quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

A bodega da italiana Catarina (*)


                                                                                
 A.F.Monquelat




         A partir da intimação feita pelo Sr. tenente-coronel delegado de polícia aos bodegueiros da Rua General Osório, bem como aos donos de bodega no porto da cidade, em fevereiro de 1891, locais onde havia maior concentração dessas casas de negócio, para que dispensassem as dulcineias, frequentadoras e moradoras de seus estabelecimentos, com o pretexto de serem estas as grandes responsáveis pelas desordens ocorridas, houve, de forma gradativa, uma diáspora e, consequentemente, migração de prostitutas para outros pontos da cidade.
         Acreditamos que tal ato migratório tenha acontecido da seguinte maneira: as meretrizes frequentadoras e moradoras das bodegas da Rua General Osório, que, por longo tempo foi o primeiro e principal point de suas atividades, até porque seus clientes eram, na grande maioria, tropeiros, colonos e outros, assíduos frequentadores das bodegas ali existentes, quase sempre localizadas no período que abrangia da Rua Voluntários até a hoje Avenida Bento Gonçalves, situação essa que durou, pelo menos, até a desobstrução da foz do canal São Gonçalo.
         Com a desobstrução do Canal, tornou-se o porto da cidade um local bastante promissor para os bodegueiros e meretrizes que, embora inicialmente em menor proporção, ali vieram a exercer suas atividades.
         Quando da intimação, tanto uns, umas e outros, tiveram de readequarem-se as novas regras determinadas pelas autoridades, em nome do sossego, bem estar e da moral dos cidadãos da pérola, que se transformara em princesa. Porém, como nem só de trabalho vivem os vassalos, novos locais foram alvo daqueles que queriam gozar de outras formas de vida, até porque não tinham sido aquinhoados ou tampouco encontraram condições de se aquinhoarem nessa minicorte, que era Pelotas.
         Pelotas, nesse período, guardada as proporções, tornara-se uma cidade cosmopolita e, entre a diversidade de seus habitantes, em sua maioria ex-escravos e pobres, somavam-se os inúmeros imigrantes não colonos, que eram os artesãos e aventureiros, atraídos pelo luxo e esplendor que as guaicas dos “pataqueiros da aristocracia do sebo” construíram.
         Voltando aos nossos bodegueiros e dulcineias do passado, que já não eram mais vassalos do Império, e sim, servos da República, espraiaram-se estes então pela zona da Várzea, e outros em direção ao Mercado Público, sem esquecermos-nos das prostitutas que já estavam, ou vieram a se localizarem nas ruas Voluntários, 16 de julho [Dr. Cassiano] e 3 de Fevereiro [Major Cícero].
E é nesta transição e cenário que vemos surgir bem próximo ao quadrilátero do poder político e econômico as primeiras bodegas da Rua Tiradentes, uma delas de propriedade da italiana de nome Catharina Cuniga; bodega que, em curto espaço de tempo, se tornaria célebre e contribuiria para que esta rua se tornasse, por longas décadas, o assunto preferido das páginas de ocorrências policiais.
Assim é que Vitú, jornalista da Opinião Pública, em sua coluna do dia 3 de fevereiro de 1898, comentando sobre a ordem que reinava, à noite, em Pelotas, dizia estarem os moradores da Rua Tiradentes iniciando um abaixo-assinado contra os escândalos que aconteciam na bodega de uma italiana.
Além das musicatas [músicas de baixa qualidade artística] e imoralidades, as bebedeiras ali eram frequentes, com grave escândalo da moral pública.
Quem cuidaria daquilo? Perguntava o colunista.


Cachorro de Catharina leva Papagaio à cadeia

         Dia 31 de janeiro de 1900, a bodegueira Catharina Cuniga que tivera um palpite para o jogo do bicho, palpitara que daria cachorro, bichinho este de sua predileção, pela sua tradicional lealdade e de amigo certo, e lá foi ter com o bicheiro Manoel Gomes dos Santos, vulgo Papagaio.
         Catharina estava certa, deu cachorro.
         Acontece que Papagaio recusou-se a pagar o premio do jogo que com ele havia feito Catharina.
         Não deu outra, lá foi a bodegueira para a delegacia queixar-se ao Sr. delegado de polícia, da cachorrada do Papagaio.
         A polícia, porém, que não estava aí para apurar esses incidentes da afeição, deu com o Papagaio e a devota do cachorro no xadrez, o primeiro por vendedor falso de cachorros e a segunda por acreditar demais na sorte destes.

Por causa de um troco

Ferimento grave: ontem, 23 de junho de 1901, às 23 horas, entraram na bodega de Catharina Cuniga, à Rua Tiradentes, entre 15 de Novembro e General Vitorino [atual Anchieta], dois orientais que pediram um copo de caninha.
Pouco depois, esses orientais, por causa de um troco, promoveram desordem na referida bodega, alarmando a vizinhança.
O Sr. Álvaro Alberto, português, morador no prédio 81, fronteiro a casa onde se dava a rixa e ali estabelecido com sapataria, saindo para ver o que ocorria, foi inesperadamente agredido por um dos orientais, que, armado de faca, lhe desferiu profundo golpe, abaixo da mamica esquerda.
O criminoso foi logo preso e remetido para a cadeia civil, bem como o seu companheiro de falcatruas.
Ambos se negaram a dar os nomes.
Álvaro Alberto foi levado à Farmácia Providência, onde foi medicado pelo Dr. Alves Requião.
O seu estado era grave, achando-se ele em sua residência, no referido prédio.
O ferido era um homem trabalhador e gozava de bom conceito entre seus vizinhos.
Aberto o inquérito pelo Sr. delegado de polícia sobre o ferimento grave,  recebido pelo Sr. Álvaro Alberto, o ofensor, que se encontrava preso, disse chamar-se Mariano Mancia e que fora, por muito tempo, ordenança do finado major da brigada militar Utaliz Lupi.
O Sr. Álvaro, dois dias depois da agressão, apresentava sinais de melhoras.

