quarta-feira, 20 de novembro de 2019

RS e Pelotas na obra de Machado de Assis Parte 03


RS e Pelotas na obra de Machado de AssisParte 03


A. F. Monquelat [revisão]
Jonas Tenfen

 
O vidigal diante da casa de Vidinha, de Firmino Monteiro (1880)

Continuemos em 1894. Em 25 de novembro, Machado de Assis começa sua crônica com um longo debate filológico sobre as origens e grafias para a palavra piquenique (aqui, na grafia contemporânea, sem o hífen, o que seria o horror para o autor). Depois de contrapor opiniões de Caldas Aulete e Castro Lopes (o suposto criador da palavra “convescote”), Machado debate a origem da palavra “mentira” depois entra em um caso ocorrido na semana. Em reunião do Conselho Municipal, no Rio de Janeiro, capital do Brasil à época, apareceu hasteada a bandeira do positivismo: hasteamento discreto e anônimo que ouriçou os humores. Aqueles que consideraram o ato odioso lembram que foi o positivismo a origem da revolução em RS. Por fim, a conclusão do cronista sobre a origem da bandeira:

“De resto, a agitação é sinal de vida e melhor é que o Conselho se agite que durma. Esta semana o caso da bandeira, que é um dos mais graciosos, agitou bastante a alma municipal. Se o leste, é inútil contar; se o não leste,é difícil. Refiro-me à bandeira que apareceu hasteada na sala das sessões do Conselho, em dia de gala, sem se saber o que era nem quem a tinha ali posto. Pelo debate viu-se que a bandeira era positivista e que um empregado superior a havia hasteado, depois de consentir nisso o presidente. O presidente explicou-se. Um intendente propôs que a bandeira fosse recolhida ao Museu Nacional, por ser “obra de algum merecimento”. Outro chamou-lhe trapo. O positivismo foi atacado. Crescendo o debate, alargou-se o assunto e as origens da revolução do Rio Grande do Sul foram achadas no positivismo, bem como a estátua de Monroe e um episódio do asilo de mendicidade.”
[...] 
“A bandeira não teve destino, foi a conclusão de tudo, e não ser de admirar que torne a aparecer no primeiro dia de gala, para dar lugar a nova discussão, — coisa utilíssima, pois da discussão nasce a verdade. Para mim, a bandeira caiu do céu. Sem ela esta página que começou pedante, acabaria ainda mais pedante.”


Iniciemos 1895. Em 11 de agosto, uma crônica que reuniu colagem de impressões e leituras, crítica velada ao poder das letras. Do estado do Rio Grande do Sul, a menção a uma figura do senado:

“A impressão de que falei, vem de anos longos. Desde muito morrera Paraná e já se aproximava a queda dos conservadores, por intermédio de Olinda, precursor da ascensão de Zacarias. Ainda agora vejo Nabuco, já senador, no fim da bancada da direita, ao pé da janela, no lugar correspondente ao em que ficava, do outro lado, o Marquês de Itanhaém, um molho de ossos e peles, trôpego, sem dentes nem valor político. Zacarias, quando entrou para o Senado foi sentar-se na bancada inferior à da Nabuco. Eis aqui Eusébio de Queirós, chefe dos conservadores, respeitado pela capacidade política, admirado pelos dotes oratórios, invejado talvez pelos seus célebres amores. Uma grande beleza do tempo andava desde muito ligada ao seu nome. Perdoe-me esta menção. Era uma senhora alta, outoniça... São migalhas da história, mas as migalhas devem ser recolhidas. Ainda agora leio que, entre as relíquias de Nélson, coligidas em Londres, figuram alguns mimos da formosa Hamilton. Nem por se ganharem batalhas navais ou políticas se deixa de ter coração. Jequitinhonha acaba de chegar da Europa, com os seus bigodes pouco senatoriais. Lá estavam Rio Branco, simples Paranhos, no centro esquerdo, bancada inferior, abaixo de um senador do Rio Grande do Sul, como se chamava? — Ribeiro, um que tinha ao pé da cadeira, no chão atapetado, o dicionário de Morais e o consultava a miúdo, para verificar se tais palavras de um orador eram ou não legítimas; era um varão instruído e lhano. Quem especificar mais? São Vicente, Caxias, Abrantes, Maranguape, Cotegipe, Uruguai, ltaboraí, Otoni, e tantos, tantos, uns no fim da vida, outros para lá do meio dela, e todo presididos pelo Abaeté, com os seus compridos cabelos brancos.”
           
