terça-feira, 14 de março de 2017

O ato de criação do Mercado Central de Pelotas e outros atos



                                                                   A.F.Monquelat



         Em entrevista concedida ao jornal A Opinião Pública sobre a Pelotas do passado, disse o longevo Francisco Nunes Garcia, no ano de 1945, aos 119 anos de idade, que antes da instalação do Mercado Central na área adquirida em 1846, para tal propósito, ali funcionava uma pequena casa de comércio, que fornecia mercadorias aos moradores das redondezas.
         Embora a área tenha sido adquirida em 1846, sua construção deu-se entre os anos de 1849 e 1853.
         O ato de criação do Mercado Central de Pelotas ocorreu através do Projeto de Lei Nº 27, no qual “A Assembléia Legislativa Provincial decreta:
         Artigo 1º - O Presidente da Província fica autorizado a despender a quantia de dez contos de réis para a compra de um terreno na cidade de Pelotas, em que deve ser edificada uma Praça de Mercado.
         Artigo 2º - A compra será realizada por intermédio da Câmara Municipal daquela cidade.
         Artigo 3º - A mesma Câmara será obrigada a apresentar na futura sessão legislativa não só a planta, e orçamento daquela obra, como também os meios, que julgar convenientes à pronta construção da dita obra.
         Artigo 4º - Fica revogada qualquer disposição em contrário. Sala das Sessões, 13 de março de 1846”.
         Na obra “Colleção das Actas da Camara Municipal D’esta Cidade no Anno de 1853. Impressão oferecida à mesma por Cândido Augusto de Mello” lê-se a página 6, com o título de “Obras municipais”, que: aplicou a camara as sobras da sua receita à edificação da praça do Mercado. Este edifício de abóbada e soteia, elegante vasto e bem construído (citarei com louvor o nome do empresário o Sr. Theodolino Farinha) não tem comparação com alguma das praças da província, e é mesmo superior o da capital do império, segundo a opinião de pessoas habilitadas.

Quanto à cisterna do Mercado e sua importância para a cidade
         Os gastos da Câmara com o edifício foram de 70:452$920 réis, incluindo a sua cisterna para 900 pipas de água. Obra sem dúvida digna da praça em que está colocada.
         No capítulo “Fontes de água potável”, é dito que: à exceção das denominadas cacimbas do mato, e de algumas que a câmara mandou abrir na direção das ruas que correm de Este para Oeste, nenhuma outra existe, não se tendo podido aproveitar a do tanque feito em 1848, junto daquelas cacimbas. Suponho que só com grande despesa se poderá obter água potável suficiente para abastecer a cidade, e é por isso que disse ser de muita utilidade e valor a cisterna do Mercado.

O Código de Posturas e o Regulamento da Praça do Mercado         Como consequência ainda da edificação do Mercado Central, surgiu, propositalmente, ao Código de Posturas do Município da Cidade de Pelotas, o 1º Regulamento da Praça do Mercado da Cidade de Pelotas, compilado em 1850 e editado em 1865 na Typographia do Commercio.
Quanto aos negros
         Dentre os artigos contidos naquele Regulamento, constava no Artigo 15 que: Fica proibido andarem pretos de ganho [negros contratados ou alugados por dia ou tarefa, geralmente escravos] dentro da praça e os escravos que forem ali mandados por seus senhores às compras, não se deverão demorar além do tempo necessário para efetuá-las: o fiscal os mandará dispersar.

Quanto aos animais
         Segundo o Artigo 16: Fica proibido entrarem pessoas a cavalo dentro da praça, bem como quaisquer animais, ainda mesmo puxados pela rédea, ou por outra qualquer coisa: também fica proibido amarrar-se nos portões. Os infratores serão multados em 6 réis, e o animal apreendido e posto em depósito até a satisfação da multa.

Quanto aos ajuntamentos
         Dizia o Artigo 17 que: É absolutamente proibido todos e quaisquer ajuntamentos, tocatas, danças, jogos, palavras ofensivas à moral pública. Os infratores incorrerão nas multas do artigo 77 das posturas.



O mercado e os quitandeiros antes da construção do Mercado
         Na Planta do Rio de São Gonçalo, levantada pelo segundo-tenente da Armada, Pedro Garcia da Cunha, em 1838, é visto, com a denominação de “lugar destinado para praça da quitanda”, onde, de acordo com o vereador Nascimento Filho, em sessão realizada em 11 de junho de 1849, estavam localizados os quitandeiros e quitandeiras, geralmente negros, em Pelotas.
         Propunha aquele edil à câmara, que os quitandeiros instalados no limitado espaço de terreno [localizado próximo à Igreja Matriz] em que estava colocado o “chamado mercado”, e bem assim ao exorbitante preço que estes, ali instalados, eram obrigados a pagar mensalmente pelo chão que ocupavam as pequenas barracas que construíram, para se abrigarem do rigor da estação e os objetos que vendiam: que a Câmara ordenasse  ao Fiscal desta para que, no improrrogável prazo de trinta dias, fizesse mudar o “dito mercado” para o terreno comprado por essa “para semelhante fim”, permitindo que no mesmo construíssem barracas de 15 palmos [em torno de 3 metros] de frente, e os fundos que quisessem os mencionados quitandeiros, os quais deveriam ficar dez palmos para o interior das ruas de São Miguel [atual 15 de Novembro] e Martins Coelho [atual Tiradentes] para onde fariam fundos; cobrando-se dois mil réis mensais por aluguel do terreno que ocupasse cada barraca, que passaria a fazer parte da renda mensal, tornando-se pública tal resolução para que as partes interessadas tivessem tempo de efetuar sua mudança.
         Apesar de aprovada a proposição, com alguma alteração, tal não ocorreu, pois a Câmara suspendeu a mudança antes desta ser posta em prática.