O golpe do Vigário

          Aos 28 de agosto de 1911, era comunicada a prisão de vários gatunos, os quais haviam sido fotografados por Rafael Grecco, no 3º posto, onde estavam recolhidos aguardando a ação da justiça.
         Dentre os gatunos presos, estava o menor João Pires Toledo que, segundo o jornal Opinião Pública, era o autor do conto do vigário de que fora vítima Catharina Cuniga.

Desordem na bodega

         Dia 13 de outubro de 1911, às 20h30, na conhecida bodega de Catharina Cuniga, foco de contínuas desordens, dois soldados do Exército promoveram grossa baderna, provocando grande ajuntamento de povo.
         Ao trilar de apitos, compareceram vários guardas da Polícia Administrativa, que a muito custo conseguiram levar os perturbadores da ordem ao lº posto.
         O fato foi comunicado, pelo telefone, ao tenente Manoel de Faria Corrêa, comandante do destacamento do Exército, o qual deu as devidas providências.

Encontrado morto

         Dia 14 de junho de 1913, às 13 horas, uma empregada da bodega de Catharina Cuniga encontrou morto, à Rua Tiradentes nº 564, um homem de cor branca, de 70 anos presumíveis.
         Em seu quarto, foram encontrados uma mala de mão e um baú contendo roupa.
         Comunicado o fato ao Sr. capitão Pedro Dias, delegado de polícia, este compareceu em companhia do Dr. Arnaldo Menezes, médico municipal e que atestou o óbito.
         Aquela autoridade providenciou no sentido de ser o cadáver removido para o necrotério da Santa Casa.

Agressão na espelunca da Catarina

         Dia 3 de janeiro de 1914, à noite, na espelunca de Catarina Cuniga, Sílvio Veleda, depois de rasgar as vestes de sua amásia a espancou brutalmente.
         O agressor foi preso e recolhido ao 1º posto.

Prostitutas promovem desordem na bodega


            À celebérrima quadra da Rua Tiradentes, entre 15 de Novembro e General Vitorino, na famosa bodega de Catharina Cuniga, a mulher Colota, vulgo Ruiva, promoveu dia 16 de janeiro de 1915, grande desordem com suas companheiras de prostituto.
         Comparecendo um guarda do 1º posto, a desalmada fugou, barafustando pelo Hotel Portugal.
         O guarda, cujo número de identificação desaparecera muito de propósito, invadiu o estabelecimento e, sem pedir licença a quem quer que fosse, arrancou dali a mulher, a socos e pontapés, e do mesmo modo conduzindo-a até o 1º posto.
         Como se vê, a nossa polícia prima sempre pela cortesia e urbanidade, conhecendo a fundo as leis e as regras de educação!...

Baderna na espelunca da Catarina

         Augusto José Farias, 30 anos de idade, “cor preta”, natural de Canguçu, residente nas Três Vendas, meteu-se em uma baderna, dia 22 de março de 1915, na Rua Tiradentes em casa da celebérrima Catarina Cuniga, tendo recebido um ferimento inciso da região frontal esquerda, produzido por copo que lhe foi arremessado.
         A polícia não tomou conhecimento do fato.

Nova desordem na bodega da Catharina

         Aos 17 dias de abril de 1916, à noite, vários indivíduos promoveram grande baderna na bodega de Catharina Cuniga, na Encrencópolis, havendo garrafas e móveis quebrados.
         Ao se aproximar a polícia, os badernistas fugiram.    


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(*) Extraído do livro, ainda inédito, A princesa do vício e do pecado

6 comentários:

  1. Estamo no aguardo da obra citada! Moizes.

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  2. Mestre Moizes, o livro está revisado, formatado e com sugestões de capa, somente aguardando o OK do editor para ser impresso, ou não... Vamos aguardar. Grande abraço.

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  3. Ótima noticia, livro novo em breve. Libera ai editor. Abraço. Fábio

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  4. Oi!! Estou pesquisando sobre a prostituição e possiveis prostíbulos na antiga Pelotas e gostaria de saber se podes me sugerir fontes, sobre o assunto? Obrigada.

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    1. Bom dia, Estela. O que são possíveis prostíbulos na antiga Pelotas? Qual o recorte da tua pesquisa? Tenho um trabalho, ainda inédito, que titulei de "A princesa do vício e do pecado", cujo 1º volume vai de 1875 a 1920, que dada a demora do editor em publicá-lo, publiquei em artigos no DM e aqui no blog, que talvez possa te auxiliar. A prostituição, grosso modo, em Pelotas não foi praticada em casas com essa finalidade, e sim nas bodegas ou tascas ou tavernas e, a partir daí foi acontecendo... como verás nos artigos, já publicados, alguns com o título de "Pecado", outros como o da Catarina Cuniga e outros como O Cabaré da Lili, já em quarta parte aqui no Blog. Para maiores detalhes ou outras informações: afmonquelat@gmail.com

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