sábado, 14 de outubro de 2017

Pelotas: prostitutas e seus senhores (1)






         Diz-nos Yvette Trochon, referindo-se ao tráfico de brancas para o Brasil, que nas últimas décadas do século XIX desciam dos navios não mais escravos negros, e sim as moças europeias – a “carne blanca” – que vinham para engrossarem as fileiras do já velho meretrício brasileiro.
         Dez anos depois da chegada das meretrizes europeias ao Brasil, iniciou a substituição da prostituição doméstica, instituição agregada à sociedade patriarcal, pelo meretrício urbano e estrangeiro, que vinha quase sempre acompanhado do proxenetismo profissional, fenômeno novo na vida do país.
         Ainda ancorados em Yvette que, ao citar Gilberto Freire, diz-nos que essas europeias, na maioria das vezes, substituíram as nativas como iniciadoras sexuais dos jovens brasileiros.
         Essas moças que no Brasil aportavam vinham dos mais diversos países da Europa, sendo que os portos de embarque mais utilizados, segundo Trochon eram os de Odessa, Marselha e Nápoles, mesmo sendo habitual que muitas dessas  estrangeiras procedessem de Buenos Aires, que operava como um mercado distribuidor de prostitutas para toda a América do Sul.
         Disse certa vez uma antiga meretriz de São Paulo que muitas daquelas “polacas” que no meretrício paulista ingressavam não vinham diretamente do Velho Continente, e sim que a grande maioria delas vinha da Argentina, porque lá a mulher com mais de 25 anos, tinha dificuldade de ganhar a vida como prostituta. Os argentinos gostavam de mulheres jovens, já os brasileiros não, eram mais conservadores.
         Durante muito tempo, a antonomásia de polaca, empregada pela imprensa de Pelotas toda vez que esta se referia à prisão de uma ou outra prostituta, em especial nas primeiras décadas do século vinte, me chamava a atenção do porquê de por tal apelido serem elas conhecidas.
         Inicialmente, achei que era por serem muito brancas e com cabelos claros ou até mesmo louros. Posteriormente e por ocasião de um texto que produzi, denominado de O projeto de branqueamento das charqueadas pelotenses, achei que eram essas mulheres, vez por outra citadas nas colunas policiais, remanescentes de famílias polonesas para cá trazidas para o trabalho nas charqueadas. Depois, relendo a obra de Yvette Trochon, que eu havia adquirido em Montevidéu em 2006, entendi que não, ou pelo menos é o que me parece, ainda hoje.
         A partir desse meu novo olhar, e influenciado ainda pela obra do Aldyr Garcia Schlee, Contos da vida difícil, ficou tudo muito claro: Pelotas, a exemplo de outras cidades, ainda que em menores proporções, esteve entre a rota internacional dos cafetões responsáveis pelo famoso tráfico de escravas brancas, e que neste trabalho os denominarei de senhores das prostitutas.
         No entanto, é preciso ressaltar que embora Pelotas de um momento para outro se visse empestada por uma quantidade enorme de gigolôs, não esteve diretamente incluída na rota internacional do tráfico de “escravas brancas”, pois esta rota, pelo menos no Brasil, tinha como alvo apenas algumas capitais.
         Aquele fenômeno, que dera início em Pelotas no ano de 1929, foi consequência da varredura que as autoridades policiais de Porto Alegre desencadearam contra os barões da “carne branca” que lá existiam, perturbando a ordem e atentando contra a moral e os bons costumes.
         É importante salientar que o ano de 1929 não foi pioneiro em inaugurar a presença expressiva de cafetinas e cafetões em Pelotas, pois, já no ano de 1906, no mês de março, o subchefe de polícia, Sr. coronel Cristóvão José dos Santos, deu início ao que a imprensa, na época, denominou de “campanha moralizadora”, cujo propósito era extirpar do meio social o “horrível cancro do caftismo”.
         Dizia, então, um jornalista que em Pelotas, como no Rio de Janeiro e em todas as cidades populosas, as velhas hetairas, já impossibilitadas de comerciarem seus corpos, por velhice, e os rufiões [proxenetas] sevandijas [seres desprezíveis] entregavam-se ao abominável comércio de mulheres jovens que, incautas ou de “índole fraca e pervertida, se deixavam levar à perdição total e ao vício”.
