terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Devaneios (1)

O banco do Capitão e a família Marimbondo

                                                                                    
                                                                                     A.F. Monquelat

         Em princípio, relutei bastante para tomar aquela decisão. Achava-a irrelevante. Ou melhor, totalmente desnecessária. Mas depois, e refletindo sobre, decidi que não. Ou, pelo menos é o que eu pensava.
         É verdade que eu andava calvo de ideias porém era necessário que eu me decidisse quanto a ir ou não, afinal, embora eu não tivesse dito que sim, estava implícito que o faria.
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         Passando pela praça central, que desde muito cedo chamava de praça do Deixa que eu pago, devido ao fato do homenageado estar irreversivelmente com a mão no bolso em um gesto característico de quem vai pegar o dinheiro para pagar algo, pedi ao Jonas, que juntamente com o Arthur me acompanhavam em direção ao Café, que tomasse uma foto minha ao lado do Capitão, este recentemente havia sido entronizado na galeria dos vultos ilustres da cidade, com direito a estátua na praça central. O autor dos Contos Gauchescos diferia, e muito, dos demais monumentos ali residentes. Era uma estátua à la Carlos Drummond, cujo escultor, o Santana,  mineiro também, viera para acompanhar a instalação e o ato de inauguração do monumento.

Minha neta, Celina, posando com Simões.
 
Antes da tomada da foto, aconteceu algo que eu ainda não vira, e que decerto já havia acontecido antes e deverá ainda acontecer outras vezes, um casal acompanhado de uma menina estava a observar o bronze, o homem levou a mão em direção ao peito do Simões e bateu com o nó dos dedos no Capitão como se fora uma porta, que se abriria depois daquele toc-toc e, quase que simultaneamente, a menina estendeu a mão em direção ao livro, que jaz no colo do homenageado, como se pudesse pegá-lo.  
        Nosso hábito de sair ao final do expediente da Livraria, todas as quartas-feiras, em comitiva maior do que aquela - pois não estaria presente a Condessa, apelido que eu dera há bastante tempo para a Bruna, tampouco o Leonardo e a Marília - vinha desde muito. Decidimos, então,  ir ao Café no sábado, pois na quarta-feira seguinte não o faríamos, tendo em vista a viagem de parte do grupo. 
         Ao passarmos em direção à praça, cujo habitual trajeto mudou para que os dois vissem o banco do Capitão, nos detivemos para uma inspeção e tomada de fotos tendo Simões como companhia.
         Bem, voltando então aos meus devaneios, dali seguimos nossa caminhada em direção ao nosso objetivo, que chamamos de o último cafezinho do ano.
         Após o cafezinho deixei-os na porta do Café e fui em direção ao Mercado Central, lugar onde costumo embarcar no ônibus que dali sai, as 12h15, em direção ao Laranjal.
         Depois do almoço, e da tradicional séstea dos sábados, preparei o meu mate e resolvi passar as fotos tiradas com o Simões para a respectiva pasta, que inaugurei antes da inauguração da estátua, bem como enviar ao Jonas algumas delas, conforme prometera a ele. Ao ver a única que tirei, sentado ao lado do Capitão, resolvi usá-la para atualizar a foto do meu perfil no Facebook, o que ao mesmo tempo me oportunizaria ver a reação dos que a vissem, e porventura fizessem algum comentário.


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         Eu, ainda que não procure por Simões em minhas pesquisas, sou vez que outra por ele procurado. Nossos encontros, não por obra do acaso como pensam alguns, são acidentais. Simões Lopes Neto na minha caminhada é desvio de percurso, não o caminho principal.
         Nossos encontros começaram na década de oitenta do século vinte quando da elaboração, de parceria, da obra ainda inédita, concluída em 1985 que é Coletânea e notas biobibliográficas de poetas pelotenses, obra que reúne 122 poetas nascidos em Pelotas, inclusive Simões Lopes Neto, que ali se encontra, desde então, com o poema Réve.
         O encontro deste poema, bem como a recolha de outros textos que fiz e venho fazendo de lá para cá, não é obra do acaso repito, acontecida no “revirar” velhos jornais da nossa Bibliotheca Pública Pelotense, e sim ocorrências acidentais, que são inevitáveis por uma série de motivos. Dentre estes destaco o fato da Bibliotheca Pública abrigar, se não todos, quase todos os jornais da época de Simões Lopes e, dentre estes os que ele trabalhou, ou simplesmente colaborou. Encontrar textos de Simões, alguns até então pouco conhecidos, ou desconhecidos por seus biógrafos e estudiosos, não é e nem será surpresa alguma já que ali estiveram e estão, à espera de alguém que os resgate, como foi o caso de A Família Marimbondo, assinado por um dos seus pseudônimos, em especial nos textos teatrais, que é o de Serafim Bemol.
         Gostem ou não de Simões Lopes Neto,  é hoje e cada vez mais um fato irrelevante, pois o autor de Lendas do Sul há muito ocupa lugar de destaque, não só na literatura do Rio Grande do Sul, mas, e também na literatura brasileira.
         Em Novos textos simonianos (1991) chamei Simões de multifacetado, e tal expressão usei para denominar o autor dos Casos do Romualdo e demais escritos, tão somente para o literato Simões. Quanto aos “negócios do Capitão”, tema que suscita muitas interrogações e bastantes disparates a respeito, me reservo o direito de aqui não opinar.
         Minhas ressalvas quanto ao homem Simões Lopes Neto são quase as mesmas que tenho quanto ao poeta Francisco Lobo da Costa e, grosso modo, podem ser resumidas a uma única e importante questão, tanto Simões quanto Lobo da Costa foram omissos quanto a não terem traçado através de textos (ensaio, artigos, depoimentos ou memórias) a Pelotas escravocrata de suas épocas.
         Qual o motivo que os teria levado a silenciar sobre o que seus olhos e ouvidos viram e escutaram?
         Quanto ao que ambos não nos legaram, não me venham, por exemplo, com textos tipo Inquéritos em Contraste (arremedo de jornalismo reportagem, à moda João do Rio) ou poemas, e poucos são, tidos como de cunho social, deixados por Lobo da Costa, os quais  não passam de registros de fatos, e não denúncias quanto as barbáries e injustiças praticadas na Princesa do Sul.
         A pergunta que devemos nos fazer é: quais os motivos que levaram Lobo da Costa e Simões, dois expoentes das letras pelotenses, a silenciarem sobre tão relevante assunto?
         Quanto a minha dúvida inicial, que era a de ir ou não ao lançamento do livro A família Marimbondo, resolvi que sim, na expectativa de não ter de falar sobre Simões Lopes Neto, e sim sobre a minha atividade de pesquisador, que encontrara pelo caminho mais um texto do Capitão.

         

Silvia e Nóris, posando com o capitão e o livro A Família Marimbondo 

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