Outros atos
         O Mercado Central de Pelotas, hoje com seus 171 anos de idade, desde o ato da sua criação até os dias atuais, tem sido guardião e palco de ações e cenas que compõe a memória da cidade.
          Nele se desenvolveu muitas cenas, desde grandes espetáculos públicos, quanto de violência e degradação humana.
         Em seu interior, bem como em seu em torno, ocorreram diversas cenas de barbárie. Foi ele palco de perseguições e capturas de escravos por parte de capitães do mato e soldados a soldo dos senhores de escravos, agressões a negros, escravos ou não, quitandeiras, pobres, prostitutas, boêmios e até mesmo viajantes estrangeiros, que ali procuraram abrigo junto às bancas do peixe nas noites frias ou por bebedeira. Também foi palco de contravenções e apreensões, por jogatina em suas bancas, tentativa de estupro em uma menor por parte de um de seus comerciantes, ou até mesmo ponto de caftinagem. Em fim, ocorrências que, considerada a sua natureza fizeram e fazem parte do cotidiano de um mercado.
         Para exemplificar o que dissemos, selecionamos quatro entre centenas de episódios envolvendo o Mercado Central e seus atores, dentre esses os que envolveram quitandeiros:
A atividade quitandeira, pelo menos em Pelotas, era exercida geralmente pelas negras minas, fossem elas livres ou escravas de ganho.

Atenção Sr. Subdelegado , estão bulindo com as quitandeiras no Mercado
O jornal Onze de Junho fora informado que na Praça do Mercado, cotidianamente, se davam cenas vergonhosas entre “algumas pretas quitandeiras e uns sujeitinhos dali, que se divertem à custa das infelizes”.
Ainda na véspera, seis de junho de 1883, uma daquelas pobres fora vítima da estupidez e grosseria de um indivíduo, que além de lhe comer parte da quitanda julgou-se com direito de esbofeteá-la.
E, como era de se esperar, a quitandeira não podendo apelar para a força muscular, recorreu à da língua, proferindo uma longa cantiga pouco adequada para lisonjear ouvidos acostumados ao lírico.
Tais cenas, dizia o jornalista, não eram de hoje.
Quem frequentasse o Mercado Público pela manhã, seguidamente presenciava cenas idênticas.
Até então havia muita tolerância para com aqueles fatos; mas, já era hora de reprimi-los.

“Quando o macaco anda infeliz, não há galho que o aguente”
É o que achava o jornal Rio-Grandense com relação ao capitão Tibério, em sua edição de sete de julho de 1885, isto porque aquele domingo tinha sido um dia azarento “para esse herói”.
Logo pela manhã, no Mercado, sofrera ele um descalabro terrível. O caso foi que Tibério, querendo exercer as funções de fiscal da Câmara, proibira que as quitandeiras falassem em voz alta; as filhas da África, não satisfeitas com a determinação deram-lhe uma vaia, que o obrigou a sair dali apressadamente; e tão apressadamente saiu que no portão que dava para a Rua São Miguel (atual 15 de Novembro) esbarrou com “um pobre preto” que vendia mondongos, derrubando o vendedor e os mondongos no chão.

A morte da quitandeira
         Aos 26 de abril de 1890, o jornal Correio Mercantil publicava sob o título de “Morte súbita” que, no dia anterior pela manhã, morrera repentinamente a preta Maria, moradora em uns quartos da Rua Independência [atual Rua Uruguai] nº5, quando se preparava para, como de costume, vender as suas quitandas no Mercado Público.

O espancamento do quitandeiro
         O Sr. Dr. Antero Moreira Leivas, promotor público da comarca de Pelotas apresentou, em 17 de maio de 1921, denúncia contra Carlos Peters, o violento fiscal do Mercado Central, e Ataíde Bonifácio da Silva, Henrique Augusto Prates e Jacinto Rossalvo dos Santos, soldados da polícia administrativa, mandante e autores do bárbaro espancamento de que fora vítima o quitandeiro Silvino Moreira da Silva.

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Fonte de pesquisa: Bibliotheca Pública de Pelotas/CDOV e Mercado Central Pelotas 1846-2014, Klécio Santos – Pelotas, Fructos do Paiz, 2014.

 Revisão do texto: Jonas Tenfen

Postagem: Bruna Detoni

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