sábado, 21 de outubro de 2017

Pelotas: prostitutas e seus senhores (2)





         Dia 9 daquele mês, segundo o boletim de ocorrências do 3º posto, fora recolhida à prisão Ângela Rodrigues, moradora à Praça Piratinino de Almeida. À reportagem do O Dia procurando saber do que se tratava, na delegacia de polícia, foi-lhe informado que a famosa caftina fora detida para averiguações.
         O jornal, sabendo que se tratava de caso deveras interessante, que daria margem à autoridade para agir eficazmente, já que era suficiente para constituir prova incontestável de que Ângela estava fora da lei, e a sua permanência em Pelotas bem como a de outras criminosas, constituía um verdadeiro atentado à moral.
         Que é que iria acontecer ou já acontecera? Indagava e também respondia o jornalista: Ângela voltaria a praticar o seu comércio, repelente e miserável, sem que, nem ao menos o representante da justiça tivesse conhecimento do fato para uma ação enérgica, em defesa da sociedade.
         Mas para que insistir? Se o fizesse era muito capaz de Ângela encontrar uma pena de aluguel, que castigasse a insolência e fosse ela depois instalar, à porta do seu negócio, alguma placa de parteira...
         A repercussão do editorial sobre o caftismo em Pelotas, segundo o jornalista, calara fundo no espírito público, o que era representado claramente nas manifestações de apoio que eram feitas, de viva voz ao jornal, por conceituados representantes da sociedade.
         De fato, acrescentava o editorialista, era para pasmar que a polícia local, de posse das provas esmagadoras de que o lenocínio se estava exercendo livremente -conhecedora que era das figuras sinistras que o praticavam, “umas gordachudas pretas envelhecidas no vício e na alcovitice”- tolerasse o indecoroso tráfico e deixasse livre os seus repugnantes industriais.
         Só com uma descrição sucinta, documentada por flagrantes, que para a reportagem do O Dia seria fácil colher, se demonstraria o que de sinistro ocorria na lama de Pelotas, nos seus oblíquos desvãos.
         Evitava o jornal, porém, tais detalhes, pois o respeito próprio lhe impunha o mais absoluto silêncio em torno das práticas do caftismo. O que não passava despercebido, contudo, eram os exemplos que eram públicos e para os quais se olhava não com rubor nas faces, mas com pena, diante de dezenas e dezenas de criaturas impúberes, já envelhecidas pelo meretrício.
         E a quem se devia tal desgraça? Aos traficantes da honra, aos proxenetas que infestavam a cidade, aos malandros que viviam à custa de velhas hetairas, e se encarregavam de serem os intermediários dos D. Juans da alcova junto das indefesas criaturas candidatas à prostituição.
         E a polícia conhecia os tristes personagens aos quais se aludia o jornal . Tanto os conhecia que, periodicamente os chamava a sua presença para adverti-los.

Uma garçoniére de polacas, na zona do meretrício
         Com o título “Vida fácil e pagamento difícil”, o jornal Diário Popular informava aos seus leitores que, dia 23 de abril de 1929, estivera na subintendência, danada e vociferante, a polaca Eugênia. Esta mantinha uma humilde garçoniére [lugar destinado a encontros amorosos: matadouro] à Rua Dr. Cassiano, nº272.
         Eugênia, revoltada, disse cobras e lagartos de suas inquilinas e patrícias Cecília e Marta, as quais não pagavam a hospedagem e, também, não pretendiam abandonar o local.
         Segundo o jornal, Marta e Cecília não queriam outra vida.
         Sob o título de “O comércio de escravas brancas em ebulição”, lembrava o jornal A Opinião Pública de 12 de julho de 1929 que, a campanha de saneamento moral que aquele jornal dera início, chamando a urgente atenção da polícia para o torpe comércio do proxenetismo que desgraçadamente ia tomando vulto, tinha o jornal, através daquela edição novos aspectos do problema da repressão, que seriam convenientemente abordados sob a segura e ativa ação da reportagem daquele periódico.
         O sucesso alcançado pela campanha iniciada pelo jornal incentivava-o a incrementá-la ainda mais.
         Na véspera daquela reportagem recebera o jornal uma carta, assinada por alguém que se denominou de “João Observador”, cujo teor era o seguinte: “A campanha iniciada contra o torpe comércio de escravas brancas é merecedora de fervorosos aplausos”.
         Aqui em Pelotas, centro relativamente pequeno, já é extenso o número de indesejáveis que se dedicam à vil exploração, extorquindo o vicioso dinheiro das infelizes decaídas.
         A cidadania, porém, quer e exige, por parte da autoridade competente, uma campanha enérgica e eficaz de saneamento social.
         É preciso que nós, os pelotenses, extirpemos o terrível cancro, enquanto o mal está se ensaiando entre nós.
         Outro assunto, que pode ser anexado ao presente comentário, é o da necessária proibição de frequência de menores em casas suspeitas.
         Como era fácil de deduzir-se, a cruzada de saneamento social que o jornal desencadeara atingia uma verdadeira aspiração coletiva no civilizado núcleo social em que viviam.

