Dia 9 daquele mês, segundo o boletim de ocorrências do 3º posto,
fora recolhida à prisão Ângela Rodrigues, moradora à Praça Piratinino de
Almeida. À reportagem do O Dia
procurando saber do que se tratava, na delegacia de polícia, foi-lhe informado
que a famosa caftina fora detida para averiguações.
O jornal, sabendo que se tratava de caso deveras interessante, que daria margem à autoridade
para agir eficazmente, já que era suficiente para constituir prova
incontestável de que Ângela estava fora da lei, e a sua permanência em Pelotas
bem como a de outras criminosas, constituía um verdadeiro atentado à moral.
Que é que iria acontecer ou já acontecera? Indagava e também
respondia o jornalista: Ângela voltaria a praticar o seu comércio, repelente e miserável, sem que, nem ao menos o
representante da justiça tivesse conhecimento do fato para uma ação enérgica,
em defesa da sociedade.
Mas para que insistir? Se o fizesse era muito capaz de
Ângela encontrar uma pena de aluguel, que castigasse a insolência e fosse ela
depois instalar, à porta do seu negócio,
alguma placa de parteira...
A repercussão do editorial sobre o caftismo em Pelotas,
segundo o jornalista, calara fundo no espírito público, o que era representado claramente nas manifestações de apoio que eram feitas, de viva voz ao jornal,
por conceituados representantes da sociedade.
De fato, acrescentava o editorialista, era para pasmar que a
polícia local, de posse das provas esmagadoras de que o lenocínio se estava
exercendo livremente -conhecedora que era das figuras sinistras que o
praticavam, “umas gordachudas pretas envelhecidas no vício e na alcovitice”- tolerasse o indecoroso tráfico e deixasse livre os seus repugnantes industriais.
Só com uma descrição sucinta, documentada por flagrantes,
que para a reportagem do O Dia seria fácil
colher, se demonstraria o que de sinistro ocorria na lama de Pelotas, nos seus
oblíquos desvãos.
Evitava o jornal, porém, tais detalhes, pois o respeito
próprio lhe impunha o mais absoluto silêncio em torno das práticas do caftismo.
O que não passava despercebido, contudo, eram os exemplos que eram públicos e
para os quais se olhava não com rubor nas faces, mas com pena, diante de
dezenas e dezenas de criaturas impúberes, já envelhecidas pelo meretrício.
E a quem se devia tal desgraça? Aos traficantes da honra,
aos proxenetas que infestavam a cidade, aos malandros que viviam à custa de
velhas hetairas, e se encarregavam de serem os intermediários dos D. Juans da
alcova junto das indefesas criaturas candidatas à prostituição.
E a polícia conhecia os tristes personagens aos quais se
aludia o jornal . Tanto os conhecia que, periodicamente os chamava a sua presença
para adverti-los.
Uma garçoniére de
polacas, na zona do meretrício
Com o título “Vida fácil e pagamento difícil”, o jornal Diário Popular informava aos seus
leitores que, dia 23 de abril de 1929, estivera na subintendência, danada e
vociferante, a polaca Eugênia. Esta mantinha uma humilde garçoniére [lugar
destinado a encontros amorosos: matadouro] à Rua Dr. Cassiano, nº272.
Eugênia, revoltada, disse cobras e lagartos de suas
inquilinas e patrícias Cecília e Marta, as quais não pagavam a hospedagem e,
também, não pretendiam abandonar o local.
Segundo o jornal, Marta e Cecília não queriam outra vida.
Sob o título de “O comércio de escravas brancas em
ebulição”, lembrava o jornal A Opinião
Pública de 12 de julho de 1929 que, a campanha de saneamento moral que
aquele jornal dera início, chamando a urgente atenção da polícia para o torpe
comércio do proxenetismo que desgraçadamente ia tomando vulto, tinha o jornal, através daquela edição novos aspectos do problema da repressão,
que seriam convenientemente abordados sob a segura e ativa ação da reportagem
daquele periódico.
