quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

RS e Pelotas na obra de Machado de Assis Parte 05 e FINAL


RS e Pelotas na obra de Machado de Assis  Parte 05 e FINAL



A. F. Monquelat [revisão]
Jonas Tenfen



         O conto “Um quarto de século” conta com três citações à cidade de Pelotas. Ambas localizadas no capítulo segundo (sim, Machado de Assis escrevia por vezes contos que recebiam subdivisões de romances ou novelas, o que dá alguma dor de cabeça aos críticos literários mais afoitos por taxonomia e classificações de gênero literário), e que tratam a cidade como forma de caracterizar as personagens. Vejamos as citações:

“Quando se afastou da Europa, tornou para o Rio de Janeiro, onde assistiu à morte do pai, que lhe deixou todos os seus bens. Tomás era filho único. Já então Raquel, tendo casado com um negociante de Pelotas, havia partido para o Sul. [...]”
“Raquel achou a nota excessiva e teve medo. A separação fez-se com dor para ele, naturalmente sem saudade para ela. Nenhum pretendente os separou. Foi só depois que apareceu o negociante de Pelotas, sem paixão, apresentado pelo pai, como moço de muito futuro, e sério. Sales tinha trinta anos. Raquel aceitou-o sem combate nem entusiasmo; casou e partiu. Já Tomás estava na Europa. […]”
“Sales, negociante de Pelotas e doutor em medicina, liquidou a casa no fim de poucos anos e veio para o Rio de Janeiro. A ideia dele era viver uma vida elegante, participar de todos os prazeres da alta roda da capital. Contava com o papel eminente que caberia à mulher, agora mais bela que nunca. Assim foi. Em poucas semanas, em três meses, o nome de Raquel andava em todas as bocas, e a pessoa em todos os bailes e teatros. [...]”

         O principal da ação do conto se passa na capital da corte. Do mesmo modo que no romance “Quincas Borba”, o casamento se mostrava como oportunidade de algum personagem nascido na cidade de Pelotas se mudar para o Rio de Janeiro. Embora a chance de viver em dois mundos, há nesses personagens uma genuína vontade de participar de um novo meio social, pagando o preço – monetariamente falando – por se relacionar em um novo meio social. Como forma de dar andamento à narrativa, quase sempre estes personagens encontram a falência: ou a fortuna era mais parca do que imaginavam, ou fizeram uma série de investimentos bastante ruins.
         Reiteramos que esta é uma estratégia narrativa de Machado de Assis e que o autor não se reduz à cidade de Pelotas para este expediente. Só para retomar o romance que trabalhamos no texto anterior, Rubião e Quincas Borba eram da cidade de Barbacena, em Minas Gerais.
         O que não se dá com o conto “Diana”, publicado pela primeira vez no “Jornal das Famílias”, no Rio de Janeiro, em 1866. Neste conto a cidade de Pelotas é cenário, também a cidade de Porto Alegre.
         Dois jovens amigos se encontram casualmente na Rua do Ouvidor. Ambos possuem criados que carregam suas malas, mas um está carregado a mais: Luís estava de partida para o Rio Grande (não a cidade, mas a província) sem dar detalhes dos motivos, pois a pressa era grande. Tempos depois, uma carta colocou o amigo a par das novidades: ia tão apressadamente à cidade de Pelotas, pois seu padrinho deixara uma herança que ele precisava ir buscar.
         O amigo, pelo bom nome da amizade e desinteressado, mal podia se conter de curiosidade. Escreveu carta em resposta pedindo mais informações. Escreveu cartas, duas, para ser mais correto: uma remetida para Pelotas e outra para Porto Alegre, origem da primeira carta enviada por Luís.
         Que estava em Porto Alegre. Resolveu adiar a caçada à herança por ter conhecido viúva (de um homem do norte) na cidade por meio de amigos em comum. Tratava muito bem à viúva e à mãe em formalidades sociais, pouco depois, começou uma série de visitas mais íntimas, repletas de declarações de amor, consolos e promessas. Sempre à luz de lua, daí o nome ao conto e à dama: Diana.
         Certo do casamento, Luís passou a frequentar mais vezes a casa das duas, até a ocasião que chegou fora do combinado e Diana não quis recebê-lo. Estava de braços com outro, fazendo os mesmos passeios e, provavelmente, ouvindo declarações semelhantes. O outro se mostrava mais bem afortunado que um advogado de província.
         Indignado, inconsolável e inconformado, Luís parte na mesma noite em busca da herança do padrinho. “Cheguei a Pelotas e fui examinar a casa que há cinco anos não recebia um bocado de ar. Foram precisos alguns dias para que pudesse deixar entrar lá alguém. // Quando ficou em estado de receber-me, lá fui com o meu criado, e preparei tudo para proceder ao exame necessário.”
         Nada de tesouro no chão, nas paredes ou no teto da casa. A casa até então abandonada começava a ganhar ares de demolida. Vazio de esperanças, mas cheio de ideias, Luís olhou para o retrato do padrinho que trouxera na viagem, e “Tomei o quadro das mãos do criado, e, com o auxílio de uma faca, destas de que usam os guascas, abri o quadro.” De dentro da moldura caiu um papel com os sóbrios dizeres: “Conselho ao meu afilhado – Nunca te fies em aparências.” Eis o tesouro deixado por herança.



         
         Devido a questão do espaço, esta série não foi um trabalho exaustivo sobre a presença do estado do Rio Grande do Sul e a cidade de Pelotas na obra de Machado de Assis. No caso do estado, nos dedicamos às crônicas; no caso da cidade, às referências diretas: como mostramos, a muitos textos que parecem fazer alusão a Pelotas, material para outras séries. Quem se interessar pelo tema, elencamos algumas obras à pesquisa, além dos dois contos citados acima: “Histórias sem data”, “Papéis avulsos”, “Páginas recolhidas”, “Relíquias de Casa Velha”, “A pianista”, “Cantiga Velha”, “Entre duas datas”, “O capitão Mendonça”, “O imortal” (com uma interessante passagem pela guerra do Paraguai), “Possível e impossível”, “Rui de Leão”, “Sem olhos”, “Troca de datas”, “Uma partida”, “Virginius”.
        Podemos, contudo, adiantar uma conclusão no que diz respeito às referências ao estado de RS e à cidade de Pelotas na obra de Machado de Assis. Quando ele trata do Rio Grande (do Sul), ou é um lugar belicoso ou não é Brasil ainda; quando ele trata de Pelotas, é um local de muito dinheiro circulando. Mas nos dois casos, são lugares muito longe da Capital.

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Fonte: há muitas obras completas de Machado de Assis disponíveis online, para este texto utilizamos o site Domínio Público (domíniopublico.gov.br). A foto de Machado de Assis (pela revista Caras y Caretas) e a imagem de Diana são Wikicommons.

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