O êxodo do proxenetismo visto pelo A Opinião Pública
         Porto Alegre, que era o paraíso dos exploradores de profissionais “beautés” [profissionais da beleza: prostitutas] estava, na época, sendo aliviada do torpe comércio, à proporção que a polícia empreendia uma necessária e enérgica campanha de repressão.
         Não se tratava agora de um combate simulado, mas sim de uma ação eficaz que obrigasse a camorra [alusão à antiga associação criminosa de Nápoles] ignóbil dos proxenetas a fazer as malas e buscarem lugares mais amenos.
         Foi assim que Pelotas, de súbito, se viu infestada por um exército de cáftens, que aqui se radicava e desfrutava a suavidade de um ambiente onde a polícia, ao parecer do jornalista, ignorava a existência daquele clandestino e nocivo comércio.
         Entretanto, aquela era uma verdade incontestável, os “souteneurs” aqui domiciliados, afastados que foram pela repressão que se estabelecera contra eles na capital do estado, em Pelotas já podiam ser apontados a dedo.
         Encerrando a matéria, dizia o periódico que no interesse de prosseguir na útil cruzada, aquele jornal movimentaria a sua equipe de reportagem, apresentando os elementos que deveriam urgentemente ser deportados.
         E, enquanto o jornal pedia a imediata ação da polícia contra os cáftens, cada vez mais presentes no cotidiano da cidade, algumas famílias chamavam a atenção, através de carta dirigida à imprensa, para as imoralidades praticadas pelas prostitutas nas ruas ocupadas por estas, principalmente na Dr. Cassiano, entre Andrade Neves e General Vitorino [Anchieta], e Voluntários, entre Felix da Cunha e Gonçalves Chaves. Segundo os reclamantes, se entregavam elas a toda a sorte de excessos, provocando, diariamente, escândalos públicos, que ofendiam o pudor das famílias que eram, por aqueles trechos, obrigadas a passar.
         Especialmente à noite, até tardias horas, o espetáculo que apresentavam aquelas áreas era deveras deprimente “da nossa civilização e afrontoso às próprias autoridades”.
         Até há pouco, diziam os autores da denúncia e reivindicação, a Rua Dr. Cassiano era policiada à noite, sendo que naqueles últimos dias haviam retirado o policial que ali rondava, sem que eles entendessem o motivo.
         Não somente cobravam, e com urgência, que o policiamento fosse restabelecido, bem como fosse ele estendido à Rua Voluntários no trecho por eles indicado, a bem da moralidade pública, sem falarem na Rua Três de Fevereiro [Major Cícero], cujo trânsito há muito estava impedido às famílias, por motivos ainda mais sérios e graves       .

                                                                                              Continua...
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Fonte de pesquisa: Bibliotheca Pública de Pelotas/CDOV
Revisão do texto: Jonas Tenfen
Postagem: Bruna Detoni

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