quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

O célebre baile das cozinheiras

(parte 2)



        
         Pois bem: qual não foi a surpresa do jornalista quando, sexta-feira (15-04-1932), pela manhã, recebeu a notícia de que o Baile das Cozinheiras funcionara no dia anterior e, como de costume, se verificara, ali, formidável desordem.
       Do sururu resultou ruir um muro, um soldado da patrulha do exército ser conduzido para a Santa Casa, ferido, uma mulher ficou bastante lesionada e duas meretrizes serem presas.
         Não atinava, por mais tratos que desse à bola, com a causa de tal tolerância em virtude da qual era permitido que, em Pelotas, se assistisse a cenas degradantes como as que se desenrolavam no Baile das Cozinheiras.
         Diziam, o que lhe custava acreditar, que o Baile tornara a funcionar depois de já ter sido proibido, simplesmente porque andara metido na questão certo advogado que, muito facilmente, conseguira a revogação da ordem da prefeitura.
         A ordem para o fechamento, segundo o Diário Popular: “As cozinheiras não dançarão mais?”, era a chamada do jornal para logo abaixo dizer que em virtude de constantes reclamações que lhe foram encaminhadas, o Sr. Cherubim Queiroz, subprefeito do 1º distrito, mandou fechar a sede do Clube Recreativo 3 de Outubro, mais conhecido por Baile das Cozinheiras, situado à Praça Piratinino de Almeida e dirigido por Egydio Smiraglia.
         Vejamos agora o que é que o Sr. Egydio Smiraglia tem a dizer disso tudo. Na Seção Livre do jornal O Libertador, sob o título de “Acusação injusta”, diz a seguir o Sr. Egydio que os reiterados e injustos ataques ao funcionamento do modesto “Club 3 de Outubro”, desta cidade, e sob minha direção, obriga-me a esta resposta: Não acuso a divulgação dessas notícias, porque, faço justiça aos nobres sentimentos dos homens componentes do corpo redatorial desse conceituado jornal, que, nessas notícias, são vítimas da sua boa fé.
         Evidentemente, o repórter, na sua faina de informar os seus clientes e na afobação de notícias tendenciosas, mostra-se portador e veículo de tais notícias.
         Desafio, pois, a quem quer que seja que prove que, nesses meus bailes, se reúne pessoal arruaceiro, que promovem algazarra e proferem palavrões pornográficos, atentatórios da moral e dos bons costumes, antes, pelo contrário, a frequência se não se pode classificar de seleta, é, contudo, uma frequência boa, ordeira e moral, na qual predominam elementos conhecidos na sociedade de Pelotas.
         De fato, na última noite em que se realizou baile nessa sociedade, houve a queda de um muro que divide uma área da minha casa de uma cocheira infecta, que, contra as posturas municipais e higiênicas, está ali localizada.
         E que, a queda foi acidental, basta acentuar que a mesma se deu para o interior do meu prédio, logo, se fosse por atos ou manobras dos frequentadores de minha casa, a derrubada se teria dado em sentido inverso, isto é, para o interior do referido prédio ou cocheira.
         Salvo obra diabólica, não se encontra explicação para o fenômeno!
         Se prisão houve, foi fora dos muros da casa, e, logo, sem responsabilidade direta do signatário.
         Finalizando devo acrescentar que a única proteção que minha casa desfruta é a que lhe dá e outorga a Lei, tutela dos humildes e garantia dos...deserdados da fortuna.
         Pelotas, 16/4/32 Egydio Smiraglia (A firma estava reconhecida).
         Por sua vez, o proprietário do local que o Sr. Egydio Smiraglia chamou de “cocheira infecta” usando de seu direito de resposta fez, no dia seguinte, uso desta e: À vista de uma declaração feita na “Seção Livre” deste jornal pelo Sr. Egydio Smiraglia, acerca do “Baile das Cozinheiras”, cumpre-me explicar o seguinte: o muro de minha propriedade resistiu a chuvas e temporais; entretanto, esperou que se realizasse um baile para cair...
         Os tijolos, solidários com a imprensa, querem hostilizar o suposto clube.
         Relativamente aos escândalos que se verificaram no Baile das Cozinheiras, a que o Sr. Smiraglia deu agora o nome de Clube 3 de Outubro, não sei se por política, é inútil gastar palavras.
         Os escândalos têm sido narrados pela imprensa e têm dado grandes incômodos à polícia.
         A minha cocheira, a que se refere o Sr. Smiraglia, obedece às prescrições da Diretoria da Higiene.
         Pelotas, 18 de abril de 1932. José Maria Simões.
         Também em meados de abril daquele mesmo ano, o jornal O Libertador publicou um “A pedido”, assinado por alguém que se denominou de “Cozinheiro”, com o seguinte teor: Doutor Victor Russomano, / Que foi legalista rubro, / Num gesto bastante humano, / Fechou o Club Três de Outubro. / Teve a coragem precisa / Que faltou ao doutor Py, / Fez a devida pesquisa / E chamou a tarefa a si / Mostrou que manda quem pode, / Sem consultar a ninguém; / Se ali medrava o pagode, / Fê-lo acabar... e fez bem. / Os sócios com os polícias / Às voltas, sem pré em idílio, / Davam-se a mútuas carícias, / À moda de João Pompílio. / O resultado é sabido, / Sempre o eterno alvoroço: / Alguém tombava ferido, / Quebrando a cara ou o pescoço, / Doutor Victor Russomano, / Não agindo em pura perda, / não teve o menor engano; / Fechou sem ouvir a esquerda./
         Fechasse acaso o Getúlio, / O Três de Outubro de lá, / Teria o apoio hercúleo, / Do Rio Grande ao Pará. / Como aqui na Prefeitura, / Que encontrou um Russomano, / O Catete está na altura / De ter um chefe espartano. / Mas assim com panos quentes, / Como andou o doutor Py, / Os nossos jovens tenentes / Não dão o fora dali. / Fosse outro o ditador, / De certo pra fora os punha, / Mostrando força e vigor, / Sem arranhar uma unha, / Sem os bater com uma flor. / Talvez...o Flores da Cunha.
         Dia 26 de abril de 1932, O Libertador informava aos seus leitores ter recebido um ofício no qual lhe era comunicado de que o celebérrimo Club 3 de outubro, ex Baile das Cozinheiras, a partir de então passava a denominar-se Sociedade Recreativa Beija-Flor.
         Prosseguindo na informação, dizia que aquele suposto clube, na realidade casa de bailes públicos, frequentado por mulheres também públicas, tinha inclusive estatutos e diretoria constituída, que era a seguinte: presidente Egydio Smiraglia; vice-presidente, Alberico Pereira; secretário, Joaquim Boa-nova e, tesoureiro, Feliciano Rodrigues Penteado.
         Concluía a informação acrescentando que o paraíso dos beberrões e arena do pugilato continuava instalado à praça Piratinino de Almeida nº 56.






                                                                                              Continua...

Fonte de pesquisa: CDOV – Bibliotheca Pública Pelotense
Imagens: acervo de A.F. Monquelat
Revisão de texto: Jonas Tenfen
Postagem: Bruna Detoni       

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