         Entretanto, aquela autoridade que vinha observando, há algum tempo, aquele movimento e comércio na cidade, resolvera pelo menos diminuí-lo, através de uma enérgica repressão àquela ilícita atividade, dizia o jornalista.
         Que não lhe doessem às mãos naquele meritório trabalho, pois bem certo era que, com o extermínio de cáftens e caftinas, faria com que diminuísse a lista de infelizes e exploradas prostitutas.
         Na matéria seguinte, dia 10 de março daquele mesmo ano, como resultado da ação desenvolvida pelo Sr. coronel Cristóvão José dos Santos, era noticiado terem sido presos e recolhidos ao xadrez do 3º posto as famigeradas e temíveis caftinas Avelina Dutra, moradora à Rua 3 de Maio; Isabel Dias, Rua Dr. Miguel Barcelos; Joaquina Machado, Rua Marechal Deodoro; Epomina dos Santos Coimbra, Rua Marechal Deodoro;  Maria das Dores Cunha, Rua Tiradentes; Eliza Balarine, Rua Tiradentes [ex restaurante da célebre Catarina Cuniga, a qual, segundo o jornal: felizmente já longe desta terra].
         Outras velhas alcoviteiras haviam fugido, bem como uns indivíduos que vilipendiavam o próprio sexo e também serviam de alcoviteiros.
         Essas miseráveis criaturas, dizia o jornalista, deveriam ficar sob as vistas do Dr. promotor público, tendo em consideração que o delito cometido por elas estava previsto nos artigos 277 e 278 do código penal, que estipulava penas de 1 a 2 anos de prisão e multa de 1.000$000.
         O Sr. coronel Cristóvão daria aos cáftens de ambos os sexos a punição merecida dentro da esfera de suas atribuições, estando disposto a deportar aqueles que reincidissem naquele crime.
         Três dias depois da prisão dos cáftens e caftinas, foram estes soltos sob a condição expressa de não prosseguirem mais naquela “infame profissão”. A polícia judiciária exerceria rigorosa vigilância.
         Era, também, ao final da notícia dito que havia sido presa outra caftina, Maria da Conceição, vulgo Baianinha.
         Desde aquela operação   contra o caftismo, desencadeada em 1906, até o ano de 1916,  não encontramos nenhuma outra cruzada registrada pela imprensa. Não estamos com isso pretendendo dizer que a exploração de mulheres tenha cessado, e sim, que tal prática deve ter ficado em níveis que as autoridades não tivessem de tomar providências.
         Já no ano de 1916, o editorial do jornal O Dia de 10 de outubro de 1916, chamava a atenção para o caftismo em Pelotas, que estava progredindo a passos largos graças à inépcia da polícia, cujas ações não passavam do limite banal de ouvir queixas, todos os dias, a toda hora.
         E sabia-se que uma indústria progredia, quando se via os produtos desta disseminados no mercado e entregue ao largo consumo público.
         O produto do repulsivo comércio do caftismo era o meretrício vivo, que pela cidade se exibia com representantes de menos de 15 anos de idade, e que tinham iniciado seus passos de vício e infelicidade passando nos antros fétidos das muitas megeras que tinham oficina montada com o propósito de desenvolver a prostituição.
         Bastava que um canalha qualquer se enamorasse de uma infeliz, cuja inexperiência estava em razão direta da sua falta de educação e de outros maus elementos de família e de sociedade, e a sua desonra era comprada à caftina, a preço estipulado.
         Era uma miséria, mas era uma verdade, ainda mais que aquilo tudo ocorria sem que a polícia tomasse providência alguma.
         Não há muito, o jornal Opinião Pública fizera denúncia em volta de um caso de sedução e defloramento, citando a casa da “preta” asquerosa onde o crime se havia consumado.
         E o que fizera a polícia? Nada, absolutamente nada, afirmava o jornalista.
         Era espantoso.
                                                                                              Continua...
_____________________________________________
Fonte de pesquisa: Bibliotheca Pública de Pelotas/CDOV
Revisão do texto: Jonas Tenfen

Postagem: Bruna Detoni

Nenhum comentário:

Postar um comentário