quarta-feira, 7 de agosto de 2019

Primeira Guerra Mundial em Pelotas Parte V - Um capítulo na cidade de Rio Grande

Primeira Guerra Mundial em Pelotas Parte V
Um capítulo na cidade de Rio Grande


A. F. Monquelat
Jonas Tenfen
       
         
            O título da série, como bem em destaque acima, é “Primeira Guerra Mundial em Pelotas”, porém hoje iremos abrir um parêntese para tratar de acontecimentos em cidade vizinha. Da mesma forma que houve uma noite das fogueiras em Pelotas, ocorreu semelhante cenário de vandalismo na cidade de Rio Grande, na madrugada de 1 a 2 de novembro de 1917, conforme nos informa o jornal O Rebate.
          O autor da matéria ocultou elogios sob justificativas, mas, estranhamente, menciona que a situação quase saíra do controle beirando a assumir caráter gravíssimo. Sem mortos e feridos, apenas patrimônio depredado, em especial a sede do Clube Germania. O incêndio nesta propriedade por pouco não se alastrou pela cidade danificando e destruindo propriedades de brasileiros, talvez o gravíssimo alertado pelo colunista.
          Pelas 22 horas, massa de rio-grandenses se reuniu no centro da cidade e se dirigiu, aos gritos de “vivas” e “morra” (ao Brasil e seus aliados, e à Alemanha, respectivamente), à sede do Clube Germania, antiga e atuante sociedade, localizada à rua Conde de Porto Alegre, esquina Benjamin Constant. O clube “era também o foco de maquinações contra o Brasil, tendo por vezes se dado, ali cenas condenáveis, atentatórias do brio nacional brasileiro.” Descrição destas cenas atentatórias ou prova destas maquinações não foram dadas pela matéria.
          As trancas das portas e janelas foram facilmente violadas. O criado do local, chamado Miguel Linder, fugiu pelo telhado sem tentar nenhuma defesa da propriedade ou conversa com a turba. Imagina-se que um ou outro vizinho do clube deve ter fugido também, bem como se imagina que a turba deve ter depredado casas de brasileiros ali próximas. Várias pedras foram atiradas ao clube, uma ou outra deve ter atingido vidraça brasileira.
          Depois de quebradas as vidraças, o clube fora invadido e iniciado o trabalho de bota abaixo. Quebrou-se “móveis, louças, miudezas, inutilizando mercadorias e bebidas, destruindo símbolos alemãs, inclusive bandeira e retratos do Kaiser.” Ao recém concebido entulho, amontoado no centro da sede, fora acrescido querosene e as labaredas não se fizeram tardar. 
Uma peça, contudo, foi trazida à rua: um piano. A única descrição deste instrumento musical fornecida é o de magnífica. Suas teclas foram arrancadas uma a uma a golpes de martelo. Depois, o corpo do móvel foi reduzido a pedaços por pancadas e chutes. Sempre aos gritos de incentivo. Não se manteve descrição para sabermos se o piano aos pedaços fora lançado na grande chama do Germania, ou se fora abandonado à rua à espera do serviço de limpeza da cidade.
            Da destruição, poupou-se uma bandeira nacional e um busto de Rio Branco.
      Pichações e apedrejamentos por toda a Rio Grande. Imaginamos que a turba que atacou a sede da sociedade Germania se dividiu em porções menores para praticar novos atos de vandalismo. Isso explicaria a abrangência dos ataques em curto período de tempo. A saber, as casas atingidas – com descrição dos estragos – foram as seguintes:
Escritório da Firma Wachtel: quebramento de todos os vidros da frontaria e retiradas das placas de metal;

  • Casa Bromberg: quebramento de quase todos os vidros, pichações de “Morra a Alemanha” e de cruzes, torção das grades, inutilização de lâmpadas elétricas;
  • Casa Carlos Albrecht & C.: quebramento da placa de mármore.
  • Casa Fraeb& Comp.: qubramento de todos os vidros, arrombamento, tantativa de incêndio (que não se verificou pela atuação do sargento Medeiros, da polícia municipal, que retirou do recinto os papéis em chamas);
  • Livraria Rio Grandense: de propriedade de Ricardo Strauch, onde ocorreu a retirada de mastros, quebramento de vidros e vitrines;
  • Casa de bebidas de Emílio Schoene: que fora assediada, mas não atacada, pois o proprietário do prédio, Franklin Pegas, brasileiro nascido em Ri Grande, se pôs à frente do estabelecimento e reclamou respeito a casa. Conseguiu que a turba se dirigisse a outro local, mostrando uma desproporção entre coragem e sorte;
  • Colégio Alemão: o redator da matéria só se resume a descrever “grandes estragos”;
  • Companhia de charutos Poock;
  • Escola Alemã na ex-fábrica de Cerveja Klinger: quebramento de vidraças. O tenente Francisco Diniz da Silva pôs-se entre a multidão e à ex-fábrica de cervejas com facão em mãos; por interferência do major Tinoco, a multidão não partiu para cima do tenente. O proprietário das instalações, sr. dr. Antonio Klinger, aparece à janela de casa ao lado e deu vivas ao Brasil. Temia, por certo, que uma vez depredada a escola, sua casa seria a próxima. 
          A sede do Tiro Alemão estava protegida por uma patrulha de cavalaria, daí não termos notícias de depredações desta instituição.
          Durante a longa lista de depredações organizada acima, notícias de ataques a duas residências se destacam. A primeira, a do sr. Hermann Meissner, cônsul austríaco. Estava dando abrigo a alemães que tripulavam dois navios que foram aprisionados no porto (os navios “ex-alemães” Santa Rosa e Monte Penedo) e, a estes, auxiliou na fuga emprestando uma condução sua. Sua residência, contudo, fora invadida e depredada, tendo sido destroçados móveis e objetos de arte, mas não incendiada. O que fora incendiado foi um automóvel seu, que, trazido à rua, em breve foi convertido em um monte de ruínas de cinzas.
          A segunda residência, foi o palacete do sr. Fernando Bromberg. Quando um grupo estava prestes a começar o apedrejamento, a exma. sra. d. Elisabeth Nieckels Bromberg apareceu e, de sua sacada, clamou aos conterrâneos que poupassem sua propriedade. Por ser a súplica de uma senhora ou por ser esta nascida em Rio Grande, fora atendida, e a turba se dirigiu a outros alvos.
          Pedras e paralelepípedos foram as constantes neste ataque às casas comerciais e residenciais de alemães e descendentes da cidade de Rio Grande. Outras armas, contudo, começavam a se mostrar. Ontem pela manhã, encerrando o jornalista a matéria em O Rebate, foram encontrados afixados às paredes grades cartazes com a caricatura do Kaiser, no caso Guilherme II, com os dizeres: “A execranda figura do maior criminoso do Universo.”


continua...

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Imagens: Acervo Biblioteca Pública.

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