A figura cujo nome estava incompleto e não mereceu machadianamente uma pesquisa para contrapor a lacuna da memória era José de Araújo Ribeiro, Visconde de Rio Grande (1800 – 1879). Herdeiro de charqueada, advogado, escritor e diplomata, foi neste último campo que possuiu mais relevo reorganizando as relações diplomáticas entre Brasil e Portugal depois da Independência, por exemplo.

Machado de Assis
Em 18 de agosto, uma crônica sobre a escalada da violência urbana. O mote inicial fora o tiro no pé que acidentalmente vitimara um ex-presidente do Uruguai, Sr. Herrera y Obes: o revólver que trazia no bolso disparou enquanto assistia a uma peça de teatro. Do revólver no descuidado bolso uruguaio, para o uso do revólver no Brasil, em contraposição da navalha, uma descrição da violência crescente na cidade do Rio de Janeiro e a boa lembrança de tempos antigos: “Tempo houve em que esta boa cidade dormia com as janelas abertas e as portas apenas encostadas. Não se andava na rua, à noite. O painel do nosso Firmino Monteiro mostra-nos o famoso Vidigal e dois soldados interrogando um tocador de viola. As noites eram para as serenatas, e ainda assim até certa hora. O capoeira ia surgindo; multiplicou-se; fez-se ofício, arte ou distração...”
            A crônica trata da defesa da vida e da propriedade que, afinal, era o que importava. RS aparece como um exemplo, uma frase rápida, mostrando desdobramentos do encerramento da Federalista: “Sem querer, estou falando da vida e da propriedade, e suas garantias, que é o assunto que se examina agora no Rio Grande do Sul. O mundo afinal reduz-se a isto”. É hábito antigo da mídia brasileira reclamar para o endurecimento das leis, aumento da força policial e expansão da repressão como forma efetiva de garantir a paz na sociedade.
              Em 1 de março de 1896, crônica com notícias do fim da Federalista. Peça literária importante para quem se interessa por este episódio da história do Brasil:

“Um dia acabou a revolta, — ramal ou prolongamento da revolução do Rio Grande do Sul, que também acabou. Petrópolis, lá de cima, espiou cá para baixo e, vendo tudo em paz segura, sarou de repente. Achou-se, é certo, convertida em capital de um Estado, único prêmio (salvo alguns discursos e artigos) que a triste Praia Grande colheu do combate de 9 de fevereiro. Não contesto que os Estados devam andar asseados e mudar de capital como nós de camisa; mas, enfim, a velha Praia Grande pode suspeitar que foi por estar manchada de sangue que a degradaram, quando a verdade é que a troca de capital não nasceu senão de um sentimento de elegância muito respeitável. O que a pode consolar é que Petrópolis não tem vocação administrativa nem política. Naturalmente faz que não vê o governador do Estado, não ouve nem lê os discursos da assembleia, e trata de se refazer e continuar o que dantes era.”

O fim da federalista foi o fim da atenção do cronista Machado de Assis sobre o Rio Grande do Sul, pelo menos nas folhas de “Gazeta de Notícias”. Cabe-nos agora discutir Pelotas na obra do escritor, que pode ser percebida na crônica...

Continua...

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Fonte: há muitas obras completas de Machado de Assis disponíveis online, para este texto utilizamos o site Domínio Público (domíniopublico.gov.br). A imagem de Machado de Assis é Wikicommons. O quadro de Firmino Monteiro, com excelente texto sobre, está disponível no site do Itaú Cultural (http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra19942/o-vidigal-diante-da-casa-de-vidinha).


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