entendida como imprudentes bem como por crédulos, mas no caso em questão acreditamos que a mesma tenha sido empregada no sentido de imprudentes, descuidados e, assim sendo, servia para classificar a todos os que procuravam os templos de culto afro, como pessoas que se deixavam enganar, por ingênuas, e não religiosas ou adeptas de entidades e cultos de matriz  africana.
         A parcialidade da reportagem vai se revelando pouco a pouco até que atinge a visibilidade quando da visita ao mandingueiro Osório, “um homem branco, novo, robusto e de grande estatura”. “O Osório não era, como alguns de seus colegas, natural da África”, ora, a exceção de um dos feiticeiros visitados, nenhum outro era natural da África, o que fica subentendido que a diferença estava no Osório ser branco e, “que o Osório não era exagerado nos seus preços; mas que ele, acreditando piamente que a beberagem do Osório fosse apenas uma infusão inocente, resolvera não voltar para não perder mais tempo com o mandingueiro”. Já a beberagem dos outros visitados pelo jornalista, foi enviada para análise.
         Com o decorrer dos anos, a pressão naqueles que professavam a religião ou cultos de origem africana, não esmoreceu, tanto que em 1937, por exemplo, quando da blitz efetuada na casa da baiana Ecilda, e que resultou na apreensão de farto material, vulgarmente empregado na prática de feitiçarias, como castiçais, milho torrado, conchinhas, pedras do mar, búzios, azeite de dendê, colares de contas, baralhos da sorte e paninhos, com os quais fazia as amarrações, etc., etc., ora, castiçais, milho torrado, azeite de dendê e até mesmo baralho da sorte, em casa de uma baiana como prova de feitiçaria, somente a discriminação e o preconceito podem explicar.




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Fonte de pesquisa: Bibliotheca Pública de Pelotas/CDOV
 Revisão do texto: Jonas Tenfen
Postagem: Bruna Detoni


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