quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

Cigana Terena, o mito pelotense


Cigana Terena, o mito pelotense

                                                                                    A.F. Monquelat
 Jonas Tenfen                




A cidade de Pelotas, quase no apagar das luzes do ano de 1882, mais precisamente aos 29 dias do mês de dezembro, não imaginou que serviria de berço para o nascimento de seu primeiro mito.
        Tampouco aqueles ou aquele que propagaram a lenda da maldição da cigana sobre esta mesma cidade tiveram conhecimento ou noção que, com essa falsa praga ou maldição jogada aos quatro ventos, germinaria e se transformaria no primeiro e popular mito da cidade.
         Um mito que, desde algum tempo, adquiriu o status de fazedor de milagres, um mito que para nascer, morreu...
         Sem que tenhamos ideia ou registro histórico do porque aquele grupo, tribo ou nação de pessoas na época tratadas como beduínos, raça arábica, bohêmios ou qualquer outra denominação que fosse, quando a eles o povo ou a imprensa se referiam, acampou na Rua Professor Araújo, proximidades da chácara do Sr. Antônio Joaquim Caetano da Silva, pouco adiante de Avenida Bento Gonçalves ali armou suas tendas, em número de sete.
         Tão logo a imprensa tomou conhecimento do fato, surge, naquele mesmo dia, o primeiro registro de suas presenças através do jornal A Discussão, cuja matéria tem por título a seguinte expressão: “Beduínos”, e, logo a seguir, a informação de que acabara de chegar a Pelotas, achando-se acampados na extremidade da hoje Avenida Bento Gonçalves, cerca de 50 pessoas de raça arábica, os quais por toda a província eram conhecidos por beduínos.
         A segunda notícia sobre a chegada dos ciganos, entre os quais estaria a cigana Terena, vem como forma de alerta, e permeada de visível preconceito, através das páginas do jornal A Nação.
         A notícia iniciava dizendo: “Beduínos”, aí os tinha a cidade, chegados de fresco. Prosseguindo, dizia o jornalista terem eles assentados os seus arraiais à Rua Professor Araújo, dispondo as sete tendas que, segundo ele, significavam os pecados mortais. Ali estavam prontos a decifrarem, no brilho das estrelas, a sina de nós outros, pobres mortais.
         Ainda, e seguindo o mesmo tom desdenhoso, dizia como seria agradável saber um homem qual o dia que haveria de fechar a mala para a sua última viagem, ou qual o número do bilhete que seria premiado na grande loteria.
         Ele, porém, que era contrário àquele comportamento com o qual tão bem se dava a natureza daquela gente, chamava a atenção da polícia para os novos visitantes.
         Dizendo já os ter visto naquele mesmo dia de saco ao ombro pedindo esmolas, o que ele bastante estranhava, pois cada beduíno daqueles era um robusto mocetão, que muito bem poderia ganhar sua vida, de maneira honrada e tranquila, empregando-se ao serviço da Estrada de ferro, ou outro trabalho qualquer que resultasse em dinheiro.
Julgava o jornalista, pois, que o Sr. delegado de polícia em exercício devia se apresentar àqueles “amáveis” hóspedes, obrigando-os ou a trabalhar ou a procurar novos ares.
E, encerrando, fazia a seguinte observação: “Depois não se queixem”.
Não muitos dias após aquela advertência, voltava o jornalista a chamar a atenção dos seus leitores dizendo que, diversos eram os comentários feitos quanto à presença dos beduínos acampados lá para os lados da Rua Professor Araújo.
Dizia ele que, para uns eles eram especuladores que andavam a explorar a credulidade de pessoas fracas, tirando-lhes o dinheiro com artimanhas e falcatruas; outros achavam que eles eram trabalhadores honestos que procuravam ganhar licitamente sua vida, empregando-se nos ofícios de caldeireiros e ferreiros; outros havia que achavam não passarem eles de uns espertalhões, que envolviam a quem lhes chegasse ao alcance das unhas.
Dizia mais o jornalista, que culpados, porém, eram aqueles que, acreditando nas teorias de Mesmer, René e Catarina de Médicis, fazendo desta maneira reviver o reinado da bruxaria, ali em suas tendas, iam consultar o oráculo, arrependendo-se depois com os resultados obtidos. Finalizando, advertia: quem não quisesse ser explorado, que não os consultasse.
Deixassem-lhes viver em paz que não haveria motivo para queixa.
      Não muito depois, outro dos jornais da cidade voltava a chamar a atenção para o grupo de ciganos acampados lá para os lados da Professor Araújo.
      Agora, indagando da câmara municipal se esta dera licença para que aqueles beduínos cercassem a área onde haviam assentado as suas tendas? Queria também saber o redator do jornal se eles pagavam impostos pelas atividades que exerciam e mais ainda, se não era próprio das posturas municipais que se trouxessem os cães amordaçados durante o dia, para não molestarem os transeuntes?
      No entanto, aqueles cães pertencentes aquela gente da raça arábica andavam ad libitum, o que era pouco conveniente, concluía o jornalista.
      E assim, de hostilidade em hostilidade por parte da imprensa, a vida na progressista cidade de Pelotas seguia em frente.

                                       
       
        E, em frente, ao que parece, seguiam também os ciganos a darem motivo para tais hostilidades, pois, nos primeiros dias do mês de fevereiro do ano de 1883, o jornal Onze de Junho, desta vez tratando os de bohêmios noticiava que, tendo o subdelegado de polícia do 2º distrito, Sr. tenente Elizeu Bazilio Ribas sabido, através de denúncia, que alguns daqueles bohêmios  acampados nas proximidades da Luz, haviam peitado um empregado da fábrica de chapéus dos Srs. Cordeiro&Wiener, para nesta penetrarem a noite, tratou logo de investigar aquela denúncia.
      Constatando ser procedente e que realmente havia a intenção de atacarem à fábrica de chapéus, de modo eficiente e rápido tratou ele logo de evitar esse atentado, intimando àquela inofensiva gente a deixar a cidade no prazo de 48 horas, atitude aquela que para o jornal era uma providência acertada, pois, assim procedendo o Sr. subdelegado Ribas estaria velando pela segurança e tranquilidade social.
      Coincidência ou não, desde o ultimato dado pelo Subdelegado de polícia Ribas aos ciganos acampados no encontro das ruas Avenida Bento Gonçalves e Professor Araújo, deles só ouviremos falar novamente, quando dos funerais de sua rainha, a cigana Terena Caldara, ocorrido em Pelotas, aos 3 dias do mês de março de 1883, enterro este que segundo alguns jornais da época teria sido o maior que Pelotas até então assistira, e que você leitor caso queira saber maiores detalhes sobre a pitonisa Terena, basta acessar os seguintes links:

                   http://pelotasdeontem.blogspot.com/2015/10/a-maldicao-da-princesa-cigana.html            
                                                             
                   http://pelotasdeontem.blogspot.com/2016/04/terena-princesa-cigana-parte12.html        



         Não muitos dias após a morte de sua rainha, os Caldaras e sua “tribo” deixaram a cidade, ao que parece em direção ao Arroio Grande.




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Fonte de pesquisa: CDOV-Bibliotheca Pública Pelotense e pelotasdeontem.blogspot.com
Revisão do texto: Jonas Tenfen
Imagem: Charges extraídas do jornal Zé Povinho, ano de 1882.
Tratamento de imagens: Natália Toralles dos Santos Braga

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