O sucesso alcançado pela campanha iniciada pelo jornal
incentivava-o a incrementá-la ainda mais.
Na véspera daquela reportagem recebera o jornal uma carta, assinada
por alguém que se denominou de “João Observador”, cujo teor era o seguinte: “A
campanha iniciada contra o torpe comércio de escravas brancas é merecedora de
fervorosos aplausos”.
Aqui em Pelotas, centro relativamente pequeno, já é extenso
o número de indesejáveis que se dedicam à vil exploração, extorquindo o vicioso
dinheiro das infelizes decaídas.
A cidadania, porém, quer e exige, por parte da autoridade
competente, uma campanha enérgica e eficaz de saneamento social.
É preciso que nós, os pelotenses, extirpemos o terrível
cancro, enquanto o mal está se ensaiando entre nós.
Outro assunto, que pode ser anexado ao presente comentário,
é o da necessária proibição de frequência de menores em casas suspeitas.
Como era fácil de deduzir-se, a cruzada de saneamento social
que o jornal desencadeara atingia uma verdadeira aspiração coletiva no
civilizado núcleo social em que viviam.
O êxodo do proxenetismo
visto pelo A Opinião Pública
Porto Alegre, que era o paraíso dos exploradores de
profissionais “beautés” [profissionais da beleza: prostitutas] estava, na
época, sendo aliviada do torpe comércio, à proporção que a polícia empreendia
uma necessária e enérgica campanha de repressão.
Não se tratava agora de um combate simulado, mas sim de uma
ação eficaz que obrigasse a camorra [alusão à antiga associação criminosa de
Nápoles] ignóbil dos proxenetas a fazer as malas e buscarem lugares mais
amenos.
Foi assim que Pelotas, de súbito, se viu infestada por um
exército de cáftens, que aqui se radicava e desfrutava a suavidade de um
ambiente onde a polícia, ao parecer do jornalista, ignorava a existência
daquele clandestino e nocivo comércio.
Entretanto, aquela era uma verdade incontestável, os
“souteneurs” aqui domiciliados, afastados que foram pela repressão que se
estabelecera contra eles na capital do estado, em Pelotas já podiam ser
apontados a dedo.
Encerrando a matéria, dizia o periódico que no interesse de
prosseguir na útil cruzada, aquele jornal movimentaria a sua equipe de
reportagem, apresentando os elementos que deveriam urgentemente ser deportados.
E, enquanto o jornal pedia a imediata ação da polícia contra
os cáftens, cada vez mais presentes no cotidiano da cidade, algumas famílias
chamavam a atenção, através de carta dirigida à imprensa, para as imoralidades
praticadas pelas prostitutas nas ruas ocupadas por estas, principalmente na Dr.
Cassiano, entre Andrade Neves e General Vitorino [Anchieta], e Voluntários,
entre Felix da Cunha e Gonçalves Chaves. Segundo os reclamantes, se entregavam
elas a toda a sorte de excessos, provocando, diariamente, escândalos públicos,
que ofendiam o pudor das famílias que eram, por aqueles trechos, obrigadas a
passar.
Especialmente à noite, até tardias horas, o espetáculo que
apresentavam aquelas áreas era deveras deprimente “da nossa civilização e
afrontoso às próprias autoridades”.
Até há pouco, diziam os autores da denúncia e reivindicação,
a Rua Dr. Cassiano era policiada à
noite, sendo que naqueles últimos dias haviam retirado o policial que ali
rondava, sem que eles entendessem o motivo.
Não somente cobravam, e com urgência, que o policiamento
fosse restabelecido, bem como fosse ele estendido à Rua Voluntários no trecho
por eles indicado, a bem da moralidade pública, sem falarem na Rua Três de
Fevereiro [Major Cícero], cujo trânsito há muito estava impedido às famílias,
por motivos ainda mais sérios e graves .
Continua...
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Fonte de pesquisa: Bibliotheca Pública
de Pelotas/CDOV
Revisão do texto: Jonas Tenfen
Postagem: Bruna Detoni
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